Observatório do Câncer: aumento da sobrevida e tumores em adultos jovens marcam os últimos 20 anos
A estimativa para a incidência de câncer no Brasil no próximo triênio, 2023-2025, é que ocorram 704 mil novos casos anualmente, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Apesar do crescente aumento, os números do A.C.Camargo Cancer Center mostram que há, de forma geral, uma melhora na sobrevida dos pacientes nas últimas duas décadas. É o que mostra o Observatório do Câncer, levantamento do hospital que analisa os dados de pacientes que foram diagnosticados e tratados na instituição entre 2000 e 2020.
O Registro Hospitalar de Câncer (RHC), núcleo dedicado a essa análise, divulgou os principais achados, que levam em conta períodos de 5 anos de acompanhamento (2000-2004, 2005-2009, 2010-2014), sendo que o último período foi um triênio, de 2015 a 2017. O levantamento mostra que homens com adenocarcinomas de pulmão tiveram uma sobrevida de 10,4% de 2000 a 2004 para 51,1% no último período, enquanto saltou de 18,8% para 59,0% nas mulheres. Já para adenocarcinomas de estômago, saltou de 25,2% para 51,0% nos homens, enquanto saiu de 31,3% para 58,5% no sexo feminino. Em câncer colorretal, saiu de 60% de sobrevida para 80%.
“De forma geral, para 10 tipos de cânceres analisados, observamos que houve uma melhora da sobrevida. O trabalho multiprofissional dentro de um cancer center, com toda uma estrutura de diagnóstico e tratamento, vem fornecendo os melhores desfechos aos nossos pacientes”, explica Diego Rodrigues Mendonça e Silva , supervisor do RHC.
O A.C.Camargo atendeu no período cerca de 100 mil casos de câncer sem tratamento oncológico prévio, atingindo o pico de sua capacidade em 2016, com 8.336 pacientes naquele ano. A instituição, que vinha em um período de estabilização, sentiu o impacto da chegada da pandemia de Covid-19, que reduziu o número de casos para pouco mais de 6 mil em 2020.
“O hospital foi se organizando mais, aumentando sua capacidade, chegou em uma estabilização e entendeu uma necessidade de expansão, que foi interrompida com a pandemia. Agora, já está sendo retomada”, explica o oncologista Samuel Aguiar, líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais do A.C.Camargo.
Observatório do Câncer mostra aumento da sobrevida
Os especialistas apontam que existem alguns principais motivos para a sobrevida ter aumentado no período. Os avanços na tecnologia foram essenciais para oferecer melhores tratamentos e acelerar diagnósticos, o que se reflete em ganhos aos pacientes e melhor suporte aos médicos.
No entanto, a evolução ocorreu em diferentes esferas. Para Maria Paula Curado, epidemiologista e chefe do Grupo de Epidemiologia e Estatística do A.C.Camargo, o letramento do paciente sobre a doença foi essencial para melhorar o conhecimento e entender como ocorre cada passo do tratamento: “Ele conhece mais sobre a doença e pergunta mais, usa os meios tecnológicos para conhecer mais e se informar. Claro, às vezes ele encontra informações erradas, mas isso faz parte do processo. Eu não vou conseguir impedir os pacientes de entrarem no Google ou no ChatGPT, porque é a evolução do mundo”.
Outro motivo apontado pela epidemiologista é a forma como os serviços de saúde encaram o paciente. Segundo ela, no passado atendiam o tumor ou um órgão específico, e hoje leva em consideração que aquele paciente tem uma história de vida por trás, com problemas e sentimentos, com uma visão mais integral da saúde dele.
Para Samuel Aguiar, o trabalho desenvolvido no hospital de referência também é um ponto a se levar em consideração. Ele explica que hoje, todas as decisões são feitas de forma coletiva, que nenhum médico pode tomar atitudes em relação ao tratamento isoladamente e que os números têm mostrado aos profissionais que essa é a melhor forma de decisão.
“No centro de referência que eu coordeno, por exemplo, é obrigatório para todos os médicos, seja cirurgião, oncologista, clínico, radioterapeuta ou médico da imagem. Tem que discutir todos os casos em conjunto, com todas as decisões tendo que sair em conjunto. A gente se organizou nos últimos anos para fazer com que essas reuniões tivessem uma periodicidade curta e regular”, explica o oncologista.
