[ENTREVISTA] Como é utilizada a Radioterapia em Cânceres Ginecológicos?
Ainda existem muitas dúvidas e conflitos nas pacientes que vão fazer radioterapia, por isso o Instituto Oncoguia conversou com a médica radioterapeuta do Serviço de Radioterapia do Hospital Sírio Libanês, Heloísa de Andrade Carvalho - Doutora pela Faculdade de Medicina da USP, sobre tumores ginecológicos e os procedimentos adotados para o tratamento. Ela aponta o papel fundamental e decisivo para os tratamentos de câncer em cada caso específico, além de dar uma explicação detalhada sobre os tipos de técnicas utilizadas e efeitos colaterais.
Dra. Heloísa, que também é médica assistente do Serviço de Radioterapia do INRAD, Hospital das Clínicas da FMUSP, destaca a importância da orientação médica, da enfermagem e nutricional durante todo o processo terapêutico e ainda esclarece dúvidas sobre cuidados, fertilidade, sexualidade e a braquiterapia, que é indicada para tumores de colo e corpo do útero e vagina.
Confira a entrevista na íntegra.
Instituto Oncoguia - Sabemos que existem diferentes tipos de cânceres ginecológicos (corpo e colo de útero, ovário, vagina, vulva, endométrio, trompas de Falópio) pode referir-se às indicações de radioterapia para cada tipo?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - A radioterapia pode ser utilizada em todos os tumores ginecológicos. Para os tumores de ovário e trompas, no entanto, sua indicação fica mais restrita a tratamentos localizados, com intuito paliativo.
Em todos os demais, a radioterapia tem papel fundamental no tratamento curativo. Exceto para os tumores de vulva, onde apenas radioterapia externa é utilizada, utiliza-se uma combinação de radioterapia externa, com braquiterapia intracavitária (intrauterina ou endovaginal, no caso das pacientes operadas).
A radioterapia externa é feita "por fora” do paciente, com equipamentos que produzem ou emitem radiação a uma determinada distância do paciente. São irradiados o tumor e as principais áreas de risco ao redor, com margens de segurança e uma dose em geral homogênea. Pode ser realizada com técnica chamada de "convencional” ou bidimensional, onde apenas radiografias são utilizadas na programação. Técnicas mais modernas como radioterapia tridimensional ou radioterapia com feixe de intensidade modulada (IMRT) permitem uma diminuição dos volumes de órgãos e tecidos irradiados e melhor proteção dos tecidos normais adjacentes. São baseadas em reconstrução tridimensional de imagens de tomografia computadorizada. Em termos de resultados terapêuticos, todas as técnicas são equivalentes, porém, as mais modernas apresentam menor toxicidade.
A braquiterapia é um tratamento onde se coloca material radioativo em contato ou proximidade com o tumor ou áreas de risco. No caso de tumores ginecológicos pode ser realizada por meio da introdução de aplicadores específicos para tal, no útero e na vagina, dentro dos quais se coloca o material radioativo. Após o procedimento, retira-se o material e os aplicadores da paciente. Esse tratamento permite que doses muito elevadas de radiação sejam administradas em áreas de maior volume de doença, com boa preservação dos tecidos normais adjacentes, pois a dose fica concentrada nas proximidades do aplicador. É em geral utilizada como um reforço de dose para a radioterapia externa.
Instituto Oncoguia - Quais são os efeitos colaterais mais comuns do tratamento radioterápico desses cânceres ginecológicos?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Efeitos inerentes aos tratamentos da região pélvica. Podem ser agudos (durante e até 3 meses após o término do tratamento) ou tardios ou crônicos (após 6 meses do término do tratamento).
Entre os agudos: diarreia, cólicas, sintomas de cistite – irritação da bexiga (dor e/ou ardor ao urinar, necessidade de urinar várias vezes e em pouca quantidade, eventualmente sangue na urina), sintomas de retite – irritação do reto (dor discreta para evacuar, sensação de necessidade de evacuar, sangramento eventual nas fezes) e, mais raramente, náuseas. Efeitos na pele com as técnicas atuais são menos importantes, com um escurecimento discreto das áreas irradiadas, que depois é revertido. Na região vulvar, o efeito na pele pode ser mais intenso, com vermelhidão, ardor e descamação local, pela própria anatomia da região, além da queda de pelos do local. Todos esses efeitos podem ocorrer em graus variados de gravidade e em geral são passageiros. Quando persistem ao longo do tempo, são considerados tardios.
