Câncer: deslocamento entre cidades para se tratar está associado a menor sobrevida, diz estudo

Pacientes que precisaram se deslocar de cidade, dentro ou fora da macrorregião de saúde de residência, para tratar câncer de mama ou de colo de útero tiveram uma sobrevida menor (período entre diagnóstico e óbito), segundo análise da farmacêutica Roche Farma Brasil e da consultoria AT Saúde (by Semantrix). Pesquisadores descobriram que quem não precisou fazer translado apresentou uma vantagem de mais de um ano (13 meses) de sobrevida no caso de tumor de mama e de 6 meses em relação ao tumor no colo do útero. Os dados foram apresentados nesta quarta-feira, 27, no 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer.

Para isso, eles analisaram dados de bases públicas de pacientes brasileiras que morreram com câncer de mama e de colo de útero entre 2008 e 2019. Eles cruzaram informações dos Registros Hospitalares de Câncer (RHC), do Instituto Nacional de Câncer (Inca), que monitora a assistência prestada, e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

Após exclusão de registros que não constavam informações de município de residência, estabelecimento de tratamento e estadiamento (quanto o tumor já se espalhou), os cientistas chegaram a 464.999 óbitos. Desses, 324.752 foram de casos de câncer de mama e 140.247 foram de câncer de colo do útero.

Mais de metade (56%) das pacientes se tratou fora do município de residência. Duas em cada dez (21,3%) fizeram tratamento em um cidade fora de sua macrorregião de saúde. Vale destacar que o deslocamento entre cidades para o tratamento do câncer não é algo incomum ou que gere um alarme. Considerando a quantidade de municípios do País, seria inviável contar com atendimentos de média e alta complexidade em todos eles. Por isso, o Brasil é dividido em 456 regiões de saúde e 117 macrorregiões de saúde.

Os pesquisadores frisam que o estudo mostra uma associação, e não uma relação direta de causa e efeito, ou seja, seria incorreto dizer que o deslocamento, por si só, prejudicou o tratamento do paciente. Eles afirmam que é preciso investigar mais a relação entre desfecho e o deslocamento. Variáveis como condição social, adesão ao tratamento (foi interrompido?) e qualidade do serviço da prestadora, por exemplo, precisam ser investigadas.

“O estudo sobre mobilidade é o movimento inicial no objetivo de um melhor diagnóstico e entendimento da operação e da eficiência do cuidado oncológico no SUS (Sistema Único de Saúde)”, escreveram.

Parte dessas perguntas não podem ser respondidas tão facilmente devido a algo que eles avaliam, inclusive, ser uma limitação do levantamento: a baixa qualidade de dados. A ideia inclusive era fazer uma análise até 2023, mas os dados a partir de 2020, período marcado pela pandemia da covid-19, precisaram ser excluídos. O número de casos caiu muito, mas os pesquisadores apontam que não está claro se essa queda se deve ao fato de eles não terem sido reportados.

“Apesar de termos encontrado resultados importantes, temos que ter cautela ao interpretá-los, porque pode ter passado algo que o sistema (de dados) não nos diz”, alerta Flávia Martins, gerente de Ecossistemas de Saúde e Relações Governamentais da Roche.

“Gestor precisa focar no sistema (de saúde) inteiro”, diz o ex-ministro da Saúde e oncologista Nelson Teich, que revisou o levantamento, sobre a importância de melhorar a qualidade de dados. Segundo ele, só assim será possível encarar as desigualdades de acesso ao tratamento no País.

Sobrevida em câncer de mama

No caso das pacientes com câncer de mama que evoluíram para óbito, mais da metade (53,7%) precisou se deslocar de cidade (dentro ou fora de sua macrorregião de residência) para tratamento. Quase 20% (19,7%) se tratou em um município fora de sua macrorregião. Os pesquisadores mostram que quem se deslocou teve uma mediana de tempo entre o diagnóstico e óbito de 98 meses. Para quem se tratou no município de residência, o mesmo número foi de 111 meses. Ou seja, uma diferença de 13 meses.

Os autores também analisaram a evolução do caso das pacientes que precisaram ir a uma cidade fora de sua macrorregião com aquelas que não tiveram que fazer isso (porque se trataram na cidade de residência ou em uma cidade diferente, mas dentro da macrorregião de saúde). Aqui, quem não se deslocou teve 14 meses a mais de sobrevida. Para elas, a mediana foi de 106 meses entre diagnóstico e óbito. Para quem precisou se tratar em outra macrorregião, ela foi de 92 meses.

