[ENTREVISTA] Presidente da ABRALE discute cenário do Mieloma Múltiplo no Brasil
Em entrevista exclusiva ao Portal Oncoguia, Merula Steagall, presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE), fala sobre a realidade do Mieloma Múltiplo no Brasil. Por ano, estima-se que 7.600 brasileiros recebem o diagnóstico da doença e, a falta de conhecimento sobre o assunto, implica em diagnósticos tardios, que restringem as opções de tratamento.
Confira a entrevista e entenda o que é o Mieloma Múltiplo, quais os seus
sintomas, como diagnosticá-lo e conheça as opções de tratamento para manter a
doença sob controle.
Instituto Oncoguia - Sabemos que aproximadamente 20.000 novos casos de
doenças onco-hematológicas (leucemias e linfomas) serão diagnosticados este ano.
Qual a estimativa do número de casos de mieloma múltiplo, sendo que é uma
doença menos frequente?
Merula Steagall - No Brasil, a incidência do mieloma múltiplo ainda é desconhecida, principalmente porque não faz parte das estimativas anuais do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Mas estudiosos apontam que a doença atinge quatro a cada cem mil brasileiros, o que representa aproximadamente 7.600 novos casos por ano. Já nos Estados Unidos, 19 mil casos são registrados no mesmo período.
Instituto Oncoguia - Quais os sinais e sintomas do mieloma múltiplo? Quais as pessoas que devem estar atentas e quando devem procurar um médico para elucidação diagnóstica?
Merula Steagall - São diversos os sintomas que podem sinalizar um mieloma múltiplo, mas os mais comuns são: dores ósseas constantes, principalmente nas costas ou peito; cansaço e fraqueza, devido à anemia; aumento dos níveis de cálcio no sangue; fraturas ósseas espontâneas; deficiência do sistema imunológico responsável por infecções constantes, com febre e mal estar e/ou mau funcionamento dos rins.
Lembrando que o diagnóstico precoce é fundamental, pois com ele as chances de obter melhores resultados aumentam exponencialmente. A qualquer sinal diferente do corpo que seja persistente, é muito importante procurar um médico.
Instituto Oncoguia - Qual a importância da eletroforese de proteínas séricas no diagnóstico do mieloma?
Merula Steagall - A imunoglobulina produzida por células de mieloma é anormal, porque é monoclonal. A eletroforese de proteínas séricas (SPEP) é um exame para medir a quantidade total de imunoglobulina no sangue e detectar qualquer imunoglobulina anormal.
Este é um exame fiel no diagnóstico, principalmente em aproximadamente 75% dos pacientes nos quais há aumento do pico de globulinas.
Instituto Oncoguia - O que a entidade que preside está realizando em relação ao diagnóstico e tratamento do mieloma múltiplo?
Merula Steagall - Organizamos anualmente campanha de conscientização para ampliar o conhecimento e difundir informações, em parceria com sociedades médicas e outras entidades de pacientes, como a IMF e Oncoguia. Criamos programas de educação para médicos, profissionais de saúde, pacientes e cuidadores com o apoio de nosso Comitê Médico e Multidisciplinar. Em nosso pilar de políticas públicas, trabalhamos com representantes do governo para impulsionar avanços nos protocolos dos tratamentos disponibilizados nos centros de tratamento públicos e privados de todo o país, além de buscarmos o aumento de pesquisa clínica para pessoas com mieloma múltiplo, bem como solicitar maior agilidade nos processos de registro e incorporação de tratamentos ainda não disponíveis no Brasil para todos os pacientes.
Instituto Oncoguia - Quais as ações efetivas que a Abrale realizou / realiza com os pacientes de mieloma múltiplo no país?
Merula Steagall - Todos os itens explicados na pergunta anterior incluem ações efetivas. Alguns exemplos para ilustrar são: em 2012, fizemos o Seminário de Mieloma Múltiplo e, com a participação de especialistas renomados, inclusive do exterior, foi discutido o que deveria ser melhorado no tratamento da doença no país. Usamos a revista da Abrale para divulgar informações e conteúdos relevantes para os pacientes, cuidadores e profissionais da saúde.
Este ano criamos novo vídeo que será amplamente difundido entre as sociedades médicas, sugerindo que os médicos conheçam os sintomas e considerem pedir exames específicos, caso se deparem com alguma pessoa que apresente sintomas sugestivos de mieloma múltiplo.
Nosso esforço direto com representantes do governo, pedindo maior agilidade e transparência no registro da Lenalidomida pela ANVISA, também deve ser citada, pois sabemos que este medicamento pode fazer a diferença na qualidade de vida de diversos pacientes.