Estreitamento ou estenose vaginal pode ocorrer tardiamente, dificultando ou impossibilitando o exame ginecológico e a atividade sexual. Infertilidade e castração (falta de produção de hormônios pelos ovários) são também efeitos tardios da radioterapia.
Instituto Oncoguia - Do ponto de vista multiprofissional como é feita a abordagem ao tratamento radioterápico, qual a participação de cada membro da equipe?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Em geral, as pacientes devem receber além da orientação médica, orientação de enfermagem e nutricional, se possível, com informação sobre os efeitos colaterais e cuidados que devem ter ao longo do tratamento.
Pelo menos uma vez por semana durante o tratamento, que pode durar até 8 semanas, as pacientes devem ser avaliadas pelo médico, enfermeiro e, se necessário, nutricionista.
Instituto Oncoguia - Qual a relação da radioterapia dos cânceres ginecológicos e a fertilidade? Esta pode ser afetada? É um efeito colateral esperado?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - As doses de radioterapia necessárias para o tratamento dos tumores ginecológicos levam à infertilidade e falta de produção hormonal pelos ovários, levando a uma menopausa precoce, nas pacientes que ainda apresentam ciclos menstruais. Nos casos operados, esse efeito é proveniente da cirurgia, que geralmente envolve a retirada do útero e ovários para o tratamento dos tumores de ovário, trompas, corpo e colo do útero avançado.
Instituto Oncoguia - Em que casos é recomendada a preservação de óvulos? Existe alguma orientação para casos em que mulher deseja engravidar?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Esta é uma questão delicada, já que os ovários podem apresentar risco de ter tumor em boa parte dos cânceres ginecológicos mais comuns (corpo e colo do útero e ovários por si só). Existem métodos para se tentar preservar os ovários da radioterapia, colocando-os fora do alcance da irradiação por meio de cirurgia (pexia de ovários). No entanto, o útero não estará mais apto a abrigar um feto e essa estratégia é indicada apenas para pacientes jovens, com tumores de baixo risco de envolver os ovários e onde se deseja preservar a função hormonal.
Apenas nos casos de tumores iniciais onde uma cirurgia com preservação do útero e ovários possa ser realizada e não houver indicação de radioterapia (por serem tumores muito iniciais) é que existe a chance de preservação da fertilidade e possibilidade de engravidar. Mesmo com a preservação de óvulos, o útero da paciente que recebe radioterapia pélvica, como dito anteriormente, não estará apto a abrigar um feto, sendo necessária "barriga de aluguel”.
Instituto Oncoguia - Nesse mesmo sentido pode referir-se à sexualidade e sua importância sobre tudo após tratamento radioterápico e suas eventuais sequelas?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Quanto à sexualidade, além do fator psicológico, existe um fator físico que pode interferir na qualidade de vida sexual dessas mulheres. Pode haver um estreitamento vaginal pelo tratamento, além de ressecamento e atrofia da mucosa, tanto pela radioterapia quanto pelo estado menopausal. O fator psicológico – medo, a mudança de imagem corporal, sensação de menor feminilidade, entre outros, podem também interferir na sexualidade.
Existem medidas preventivas para minimizar ou evitar o estreitamento e secura vaginais e permitir uma vida sexual ativa, sem maiores problemas ou com resolução de alguns problemas. Essas medidas devem ser conhecidas pela equipe e orientadas à paciente após o término do tratamento. De acordo com a paciente, suporte psicológico também é de grande ajuda, antes, durante e depois do tratamento.
