Novos exames, precisos e menos invasivos, aumentam o cerco da ciência contra o câncer
Espera-se que a cada ano, 700 mil novos brasileiros cheguem ao diagnóstico de algum tipo de câncer. A cada novo caso conhecido, inicia-se uma corrida contra o relógio para oferecer tratamentos cada vez mais específicos e eficientes para cada alteração ou tumor. Nessa passagem acelerada, a ciência também aperta o passo para oferecer novas alternativas no diagnóstico de doença do tipo — e todas as etapas que incluem a tomada de decisão do médico— para conseguir melhorar a chance de cura ou ampla melhora do paciente. Nesse cenário surgem novos tipos de diagnóstico que miram na análise do sangue, na genética do tumor e lançam mão de programas baseados em inteligência artificial para avisar o mais rápido possível o médico de que há algo de anormal naquele exame.
Na rede de saúde integrada Dasa, por exemplo, desde o último trimestre do ano passado o sistema interno de processamento de exames (chamado Nav) está programado para emitir um alerta — prontamente comunicado ao médico que pediu o teste — quando há alguma alteração que inspire risco para câncer no paciente. O programa de aceleração foi iniciado com os tumores de mama e chegará a mais diagnósticos.
— Diante de uma alteração, ligamos para o médico que pediu o exame. Há um time que comunica o que foi visto no teste e até pergunta ao especialista se já há para onde encaminhar o paciente. Por meio dessa estratégia, diminuímos o prazo de identificação e tratamento de 60 para 15 dias em casos de câncer de mama. É um ganho enorme — afirma Cristovam Scapulatempo Neto, diretor médico de anatomia patológica e genética da Dasa.
A mesma rede aposta ainda em novos tipos de diagnóstico. São testes específicos para o monitoramento de uma doença de células da medula óssea chamada de mieloma múltipo e mais um exame que permite avaliar com mais clareza tumores cerebrais.
Não se trata de um avanço somente nacional e isolado. A comunidade científica tem apostado fichas no desenvolvimento do diagnóstico precoce ou mais apurado do câncer, trunfos que aumentam a chance de cura.
Um exemplo novíssimo é o exame de sangue produzido pela Oxford Biodynamics em colaboração com a Universidade de East Anglia, no Reino Unido. O protótipo em estudo chega a identificar o tumor na próstata em até 94% dos casos. O pulo do gato para chegar a esse diagnóstico está na avaliação da proteína do PSA (o exame tradicional) e mais uma análise genética — o que aumenta a confiabilidade. Outros estudos começam a mirar, além do sangue, a urina dos pacientes para avaliar o comportamento de outras variações genéticas, tudo ainda em fase inicial.
Fora dos estudos, no aqui e agora é possível observar o aprimoramento das técnicas de análise de tumores já estabelecidas, diz Paulo Hoff, coordenador da Residência em Oncologia Clínica do Icesp (Instituto do Câncer de São Paulo) e professor titular da Faculdade de Medicina da USP. Há, por exemplo, avanço das biópsias com análises moleculares de tumores retirados do pacientes. Essas pesquisas servem para dar um mapa das fragilidades daquele câncer em questão, permitindo que o médico escolha o tratamento que poderá dar mais resultado.
— Temos a personalização maior do tratamento de tumores diversos a partir do que se acha na alteração molecular dos tumores removidos dos pacientes. Desse modo, é possível identificar se a pessoa precisa de quimioterapia ou não, por exemplo. Ou então determinar quais outras estratégias de cuidado terão mais resultado— explica Hoff. — Outra realidade é o exame que chamamos de biópsia liquida. Ela ainda não atingiu seu potencial, mas ela já é feita no Brasil para avaliar câncer de pulmão, ou resistência de tratamento de câncer de cólon. Em paralelo aos diagnósticos, também temos avanços em tratamento. Caso da imunoterapia (turbinando o sistema imunológico e por meio das CAR-T cells, um tipo de transplante de células superpoderosas), além das cirurgias menos invasivas.
Biópsia líquida
A biópsia liquida, citada por Paulo Hoff, é a estratégia de cuidado que mais inspira otimismo entre os especialistas. No Brasil, ela chegou há poucos anos e engatinha no serviço privado. Seu funcionamento é baseado na coleta do sangue do paciente e serve tanto para identificação quanto para monitoramento da doença. Seu uso, contudo, ainda não abarca muitos tipos de câncer. Uma análise mais generalista desse tipo, ponderam os especialistas, seria uma verdadeira revolução.
— Quando a pessoa tem um tumor, células dessa tumoração se destacam e circulam pelo corpo. A tecnologia da biópsia liquida identifica essa alteração. Esse tipo de exame está em franco avanço internacionalmente. O estudo, inclusive, serve para avaliar o retorno do câncer em pacientes já tratados — explica Salmo Raskin, colunista do GLOBO e a frente do laboratório Genetika, em Curitiba.
Análises internacionais dessa estratégia de estudo, contudo, mostram que o exame ainda é pouco eficiente nos casos muito iniciais da doença. O que requer mais estudos nesse sentido.
O desafio pâncreas
Apesar dos avanços, os especialistas em oncologia ainda encontram no câncer de pâncreas uma barreira difícil de se transpor. Dada a gravidade e o avanço silencioso. Em geral, quando os casos são identificados em seus primeiros sintomas, dizem os médicos, a doença figura em estado avançado.
— O câncer de pâncreas se manifesta por dores abdominais e a icterícia: o amarelão da pele, por exemplo. Quando chegamos a esse diagnóstico, normalmente, ele já cresceu de forma agressiva, com metástase, e já soltou as células cancerígenas — afirma Fernando Moura, oncologista clínico e coordenador do Centro de Medicina de Precisão do Einstein. — Ainda não temos para esse câncer uma forma de rastreio que nos permita tratar precocemente. Isso, porém, eu estou te dizendo agora, neste março de 2023. O cenário que vemos adiante é promissor.
Fonte: O Globo
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