Quando o câncer vai parar nos ossos: o que há de novo para aliviar a dor

Não é exatamente uma surpresa. Se há uma coisa esperada de uma célula maligna é que, mais dia, menos dia, ela se desprenda do tumor para cair na corrente sanguínea e iniciar um passeio pelo corpo. Pode, então, estacionar nos mais diversos cantos. Mas, se nada é feito para acabar com a graça de uma célula fugitiva —uma quimioterapia, quem sabe?—, em até 80% dos casos ela irá emperrar na estreiteza de um vaso capilar dentro de algum osso.

Nele, a circulação parece fluir em ritmo mais lento. "Mais fácil para essa célula, então, ficar por ali, acomodada, se multiplicar e formar outro tumor", diz Elton Leite, médico radiologista e doutor em oncologia, descrevendo o início da metástase óssea.

O médico do Hospital Vila Nova Star, na capital paulista, que é também pesquisador do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), foi um dos palestrantes em uma mesa sobre o que pode ser feito para aliviar a dor, capaz de se tornar medonha, quando a metástase alcança os ossos.

Ela aconteceu durante a primeira edição do Simpósio Brasileiro de Intervenção Oncológica —evento que, há pouco menos de dois meses, reuniu radiologistas interessados em entender mais a fundo o universo de quem trata o câncer e oncologistas querendo saber mais a respeito da medicina intervencionista.

Essa área, com suas técnicas minimamente invasivas, oferece novas possibilidades aos seus pacientes. Entre elas, está a ablação, isto é, a destruição do tecido anormal usando ondas eletromagnéticas ou de ultrassom de alta intensidade ou, ainda, energia térmica para matar o foco da doença nos ossos de frio.

Por que dói tanto
Elton Leite explica que, olhando de perto, há três formas de metástase óssea. "Uma delas é a blástica", ele conta. "O câncer cresce como se fosse um balão insuflado dentro do osso. Os tumores de próstata costumam dar mais esse tipo de metástase", exemplifica.

Dá para imaginar o padecimento quando o tumor infla até encostar no periósteo, a membrana extremamente sensível que reveste os nossos ossos. Ou quando avança no espaço entre uma vértebra da coluna e outra, pressionando os nervos que passam por ali. Aí, mais do que uma dor irradiando pela musculatura da região, a pessoa pode até experimentar perda de força em alguma parte do corpo.

A outra forma de metástase óssea é a lítica, que tem uma característica diferente: ela é corrosiva. O osso acometido vai se tornando cada vez mais frágil, com fissuras criadas pelo câncer. E a dor, se duvidar, vem de uma fratura patológica, que não aconteceu porque o indivíduo sofreu um baque mais forte e, sim, por qualquer bobagem, já que tudo está quase se esfarelando. Lógico, fraturas assim terminam sendo mais frequentes naqueles ossos obrigados a suportar maior carga, como o fêmur, que aguenta o peso do corpo em pé.

Finalmente, a terceira forma de metástase óssea é a mista, ou seja, uma mistura de blástica com lítica. "Mas, a não ser quando ocorre uma dessas fraturas patológicas, a maioria dessas metástases não dói", esclarece o intervencionista oncológico Luiz Tenório Siqueira, da Rede D'Or, em São Paulo, que foi um dos idealizadores do simpósio. "Boa parte não surge perto do periósteo."

Então, pergunto, por que a impressão de que a dor é tão comum nessas metástases? "Porque dois dos cânceres mais incidentes em todo o mundo, que são o de próstata e o de mama, costumam parar nos ossos quando se espalham", responde o doutor Tenório. "Isso faz com que a quantidade de pacientes com metástase óssea acabe sendo imensa. E, mesmo que só a minoria deles conviva com muita dor, no final das contas é muita gente."

A hora da intervenção
Antes de mais nada, lidar com a dor física do câncer não é tarefa para esse ou para aquele especialista sozinho. É preciso unir forças de oncologistas clínicos, cirurgiões, anestesistas, fisiatrias e...intervencionistas, claro, entre outros profissionais de saúde.

A ordem, quase protocolar, é o tratamento começar pelo uso de analgésicos mais leves, se a sensação dolorosa é igualmente mais fraca.

Na medida em que ela se intensifica, os médicos passam a receitar opioides, como a morfina, incluindo adesivos que vão liberando a medicação ao longo do dia para ser absorvida através da pele.

O passo seguinte seria apelar para bloqueios anestésicos, a fim de interromper a mensagem da dor pelos nervos.

"Seguindo estritamente essas etapas, o intervencionista entra em cena quando nada mais resolveu", lamenta o Renato Zangiacomo, radiologista intervencionista do Hospital São Luiz, em São Paulo.