Instituto Oncoguia - A associação com outros tratamentos, por exemplo, quimioterapia e cirurgia faz diferença no momento de realizar a radioterapia? Como isto é constatado?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Sim. A associação de tratamentos, quando indicada, aumenta a toxicidade. Maiores cuidados técnicos são necessários para prevenção de efeitos colaterais e complicações. Exames de sangue são necessários com maior periodicidade (pela quimioterapia), maior proteção intestinal deve ser feita nos casos das pacientes operadas e assim por diante. A quimioterapia em geral é utilizada como potencializadora dos efeitos da radioterapia e, quando se realiza radioterapia após cirurgia, é pelo maior risco de recidiva do tumor na pelve. Sabemos as melhores indicações pelo tipo e localização do tumor, além do estadiamento, ou estágio de avanço da doença.
Instituto Oncoguia - Quando é utilizada a braquiterapia e em que casos é usada a alta taxa de dose (HDR) e baixa taxa de dose (LDR)?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - A braquiterapia é indicada para os tumores de corpo e colo uterino e vagina, em geral como reforço de dose local, mas pode ser utilizada como tratamento único também. Como já dito anteriormente, são introduzidos aplicadores especiais no útero e/ou vagina que servirão de guias para a colocação do material radioativo. O tratamento clássico é o chamado de baixa taxa de dose, onde a dose de radiação é liberada em baixas taxas, ou seja, devagar, por um período prolongado de horas ou dias. Para isso, a paciente deve ficar internada durante todo o período de tratamento e com os aplicadores posicionados. No caso da alta taxa de dose, doses equivalentes às de baixa taxa são administradas em minutos! Portanto, a precisão necessária é muito maior e não há necessidade de internação, mas a dose é dividida em várias frações (em geral quatro), uma ou duas vezes por semana. Ambas as técnicas têm as mesmas indicações e os mesmos efeitos terapêuticos. Na minha opinião, se houver disponibilidade de braquiterapia de alta taxa de dose, ou possibilidade de escolha entre as duas, a alta taxa de dose é muito mais confortável para a paciente e igualmente eficaz.
Instituto Oncoguia - Porque a radioterapia é feita diariamente? Quais os benefícios dessa forma de tratamento?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Toda a radioterapia é baseada em doses fracionadas de radiação. Estudos de radiobiologia mostraram que o fracionamento permite uma reciclagem das células tumorais para fases mais sensíveis à radiação, além de uma regeneração dos tecidos normais entre as frações. O esquema padrão é de frações diárias, cinco vezes por semana. Dessa forma, consegue-se atingir uma taxa terapêutica adequada, ou seja, controle (ou eliminação) do tumor, com melhor preservação dos tecidos normais, sem maiores danos aos pacientes.
Instituto Oncoguia - Quais as perspectivas de novas modalidades radioterapêuticas para os cânceres ginecológicos?
Dra. Heloisa de Andrade Carvalho - Várias são as novas modalidades de radioterapia que podem ser utilizadas nos tumores ginecológicos. Todas implicam numa melhor visualização e definição do tumor e estruturas que devem ser tratadas com melhor proteção das demais. O desenvolvimento dos exames de imagem muito colaborou para isto, como o PET e a ressonância magnética. Para a radioterapia externa, a técnica tridimensional e IMRT promovem os mesmos resultados terapêuticos que a convencional, com menor toxicidade. Espera-se que a menor toxicidade propicie que doses mais elevadas de radiação sejam administradas, se necessário, além de combinações mais agressivas de tratamento (com quimioterapia e/ou cirurgia) que possam levar a um aumento das chances de cura.
Na braquiterapia não é diferente, estamos iniciando com procedimentos tridimensionais que diminuem a toxicidade, simplesmente pela visualização mais adequada do tumor e melhor preservação dos tecidos normais. Com isso, os tratamentos estão mais individualizados e as possibilidades de cura podem aumentar.
O principal papel da radioterapia é no tratamento do local de origem dos cânceres. Uma vez que se consiga erradicar a doença no seu local de origem, antes do aparecimento de metástases (ou focos de doença em outros locais do corpo), as chances de cura são as maiores. Por enquanto, não há cura para o câncer disseminado, mas há controle com quimioterapia. Em casos de necessidade de alívio de sintomas causados por essas metástases (dor, sangramento, outros), a radioterapia também pode ser uma ferramenta muito útil.- Conitec abre CP para tratamento de Leucemia no SUS
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