Mesmo com as particularidades do A.C.Camargo, Diego Rodrigues Mendonça e Silva, supervisor do RHC, aponta que a maioria dos achados do hospital reflete a incidência de forma geral no Brasil, e que foi possível no Observatório fazer “uma análise descritiva quanto ao perfil desses pacientes, por faixa etária, sexo e quais são os principais tipos de câncer tratados dentro da instituição”.
Apesar de haver uma melhor sobrevida para ambos os sexos, as mulheres tiveram um ganho ainda maior. Contudo, no caso de câncer de bexiga o cenário é diferente. Houve uma redução na sobrevida entre 2015 e 2017 para as mulheres. De acordo com Maria Paula Curado, esse tipo de tumor tem particularidades que ainda não são muito bem entendidas pelos cientistas
Sistemas de Saúde
Apesar de o SUS ter grandes gargalos no atendimento à saúde, principalmente em relação ao câncer, Samuel Aguiar aponta que houve melhoras nos sistemas de saúde como um todo, e que há centros de excelência, como o A.C.Camargo, em diferentes regiões, especialidades e setores. Inclusive, o próprio hospital atende demandas vindas do SUS, através de convênios.
Contudo, o oncologista aponta que é preciso e possível melhorar: “No geral, o sistema é muito desorganizado. A gente acabou de discutir sobre o impacto da organização de um sistema de saúde que vem trazendo benefício em ganhos de sobrevida em vidas salvas. Quanto mais desorganizado é esse sistema, mais você imagina que ele se distancia desses resultados e desfechos”.
Por outro lado, Aguiar explica que também houve melhorias na saúde suplementar, com uma atenção dos planos de saúde para os cuidados com os tumores. Os tratamentos para câncer são um dos principais grupos de terapias incluídos constantemente no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O sistema também tem se movimentado para diagnosticar doenças em estágios iniciais, o que colabora com uma redução nos custos totais ao longo prazo. Por isso, planos de saúde têm observado essa seara. Por outro lado, a prevenção de doenças na saúde suplementar ainda não possui a robustez necessária para ter o impacto que a população precisa, mas algumas iniciativas já caminham nesse sentido.
Atenção redobrada
O câncer de cólon e reto foi identificado como um dos 5 mais prevalentes em homens e mulheres, estando à frente de tumores mais conhecidos, como de pulmão, estômago e ovário. Esse é um dado que os médicos observam com certa preocupação, já que tem se tornado mais frequente com o passar dos anos.
De acordo com o oncologista Samuel Aguiar, sociedades industrializadas, como Estados Unidos e países europeus, tiveram alta incidência desse tipo de câncer nos anos 80 e 90, e foi identificado que o alto consumo de ultraprocessados, obesidade e inatividade física eram os principais fatores de risco. A partir daí, houve mais campanhas de prevenção e rastreamento, o que levou a uma diminuição nos casos ao longo dos anos.
“Quando você vê a curva de incidência é nítida a queda, e a gente faz exatamente o contrário. Nos anos 80 e 90 a incidência no Brasil não chamava muita atenção no cenário internacional e hoje nós passamos a chamar. E a resposta é simples: nós importamos muitas coisas, inclusive hábitos de vida”, explica o líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais do A.C.Camargo. Por isso, é preciso investir em campanhas nacionais para o controle desse tipo de câncer.
De acordo com Maria Paula Curado, epidemiologista e chefe do Grupo de Epidemiologia e Estatística do hospital, outro dado que merece atenção é o de câncer em adultos jovens, entre 20 e 39 anos. Os números apontam que esse grupo representou 16% dos tumores em mulheres e 7% nos homens.
Ela explica que “se observa um comportamento que se expõe mais e em intensidade muito maior. Um exemplo é o binge drinkring [ato de beber muitas doses de álcool em um curto período]. Os estudos iniciais mostravam que esse grupo morria de acidente, agora estão mostrando que estão desenvolvendo câncer mais jovens. É uma população que precisamos cuidar mais, porque realmente está mudando o comportamento”.
O consumo de ultraprocessados desde a infância também está ligado ao aumento de casos em adultos jovens, já que esses foram mais expostos do que as gerações anteriores, e merece um cuidado especial do Governo Federal. Já o tabagismo segue sendo um dos principais fatores de risco para diversos tipos de câncer e em todas as faixas etárias.
Fonte: Futuro da Saúde
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