É muito importante também frisarmos que disponibilizamos serviços de apoio gratuito, como apoio psicológico, jurídico e nutricional, além de Chats com especialistas, 0800 e fale conosco para tirar dúvidas e dar orientações para pacientes, cuidadores e profissionais da saúde.
Instituto Oncoguia - Qual o estado da arte sobre o tratamento do mieloma fora do Brasil?
Merula Steagall - Ultrapassada essa fase de diagnosticar a doença, em relação à questão do tratamento no mundo, o mieloma até 15 anos atrás era uma doença com um tempo de sobrevida muito pequeno, em torno de três anos, isso um dado estatístico. O que aconteceu depois foi a introdução do transplante autólogo de medula óssea e a introdução de um grupo de medicamentos chamados "novas drogas”.
Existem no mundo três medicamentos aprovados e incluídos nessa categoria de novas drogas, que são: Talidomida, Bortezomib e a Lenalidomida. As três drogas, já em uso no mundo, mais o transplante, modificaram um pouco a história natural da doença.
A mediana de sobrevida mais do que dobrou, e hoje a perspectiva do paciente que já tem um diagnóstico em mieloma, na maioria dos casos, pode superar os oito anos, e com qualidade.
No Brasil, temos algumas limitações em relação a esse cenário. Qual é? É a questão do acesso às drogas. No Brasil, não temos estes três medicamentos aprovados para uso, somente a Talidomida e o Bortezomib. A Lenalidomida está em trâmite ainda, um longo trâmite na ANVISA. E, na verdade, nem sabemos se será aprovada. Então temos um grande problema.
O acesso à Talidomida é universal porque é um medicamento distribuído pela estrutura pública. Já o acesso a Bortezomib não é universal, os convênios normalmente pagam, mas no SUS o acesso ainda é muito irregular, pois alguns centros de tratamento dependem exclusivamente do valor coberto pela APAC (autorização de procedimento de alta complexidade). Este é o valor pago pelo Ministério da Saúde para cobrir os custos com exames, procedimentos e medicamentos nos centros de tratamento públicos, e o valor aplicado para o mieloma é inferior ao que deveria ser.
A Lenalidomida, como já citado, não está aprovada, então esse cenário apresentado fora do país, infelizmente não existe aqui ainda.
Instituto Oncoguia - A Abrale participou da audiência pública sobre lenalidomida no último dia 15 de agosto, na qual a ANVISA não enviou um representante, qual sua opinião a respeito?
Merula Steagall - A Audiência Pública foi proposta pelos deputados Fernando Francischini e Willian Dib, que nos fizeram convite especial para debatermos sobre a importância do "registro” do medicamento Lenalidomida. Para insatisfação de todos, o responsável pelo órgão principal (ANVISA) não compareceu, demonstrando descaso com toda sociedade civil e os pacientes portadores de mieloma múltiplo.
O registro desse medicamento é muito importante, já que é uma droga que atua impedindo o crescimento de vasos sanguíneos que alimentam o tumor, o que aumenta a qualidade de vida.
Como a missão da ABRALE é garantir que o paciente tenha acesso ao melhor tratamento, a Associação encomendou ao centro de pesquisa Cochrane do Brasil uma análise minuciosa de todos os trabalhos científicos publicados sobre o tema, e mais uma vez evidenciou comprovação científica sobre a efetividade da droga Lenalidomida para o portador de mieloma múltiplo, contudo, a ANVISA ainda não se manifestou a respeito.
Instituto Oncoguia - Qual a importância de aprovar um medicamento como esse para os pacientes com mieloma no Brasil?
Merula Steagall - Os especialistas afirmam que não existe cura para o mieloma múltiplo e sim o controle da doença. Queremos que o paciente fique com a doença sob controle por longos períodos e tenha garantida a sua qualidade de vida durante todo o processo de cuidados. Para que isto ocorra é importante ampliar o conhecimento dos médicos e garantir acesso universal a exames e medicamentos. Isto significa que o ideal é que todos os médicos em todos os centros que se dispõem a tratar pessoas com mieloma múltiplo tenham a condição necessária para tal fim. Tem paciente que responde bem ao tratamento inicial, realiza transplante de medula óssea e fica por um longo período muito bem. Para outros, o tratamento inicial não é muito eficaz, então é imprescindível que os médicos possam oferecer outras opções terapêuticas.
Ter disponível a Lenalidomida para o tratamento do paciente com mieloma múltiplo permitirá, na maioria dos casos, aumentar a chance de atingir remissões da doença, com melhora significativa da qualidade de vida.
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