Como age a primeira terapia-alvo para casos avançados de câncer de pulmão
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A novidade é das boas. Dessas capazes de mudar o curso da história de gente que, quando descobre um tumor nos pulmões, ele já está avançado, espalhado em diversos focos, o que é desesperador. E olha que estamos falando de indivíduos que podem ser jovens e que muitas vezes nunca colocaram um único cigarro na boca — mas não só deles. Pessoas que, até então, não tinham uma alternativa de tratamento extremamente eficaz.
A notícia é que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou, no finalzinho de janeiro, uma droga chamada selpercatinibe, desenvolvida pela farmacêutica Eli Lilly. Ela vai direto ao ponto, ou melhor, ao gene alterado que está fazendo as células doentes crescerem de maneira ininterrupta e desordenada.
É o que, na Medicina, chamam de terapia-alvo. A primeira, diga-se, para casos assim. Com ela, o câncer tende a ficar na dele. Na maioria dos pacientes tratados, quando ele não some, ao menos para de crescer, o que lhe dá ares de doença crônica, ficando sob controle por um bom tempo. Detalhe: a droga é um comprimido, engolido em casa ou em qualquer outro canto duas vezes ao dia. E costuma ser muito bem tolerado, causando poucos efeitos adversos.
Para entender direito essa história, explicada tintim por tintim pelo médico Guilherme Harada, coordenador de pesquisa clínica em oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, melhor conhecer um pouco mais sobre o câncer de pulmão.
Quem se beneficiará
O que chamamos de câncer de pulmão, como se fosse uma entidade única, é na realidade um conjunto de doenças às vezes tão diferentes quanto um cachorro de um papagaio. "Compartilham apenas o local de nascimento: uma célula pulmonar, claro", explica o doutor Harada.
Lá pelos anos 1990, para que todos se situassem sobre a doença de que estava se falando, colocou-se alguma ordem na coisa toda. "Eram tempos em que o que dava para fazer era olhar a biópsia desses tumores pelo microscópio", conta o oncologista. "Por isso, a primeira divisão entre eles se baseou simplesmente no tamanho das células de pulmão acometidas, se eram pequenas ou não."
Agressivos que só, os cânceres de pulmão de células pequenas representam 15% do total casos. Costumam aparecer em pessoas mais idosas e que fumaram a vida inteira ou durante boa parte dela. Porém, a maioria dos pacientes — os outros 85% — tem o câncer de pulmão de células não pequenas, maiorzinhas. "Estes, por sua vez, também foram divididos em subgrupos", diz Guilherme Harada. "E boa parte, uns 40%, é um adenocarcinoma. Embora esse tipo também esteja bastante relacionado ao tabagismo, um ou dois em cada dez pacientes nunca fumaram ou fumaram muito pouco."
Quando é assim, há uma leve predominância de mulheres. E, como em geral alguém mais jovem que nunca deu suas tragadas não suspeita ter um câncer de pulmão, o diagnóstico tende a ser feito mais tarde, quando já há metástase.
"Até porque, esse câncer não tem sintomas nos estágios iniciais", justifica o doutor Harada. "A menos que esteja muito próximo da parede pulmonar ou de um brônquio, provocando tosse com sangue ou alguma dor." Se está localizado no meio do pulmão, porém, não dá pista. Avança, então, sorrateiramente.
Não à toa, quando a Medicina passou a examinar as alterações genéticas por trás de diversos tumores, investigou com afinco esse tipinho que às vezes parece surgir do nada. E, como quem procura acha, os pesquisadores encontraram um gene alterado por trás de uma ou duas em cada 100 amostras de cânceres de células não pequenas: o RET. Ele é o alvo do selpercatinibe.
Talvez você questione: então, o remédio funciona apenas para 1 ou 2% dos pacientes com câncer avançado de pulmões? Sim, é fato. Mas, quando lembramos o número descomunal de indivíduos que flagram a doença — no Brasil, o Inca (Instituto Nacional de Câncer) estima 704 mil novos casos só até o ano que vem —, notamos que o que parece pouco é, na realidade, um bocado de gente.
As saídas até então
Antes, o câncer de pulmão podia ser tratado com quimioterapia — que, aliás, continua sendo usada. "Mas ela tem uma duração menor até se tornar inviável por conta dos efeitos colaterais, uma vez que não age exclusivamente nas células malignas ", pondera Guilherme Harada.
Há um grupo de pacientes que pode ter um segundo caminho, o da imunoterapia, que incentiva o próprio sistema de defesa do organismo a combater a doença. Parece lindo, só que, infelizmente, a estratégia não funciona tão bem para quem tem um tumor com a tal alteração no gene RET. Na prática, esses pacientes ficavam só nas mãos da quimioterapia. Isto é, até a chegada do selpercatinibe.
