Como apoiar um colega com câncer

Em algum momento da carreira, um profissional brasileiro poderá trabalhar com colegas diagnosticados com câncer. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que, de 2023 a 2025, devem ocorrer mais de dois milhões de novos diagnósticos da doença ou cerca de 704 mil casos por ano, no Brasil. Em um estudo anterior, que reuniu os números do aparecimento da enfermidade entre 2020 e 2022, a taxa era de 625 mil novas ocorrências anuais.

Mas qual é a melhor forma de apoiar um colega em um momento tão desafiador? Em artigo na "Harvard Business Review", publicação sobre liderança e estratégia da Universidade Harvard, a psicóloga americana Jessica Zucker e a editora Sara Gaynes Levy, especializada em saúde e bem-estar, apontam estratégias para prestar solidariedade genuína a pares que enfrentam o problema.

- O que não dizer
“Pacientes com câncer podem ser inundados por comentários bem-intencionados, mas muitas vezes inúteis, ditos por pessoas que conhecem casualmente no trabalho”, lembram. E a tendência é que esse tipo de conversa escale – pelo menos nos Estados Unidos, indivíduos diagnosticados não querem esconder a doença das equipes.

De acordo com uma pesquisa realizada no ano passado pela organização Cancer and Careers, que capacita trabalhadores com câncer, a maioria opta por compartilhar o assunto na empresa – 77% contam à chefia e 63% para os colegas de trabalho. Foram ouvidos 905 profissionais que têm ou tiveram a doença.

Entre os que falaram sobre o tema no escritório, 21% se depararam com “análises insensíveis ou ofensivas em relação ao diagnóstico”.

- Comparação com outros casos
Mesmo comentários que remetem a uma atitude de apoio podem gerar repercussões dolorosas. “A maioria fala que um amigo passa pela mesma dificuldade”, dizem as estudiosas, baseadas em entrevistas com executivas afetadas pela doença. É uma reação instintiva [de relacionar a enfermidade com vivências pessoais], mas ninguém se sente melhor por saber que outras pessoas também estão sofrendo, explicam.

- “Guerreiros” até certo ponto
Frases como “você vai vencer isso” podem soar indesejáveis, relatam as autoras. Garantir ou sugerir uma recuperação completa não é apropriado quando detalhes do quadro clínico não são conhecidos.

Pacientes com câncer não são “guerreiros” que vencerão um inimigo em seus corpos, explicam. “E nem todos os tratamentos mostram resultados lineares.” Esse tipo de torcida pode ter um efeito oposto, especialmente quando os sintomas voltam mais desafiadores.

- Zíper na boca
Evite dar conselhos não solicitados, recomendam.

Zucker e Levy relatam um caso de uma gerente que descobriu que o tratamento não ia incluir cirurgias, quimioterapia ou radioterapia. “Isso gerou um boato na empresa de que ela estava optando por não fazer nada para conter a doença”, contam.

Com isso, colegas que sabiam da história não se contiveram e compartilharam opiniões inconvenientes, destacam. “Dizer a alguém como se sentir, o que fazer ou criar suposições sobre a saúde alheia, no meio de uma fase delicada, não é adequado.”

- Siga o líder
Algumas pessoas vão querer se abrir sobre o que estão passando e outras não, lembram. “Para alguns, a vida profissional oferece um refúgio da realidade de viver com o câncer e não desejam falar sobre tudo o que ele implica”, dizem. “Se for esse o sentimento, respeite.”

De acordo com a pesquisa da Cancer and Careers, 40% dos diagnosticados apontam que continuaram trabalhando para se sentirem “tão normais quanto possível.”

- Seja sincero
No levantamento informal que as autoras realizaram com cinco executivas com câncer de mama – o tipo que mais mata a população feminina no Brasil, segundo o Inca – algumas ações ajudaram a motivar mais o grupo no escritório.

Uma delas relatou que recebeu cartões com as frases: “sinto muito que isso esteja acontecendo com você” ou “sua força é inspiradora, eu só queria que você não tivesse que ser tão forte”.

“Era finalmente empatia, ao invés de simpatia, que eu estava recebendo”, lembra um das profissionais entrevistadas.

- Jogue a real
Lembretes sutis para gerar uma “vibe” positiva podem ser reconfortantes, dizem.

A dupla menciona uma funcionária em tratamento que disse que nunca esqueceu um conselho inteligente que ouviu: “o estágio 4 não é uma sentença de morte”, referindo-se a uma etapa acentuada da doença.

O colega que fez a observação sabia de informações específicas sobre o diagnóstico da executiva e “apostou” em uma linha tênue entre o apoio e a positividade tóxica, avaliam. “Sem promessas efusivas e com uma consideração cercada de verdade, conseguiu oferecer consolo.”

- Simplesmente ajude
Zucker e Levy citam uma advogada que sempre se sentia melhor ao perceber que os membros da equipe cuidavam das suas tarefas, sem que ela pedisse. A equipe não queria que a executiva se ocupasse com afazeres nos dias da quimioterapia, contam. E ela também solicitou a colegas próximos que a informassem sobre ligações e reuniões perdidas, para que não se sentisse “fora do circuito”.

