Pesquisa analisa influência da região de residência no tratamento do câncer do colo do útero em Minas
Foto: CCS / Faculdade de Medicina da UFMG
A pesquisa desenvolvida pela aluna de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, Daniela Pena Moreira, mostra a disparidade no tempo para iniciar o tratamento do câncer do colo do útero nas treze Regiões Ampliadas de Saúde (RAS). A região Norte foi onde a média de tempo para iniciar o tratamento foi menor, e não residir nessa RAS aumenta a média de tempo para iniciar o tratamento entre 24% e 93% em comparação com outras regiões do estado. Trata-se de um estudo transversal, recorte da Base Nacional em Oncologia (Base Onco).
— A Base Onco é um subconjunto da Base Nacional de Saúde, uma coorte centrada no indivíduo e construída por meio da técnica de relacionamento probabilístico-determinístico de todos os registros de três grandes sistemas de informação: o Sistema de Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (Apac-SIA/SUS); o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e o Sistema de Internações Hospitalares (SIH), de 2000 a 2015.
Os dados da pesquisa mostraram que 33,3% das mulheres residem na região Central, seguida da região Norte, com 10,2% e 9,2% da região Sul, que são as regiões do estado com maior número de mulheres. As regiões Norte e Sudeste se destacam por ter a maior proporção de mulheres tratadas em até 60 dias após o diagnóstico, enquanto as RAS Nordeste e Oeste têm menor proporção.
É importante destacar que a região em que as mulheres residem está associada ao tempo de início do tratamento do câncer do colo do útero em tempo oportuno, e que o déficit de serviços habilitados e a extensão territorial das RAS pode explicar um tempo maior para o início do tratamento, como na região Nordeste. Entretanto, não é necessariamente o único fator desse aumento de tempo, como evidenciado pelo menor tempo da região Norte.
“Ficamos surpresos quando verificamos que a região Norte era a região em que o tempo médio para as mulheres iniciarem o tratamento era menor, porque é uma região de grande extensão geográfica e possui déficit de serviços habilitados para o tratamento oncológico. Todas as outras regiões do estado são significativamente diferentes da região Norte em relação ao tempo para iniciar o tratamento”, comenta Daniela.
Com relação ao deslocamento realizado pelas mulheres para se tratarem, 14,1% delas precisaram fazer um percurso de mais de três horas para se deslocar até o município de tratamento. E de todas as mulheres do estudo, cerca de 83% delas realizaram o tratamento na mesma região de residência, enquanto cerca de 17% precisaram se deslocar até outra RAS.
O câncer do colo do útero no Brasil e no mundo é mais incidente em regiões menos desenvolvidas. Enquanto alguns países já falam em erradicar a doença, outros, assim como o Brasil, ainda possuem altas taxas de incidência e mortalidade.
“Esse tipo de câncer está relacionado à desigualdade e à vulnerabilidade social. Ele acomete mais mulheres pobres, devido ao menor acesso à educação em saúde, menor cobertura de vacinação e rastreamento, e também pelas limitações dos serviços de saúde em regiões mais pobres”, afirma.
Variáveis do estudo
O estudo foi composto por 8.857 mulheres diagnosticadas com câncer do colo do útero, com o estágio do câncer entre I e IV, de 19 anos ou mais, residentes em Minas Gerais e submetidas a tratamento oncológico ambulatorial pelo SUS no mesmo estado, no período de 2001 a 2015.
Para a pesquisa foram utilizadas variáveis como região de residência; e as covariáveis intervalo diagnóstico/tratamento; idade no momento do diagnóstico (em anos); estágio do câncer no momento do diagnóstico (I, II, III e IV); primeiro tratamento recebido (cirurgia, radioterapia ou quimioterapia); número de comorbidades de Elixhauser 16 (0, 1, ≥ 2); deslocamento da sede da prefeitura do município de residência até a sede da prefeitura do município de tratamento (até 1 hora, 1-2 horas, 2-3 horas, > 3 horas); e o ano do primeiro tratamento realizado.
“Tivemos o cuidado de verificar se outros fatores (as covariáveis) poderiam estar influenciando nesse tempo para o início de tratamento ao realizar as análises. É o que chamamos de ‘ajustes’. E foi observado que não houve influência significativa, ou seja, o que está associado ao tempo para iniciar o tratamento é a região de residência dessas mulheres. Por isso, compreender o itinerário terapêutico de mulheres que realizaram tratamento do câncer do colo do útero no estado é importante, que foi o que fizemos na parte qualitativa do meu estudo”, explica Daniela.
A idade média no estudo foi de 55 anos. Para as mulheres que iniciaram o tratamento em até 60 dias, a idade média foi significativamente mais baixa em comparação às que iniciaram após este período. Sobre o primeiro tratamento realizado, nos tratamentos realizados em até 60 dias, a maior parte das mulheres fizeram quimioterapia como primeiro tratamento, e após 60 dias, a maior parte das mulheres fizeram radioterapia como primeiro tratamento.
De acordo com a pesquisa, outros estudos já mostraram que mulheres mais velhas têm mais chances de iniciarem o tratamento mais tarde, e isso não deveria acontecer, afinal, não há prioridades no tratamento. “Com relação ao tipo de primeiro tratamento, era de se esperar esse resultado, pois infelizmente o serviço de radioterapia é mais escasso em todo o Brasil, contribuindo para uma maior demora”, pontua.
Câncer de colo de útero preocupa especialistas
Causado pelo Papiloma Vírus Humano, o câncer do colo do útero é desenvolvido pela manifestação agressiva de algumas variantes do vírus. Também conhecido como HPV, trata-se da infecção sexualmente transmissível mais comum do mundo. Ao todo existem mais de 200 tipos conhecidos de HPV.
“O HPV é um vírus que pode causar uma lesão no colo do útero e essa lesão pode, em alguns casos, regredir naturalmente, sem nenhuma intervenção. Por outro lado, existem casos onde a lesão pode se tornar um câncer do colo do útero”, afirma a pesquisadora.
O câncer de colo do útero é a quarta neoplasia de maior incidência entre as mulheres em todo o mundo e o terceiro no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes (INCA). A doença tem alta incidência e mortalidade em países de baixa e média renda. Já em países de alta renda, estratégias de rastreamento foram fundamentais para redução de incidência e mortalidade para esse tipo de câncer.
Prevenção
A transmissão do HPV ocorre majoritariamente pelas relações sexuais, por isso o uso de preservativos é de extrema importância. Existem outras medidas de prevenção que podem ser tomadas. A vacinação, que é disponibilizada através do SUS para jovens de 9 a 14 anos, e o rastreamento, feito pelo exame citopatológico (papanicolau) em mulheres com idade entre 25 e 64 anos. Além disso, é importante o tratamento rápido da lesão precursora do câncer identificada pelo rastreamento.
Segundo Daniela, a vacinação pode ser benéfica para todas as mulheres, independentemente da idade, mesmo que a mulher já tenha sido infectada pelo HPV ou até tenha apresentado uma lesão do colo do útero em função do vírus, há uma significativa redução das chances de apresentarem uma nova lesão.
Para ela, é importante inserir estratégias de comunicação sobre prevenção do câncer do colo do útero que envolva também os homens. Daniela acredita que isso pode agregar na política, além de tirar toda a responsabilidade de prevenção na mulher.
“Na parte qualitativa do meu estudo, muitas das mulheres citaram o papel do marido ou do companheiro nessa questão. Acho que é importante chamar os homens também para prestar atenção nisso, porque a gente sabe que é principalmente através da relação sexual que se é transmitido o HPV”, completa.
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