Sobrevida em câncer de colo de útero

No caso dos pacientes com câncer de colo de útero que evoluíram para óbito, seis em cada dez (61%) se deslocou de cidade (dentro ou fora de sua macrorregião de residência) para tratamento. Um quarto (25%) se tratou em município fora de sua macrorregião de saúde. A mediana de tempo entre o diagnóstico e óbito dos pacientes que se deslocaram foi de 79 meses, diz o levantamento. Para quem se tratou no município de residência, o mesmo número foi de 85 meses. Ou seja, uma diferença de 6 meses.

Quando a comparação foi feita entre quem se tratou na macrorregião de residência e fora dela, essa diferença foi de 3 meses. A sobrevida média dos pacientes que se trataram dentro da sua macrorregião de saúde foi de 81 meses, enquanto para quem se tratou fora dela, 78 meses.

Acesso

Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or, que não está envolvido no levantamento, destaca que é preciso ter cautela com uma avaliação retrospectiva como essa, afinal, podem haver vieses dos dados. “Ela é muito importante pra gerar debate e propostas, mas pode ter viés.”

“Mesmo com as limitações de uma avaliação retrospectiva, a ideia de que pessoas que precisam percorrer distâncias maiores para serem atendidas acabam tendo um desfecho pior tem muita lógica”, diz. “O fato de você precisar fazer um deslocamento implica em mais dificuldades de tempo e de acesso.” Ele comenta que o campo de pesquisa médica sobre implicações dos deslocamentos para tratamento oncológico é relativamente novo.

SUS

Os especialistas ouvidos pelo Estadão comentam que as regras do SUS preveem um hospital habilitado para alta complexidade a cada 500 mil habitantes. Seriam necessários cerca de 400.

Hoff destaca que nem todos os hospitais precisam fazer tudo. “Por exemplo, você consegue tratar câncer de mama em qualquer local, isso é possível. Mas não consegue fazer radiocirurgia em todos os locais, porque o equipamento é muito caro e a população que usa é muito pequena. Então isso tem que estar centralizado.”

“O SUS trata da hierarquização do serviço. Imagine um raio de uma bicicleta: nas pontas, há os centros atendendo câncer. Já aqueles casos ultracomplexos iriam para o centro desse raio”, compara. “Certamente isso avançou no Brasil, mas precisamos de mais infraestrutura. Não temos, hoje, um centro (de ultracomplexidade) para cada quinhentos mil habitantes.”

O Estadão apresentou os principais resultados do levantamento ao Ministério da Saúde. Segundo a pasta, o fortalecimento da rede de assistência aos pacientes com câncer no SUS é uma prioridade. “Estamos implantando novos serviços de radioterapia em hospitais habilitados, por meio do Plano de Expansão da Radioterapia (PER-SUS)”, informou, em nota. “Com o novo PAC, que prevê investimento de R$ 13,8 milhões para a atenção especializada, a assistência ao paciente com câncer no SUS receberá reforço com novas soluções em radioterapia.”

“Em apoio a estados e municípios, publicamos a Portaria nº 688/2023, alterando as exigências para a habilitação de novos centros ou unidades de alta complexidade em oncologia. Assim, as unidades de saúde terão mais facilidade para a habilitação dos serviços, ampliando a assistência à população no País”, completou.

Início tardio do tratamento

Independente do tipo de câncer e do deslocamento para se tratar, mais de metade dos pacientes tiveram a Lei dos 60 dias descumprida, segundo o levantamento. A regra estabelece que o tratamento no SUS deve começar, no máximo, após 60 dias do diagnóstico. Pacientes que fizeram tratamento fora da cidade de residência, porém, começaram a fazê-lo mais tarde.

Em câncer de mama, a mediana de tempo para início da terapia foi de 74 dias para quem se tratou no município de residência, e de 81 dias para aquelas que foram para outra cidade. Considerando apenas as pacientes que saíram da sua macrorregião, a mediana foi de 84 dias. Para o tumor de colo de útero, os mesmos números foram de 82, 89 e 96, respectivamente.

Hoff diz que a lei é muito “bem intencionada”, mas “não veio associada a um aumento de orçamento que permitisse que fosse cumprida”.

Fonte: Estadão

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