“Dessa forma, foi incentivada a dedicar apenas o tempo necessário ao expediente, pois sabia que teria apoio nas fases de ausência obrigatória”, afirmam. “Os colegas intervieram com um cuidado genuíno.”

Afinal, questionam as autoras, com que frequência a recomendação “avise-me se puder fazer algo por você” para um colega doente pode ser respondida apenas com silêncio? “Quando se trata de obrigações relacionadas ao trabalho, apenas faça, não pergunte.”

- Sensação de comunidade
“A atitude geral entre os meus colegas era ‘vamos superar isso’, disse uma das profissionais ouvidas pelas pesquisadoras. A funcionária se sentiu amparada quando os times fizeram uma vaquinha para arrecadar fundos e falaram: “ninguém aqui luta sozinho”.

“Isso serviu como um lembrete de que havia um sistema de apoio na empresa”, contam.

- Tente outra vez
Jessica Zucker e Sara Gaynes Levy destacam que todas as orientações acima não são garantia contra um “passo em falso” ou observações que os colegas com câncer podem considerar indelicadas.

“Nem sempre saberemos quando uma das nossas ações acabou mal recebida”, explicam. “Mas isso não é motivo de parar de procurar o colega – desaparecer da baia dele pode ser a atitude mais dolorosa de todas.”
Humildade, disposição para ser corrigido e um esforço contínuo para fazer com que o companheiro de equipe se sinta amparado são as ferramentas importantes nesse cenário. “Use-as”, recomendam.

Cada caso é um caso

O médico Gustavo Fernandes, diretor da Dasa Oncologia, de cuidados a pacientes oncológicos, lembra que é preciso levar em conta que existem vários tipos de câncer e maneiras de recuperação. “Há indivíduos que vão conseguir desempenhar o trabalho normalmente e outros que precisarão de bastante apoio”, destaca.

Para as chefias, a atitude recomendada é “deixar a porta aberta” a fim de ouvir, acolher e fazer o necessário em cada caso, explica.

“Tenho pacientes que não mudam a rotina e usam o trabalho como uma forma de se manterem mentalmente sãos durante o tratamento, mas há pessoas que sentem a necessidade de se expor menos”, detalha.

Fernandes lista sugestões para calibrar o relacionamento com pares diagnosticados:

1. Na escuta
Deixe que o colega se expresse sobre a situação que está enfrentando. “Respeite o espaço dele e seja colaborativo quando necessário”, diz. “Mas evite tratá-lo como se tivesse inabilitado, oferecendo ajuda sem que ele peça.”

2. Chefias a postos
“Todas as empresas vivenciam ou vão enfrentar cada vez mais casos de funcionários com câncer, curados ou em tratamento”, avisa. “Saber lidar com essa situação no ambiente de trabalho é uma necessidade.”

As companhias, continua o oncologista, devem se planejar com um apoio apropriado e limitar atitudes negativas, orienta. “Trata-se de uma doença extremamente comum e é preciso preparar as lideranças e empregados [para o problema] desde já.”

Agenda revisada
Na opinião de Silmara Costa Silva, psicóloga hospitalar no Centro de Oncologia e Hematologia Família Dayan Daycoval do Hospital Albert Einstein, o diagnóstico e o tratamento do câncer podem implicar em mudanças na agenda profissional.

“Ao ser procurado pelo colaborador para conversar sobre o diagnóstico oncológico, é indicado que [o líder] ofereça um ambiente seguro, com privacidade, para que o diálogo seja acolhedor”, ensina. “Também é essencial respeitar a escolha do profissional em compartilhar ou não a informação do adoecimento com as equipes, definindo a abrangência do sigilo.”

A especialista indica a flexibilização e a revisão do cronograma de atividades. “Pode ser sugerida, por exemplo, a modalidade de trabalho em home office.”

Silva diz que o amparo dos times pode ser realizado, com cuidado, de várias formas:

1. Com delicadeza
“Respeite as expressões emocionais e o desejo do doente de falar sobre o assunto”, destaca. “É possível estimular a procura por ajuda especializada quando for identificada alguma necessidade de assistência psicológica.”

2. Um olhar integral
Demonstre disponibilidade para o apoio emocional, de forma que o colega perceba que pode confiar na sua ajuda, indica. Uma das coisas que podem ser ditas é: “não consigo imaginar como você está se sentindo, mas conte comigo para passar por esse processo.”

3. Sem discurso
Evite colocar a culpa na pessoa diagnosticada, buscando causas para o desenvolvimento da doença.

Algumas frases também devem ser evitadas, como:

- “Você precisa ser forte”

- “Você está bem, nem parece que está com câncer”

- “O cabelo é o de menos, o importante é a saúde”

De acordo com a psicóloga, essas falas podem invalidar sentimentos e acarretar mais sofrimento.

4. Lugar de cura
Silmara Costa Silva diz que os cuidados oferecidos no ambiente de trabalho têm papel fundamental na fase da doença: influenciam na qualidade de vida e na autoconfiança, promovem interação social e uma rede de suporte. “Favorecer o bem-estar emocional do colega com câncer pode impactar positivamente a jornada de tratamento.”

Fonte: Valor Econômico

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