CAR-T: primeiro tratamento individualizado contra o câncer ganhará espaço no SUS
O tratamento mais moderno que existe hoje no Brasil contra leucemia e linfoma é uma realidade acessível a poucos. Apenas dez pacientes tiveram acesso à sofisticada terapia de "células CAR-T", técnica totalmente individualizada. Os profissionais extraem glóbulos brancos do paciente, submetem o material a alterações genéticas, e o reinserem no organismo para atacar o tumor. Um projeto liderado pelo Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) espera que até 2025 o procedimento seja oferecido a 300 pessoas por ano no Sistema Único de Saúde (SUS), mas os cientistas esperam recrutar pacientes a partir de maio deste ano.
O Hemocentro recebeu no fim do ano passado uma autorização da Anvisa para ampliar a capacidade de produção das células usadas no tratamento, que hoje são produzidas apenas em escala experimental. Junto com o Instituto Butantan e a USP, o Hemocentro está montando dois centros laboratoriais para processar esse material, treinando equipes para atender uma demanda maior.
Os pesquisadores esperam recrutar a partir de maio um grupo de 75 voluntários que devem se submeter ao tratamento com as células CAR-T produzidas pelo projeto. Passando pelo crivo da Anvisa depois de um ano, a estrutura de capacidade ampliada já poderá oferecer a terapia em caráter regular, com capacidade ampliada. O ensaio clínico vai envolver quatro unidades: os hospitais de clínicas de São Paulo, Ribeirão Preto e Campinas, além do Hospital Beneficência Portuguesa na capital.
Para criar infraestrutura física e treinar equipes, o projeto batizado de Nutera (Núcleo de Terapia Celular) mobilizou cerca de R$ 180 milhões, captando recursos em diversas fontes, incluindo Fapesp, CNPq, Finep, Ministério da Saúde e investimento direto do orçamento dos centros de pesquisa envolvidos. Os prédios onde as células serão produzidas ficam em dois campi da USP, na capital e em Ribeirão.
Segundo o diretor do Hemocentro, Rodrigo Calado, o projeto necessitou juntar diferentes instituições porque a variedade de especialistas necessários para o tratamento é muito grande.
— O projeto envolve um investimento em pessoal desde o desenvolvimento do estudo clínico até o treinamento de médicos e enfermeiros, além de biólogos, biomédicos, farmacêuticos e geneticistas no laboratório e em todas as etapas da produção de produção das células — conta médico e cientista. — É mais complicado que um remédio convencional, porque a terapia usa células vivas.
Segundo Diego Villa Clé, diretor de patologia clínica do Hospital das Clínicas de Ribeirão, o esforço e o investimento se justificam em razão dos resultados que vem sendo obtidos com as CAR-T no resto do mundo e nos primeiros tratamentos realizados no Brasil.
— Dos dez pacientes que nós tratamos até agora, seis estão livres de doença — diz, explicando os tratamentos disponíveis hoje só apresentam boa resposta em cerca de 20% dos pacientes. — Ainda é muito cedo para a gente chamar de cura, mas as respostas são muito boas, porque esse perfil de paciente tem a sobrevida estimada em algumas semanas ou meses, apenas.
Clé ressalta que esse número é ainda mais significativo quando se leva em conta que no Brasil a terapia está sendo aplicada apenas a pacientes que não reagiram bem a outras terapias. Por enquanto, todos os pacientes selecionados receberam o atendimento na categoria de uso compassivo.
O anúncio do Nutera sai ao mesmo tempo em que chegam ao Brasil linhas de terapias celulares em hospitais da iniciativa privada, incluindo uma da multinacional Gilead e outra da Novartis. A aplicação desse produtos, porém, pode sair por até US$ 500 mil o tratamento (R$ 2,5 milhões) para um paciente no Brasil.
O Nutera, porém, espera que com a nacionalização da mão de obra e os royalties na mão de instituições públicas brasileiras, o custo de seu tratamento ao SUS saia por algo entre 15% e 20% do valor comercial.
A indicação da terapia, por enquanto, é apenas para leucemia linfoide e linfoma não-Hodgkins, doenças que atacam células B do sistema imune. Juntas acometem entre 2.000 e 3.000 pessoas anualmente no país.
O sucesso do projeto na fase inicial do Nutera, porém, provocou uma enxurrada de mensagens e telefonemas ao Hospital das Clínicas de Ribeirão com pedidos de familiares para inclusão de pacientes no projeto. Nesses casos, a instituição informa que paciente não se encaixa no perfil.
Segundo Calado, porém, existe no futuro a possibilidade que a lista de doenças na mira das células produzidas pelo Nutera aumente.
— Existem já pesquisas sendo feitas para uso contra mieloma e outros tipos de câncer, e a mesma plataforma que usamos para as CAR-T pode vir a ser usada para terapias gênicas que corrigem defeitos genéticos — conta o médico.
Fonte: O Globo
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