Isto é, os procedimentos intervencionistas seriam considerados uma opção quando, apesar dos remédios, a dor já não está diminuindo ou quando os medicamentos estão provocando muitos efeitos colaterais, como intestino preso, sonolência, prostração. "A pessoa fica mais parada e isso, além de derrubar a qualidade de vida, parece chamar mais dor", observa o médico.

Para Zangiacomo, dependendo do caso, o intervencionista poderia agir bem antes. E justifica essa opinião: "A intervenção mais precoce seria um jeito de interromper o estímulo doloroso constante. Afinal, mesmo quando a dor é apenas moderada, a constância costuma levar a uma sensibilização no sistema nervoso central. Com o tempo, então, o limiar de tolerância vai diminuindo. A pessoa começa a ter uma percepção dolorosa intensa diante de estímulos fracos, algo que pode demandar até mesmo a prescrição de certos antidepressivos. No caso, não pelo abatimento emocional que essa situação causa, mas para ajudar a modular os sinais nervosos".

Segundo Luiz Tenório, na prática, a intervenção pode ser realizada antes, sempre que o oncologista encaminha o paciente para o radiologista intervencionista ver se é possível fazer algo pela dor que vem dos ossos. E, às vezes, a resposta é um sim.

Intervenções para aliviar
Guiado por imagens, o intervencionista introduz uma sonda fina, que mais lembra uma agulha comprida, conduzindo-a na rota certeira até o câncer no osso. Pode ser realizada, então, uma ablação por radiofrequência, ou seja, por essa sonda passaria uma corrente eletromagnética que aqueceria o tumor até queimá-lo completamente. O médico tem o controle de tudo. Por isso, não lesiona o tecido sadio ao redor. E, para o paciente, o alívio pode surgir na mesma hora.

Na opinião do doutor Tenório, a crioablação seria até mais eficiente nas metástases ósseas. Nela, a sonda faz o tumor chegar a uma temperatura entre 130°C e 140°C negativos. As nossas células não ficam intactas nesse gelo todo. Elas se arrebentam. As do câncer não são exceção.

"A questão é que o equipamento da crioablação é bem maior que o da radiofrequência, que tem o tamanho de um forno microondas", diz o intervencionista. "Os gases usados para a gente alcançar as baixas temperaturas exigem, ainda por cima, grandes tambores e não duram tanto. Ou seja, a logística da crioablação é complicada. Por isso, ablação por radiofrequência é a mais realizada."

Quando a ablação é uma boa escolha
Se há muitos pontos de câncer nos ossos, a ablação deixa de ser a melhor opção. Em geral, o procedimento é cogitado quando há até cinco focos da doença. "Um dos motivos é que, se há muitos tumores, provavelmente existem metástases que nem estou enxergando. E, na oncologia, costumamos falar que a quimioterapia é que mata o que ainda não estamos vendo." Logo, a preferência é dela em situações assim, de várias metástases pelo esqueleto.

Mesmo quando há poucos focos, se eles surgiram todos de uma vez depois de o tumor primário ter sido eliminado, é sinal de que a doença está se espalhando bem depressa. E, de novo, podem existir outros focos engatinhando que ainda permanecem invisíveis nos exames de imagem. "Melhor fazer uma quimioterapia durante seis meses e, só depois, queimá-los",opina o médico, dando outro exemplo.

No entanto, quando se trata de aliviar a dor, outro desafio é ter uma boa dose de certeza de que determinada metástase é a legítima fonte do sofrimento. Por incrível que pareça, se a sensação dolorosa é mais fraca, determinar isso fica complicado. É que, aí, a pessoa tende a apontar uma região inteira dolorida, em vez de discriminar um ponto específico.

"Já quando o paciente conta que sente uma dor bem na ponta do cotovelo e eu vejo, nos exames de imagem, que a metástase está de fato encostando no periósteo bem ali, faz sentido eu tratar, ainda que a dor seja moderada, para evitar doses altas de morfina no futuro", pensa Luiz Tenório.

"Ou, conforme o caso, mesmo que existam mais lesões. No caso, eu não estaria prolongando a vida, como talvez acontecesse se um tratamento acabasse com todas as metástases. Mas, ora, tem gente com a vida prolongada que preferiria até morrer de tanta dor que sente."

Nas palavras do médico, "melhor se sentir bem e voltar a ter vontade de sair para tomar um simples sorvete. Afinal, o que podemos entender verdadeiramente como tempo de vida?" É bem isso: entre o começo e o fim, que a medicina nos traga algum refresco.

Fonte: UOL Viva Bem

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