Como age a nova droga
"O selpercatinibe funciona como uma chave na fechadura. Ao se encaixar nela, bloqueia o desenvolvimento do tumor", resume Guilherme Harada, que conhece essa alternativa relativamente bem.
Oncologista clínico com foco em pulmão e em câncer de cabeça e pescoço, ele voltou recentemente a viver no Brasil. Passou dois anos no Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos. E era justamente de lá o maior número de pacientes recrutados nos estudos com essa terapia-alvo.
Segundo ele, o RET é encontrado ativo em quase todas as células do nosso organismo. Mas só está alterado nas cancerosas. Nelas, ou sofreu uma mudança molecular e já não está mais intacto ou se fundiu com outro gene, induzindo uma proliferação sem o menor freio. "Daí que, ao inibir a proteína do RET alterado, o selpercatinibe age só nas células com câncer, poupando as que estão saudáveis", diz o médico. Isso explica sua eficácia e por que é tão bem tolerado.
O que mostram os estudos
Na fase 3 de pesquisa, foram envolvidas centenas de pessoas com câncer de pulmão metastático e alteração no RET. Uma parte foi sorteada para tomar selpercatinibe e outra caiu no grupo tratado com químio e imunoterapia.
Entre os que usaram selpercatinibe, 83% responderam ao tratamento, vendo os focos tumorais diminuírem ou até mesmo desaparecerem. Isso foi bem mais que os 65% que tiveram resposta com a quimioterapia combinada com a imunoterapia.
Aliás, com a terapia-alvo, pelo menos metade dos indivíduos não viu a doença progredir passados os 24 meses do período de observação nos estudos. "Isso é muito significativo no cenário de um câncer de pulmão agressivo", pontua o doutor Harada. Para você ter ideia, na turma da quimio com imunoterapia, o câncer voltou a avançar depois de 11 meses, em média. "Portanto, com o selpercatinibe, o tumor tem um risco 54% menor de progredir, em comparação com os outros tratamentos", calcula Guilherme Harada.
Uma particularidade contribui para o enorme sucesso: em algum momento, 40% dos pacientes com tumores apresentando alteração de RET desenvolvem metástases intracranianas. E o cérebro tem uma proteção natural, a barreira hematoencefálica, que dificulta a penetração dos quimioterápicos. Mas o selpercatinibe se mostrou eficaz ali também.
Na verdade — atenção! —, ele age não importa onde apareça o gene alterado. Inclusive, está mostrando efeito em outros tumores, como o de pâncreas e o de tireoide, com a mesmíssima alteração do RET.
Até quando?
O comprimido com 160 miligramas de selpercatinibe deve ser tomado duas vezes ao dia por tempo indeterminado, mesmo se os exames deixarem de exibir qualquer metástase. Ou seja, o tratamento será feito o amor: eterno enquanto durar.
Ele deverá ser interrompido apenas se a doença voltar a crescer, sinal de que ela não está mais respondendo à terapia, ou se a pessoa deixar de tolerá-lo. Mas isso não é o mais comum. Durante sua temporada no Memorial, Guilherme Harada encontrou pacientes que já se tratavam com a terapia-alvo por mais de quatro anos e que continuavam bem.
Somente cerca de 4% dos indivíduos precisaram largar o selpercatinibe por causa de efeitos adversos, como alterações importantes nas enzimas do fígado ou diarreias fortes. No restante, a queixa mais frequente é a de boca seca, algo que pode ser contornado com outras medicações. "Além disso, alguns apresentam elevação da pressão arterial e inchaço, principalmente nas pernas", conta o oncologista. "O médico, claro, precisará ficar monitorando tudo isso."
O que esperar agora
Como várias terapias-alvo, essa também deverá ser mais cara que outros tratamentos. Mas aí é que está: quanto será que se ganha quando você tem uma droga usada em casa, poupando idas ao hospital por causa de efeitos adversos, equipes de saúde e equipamentos para injetar remédios, deixando cadeiras usadas para quimioterapia livres para outros pacientes? Sem contar o inestimável valor de dois, quatro anos com excelente qualidade de vida.
Guilherme Harada lembra que essa discussão implica em outra: acesso ao teste de diagnóstico. Ele tem razão: de que adianta querer a terapia, se a gente não identifica quem tem o seu alvo, a alteração do RET? Até porque o ideal é que o selpercatinibe seja prescrito de cara quando esse gene está alterado, bloqueando sem perda de tempo o mal que é capaz de causar.
Fonte: Uol Viva Bem
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