[ARTIGO] Novo estudo tem potencial para mudar forma como se trata cancer de mama
A publicação de um estudo na conceituada revista científica Journal of the American Medical Association (JAMA) em 09 de fevereiro deste ano, questiona a validade de um paradigma no tratamento do câncer de mama que já dura algumas décadas. O dogma que prega a retirada dos gânglios das axilas quando o tumor houver se espalhado para esses gânglios passa agora a ser questionado. Mas para contextualizar esta nova informação que agora surge, temos de olhar para o que vem ocorrendo ao longo das últimas décadas em relação ao tratamento do câncer de mama.
Inicialmente, o tratamento cirúrgico era a única possibilidade de cura para o câncer de mama. Não à toa, há algumas décadas, as cirurgias realizadas eram bastante agressivas e incluíam a retirada não só da mama inteira, mas dos músculos subjacentes e do conteúdo da axila (gânglios ou linfonodos).
Posteriormente surgiram o tratamento radioterápico e o tratamento sistêmico. O tratamento radioterápico passou a ser administrado no local da mama retirada.
Com o tempo, descobriu-se que era possível fazer uma cirurgia parcial da mama, desde que o tecido restante fosse irradiado, com o intuito de eliminar células isoladas que porventura tivessem permanecido no tecido mamário. E isto era possível sem aumentar as chances de recidivas. Assim, passou-se a optar pela cirurgia conservadora (parcial) da mama com segurança.
Hoje, a grande maioria das cirurgias de mama consiste na retirada apenas parcial do órgão. Paralelamente, foram desenvolvidas técnicas que permitem a retirada de apenas um ou dois linfonodos sentinelas - isto é, os linfonodos que representam a primeira barreira para células tumorais.
Basicamente, se estes linfonodos sentinelas estiverem livres da doença, a paciente pode ser poupada do esvaziamento ganglionar da axila e de seus efeitos colaterais.
O esvaziamento axilar tem originalmente por função não só livrar o organismo de células tumorais, mas também permitir ao médico fazer um prognóstico da doença, já que, quanto mais gânglios estiverem comprometidos, maior a chance de o câncer ter se espalhado e voltar a se manifestar como metástase.
Até poucos anos atrás, o tratamento sistêmico consistia apenas de hormonioterapia e poucas drogas quimioterápicas. A hormonioterapia era usada apenas se os tumores fossem maiores que um centímetro, houvesse comprometimento dos linfonodos e a presença dos chamados receptores hormonais nas células tumorais.
O tratamento sistêmico, no entanto, evoluiu. Novas drogas foram descobertas, e, hoje, os médicos podem determinar a necessidade de quimioterapia, hormonioterapia e/ou de terapia anti-Her-2 (uma terapia-alvo que beneficia mulheres cujos tumores expressam a proteína Her-2 em excesso) com base no tamanho do tumor, nas características deste tumor e, ainda, com base na informação sobre se o linfonodo sentinela tem ou não a doença. O fato de haver comprometimento de um ou dez linfonodos, não muda mais tanto as opções de tratamento sistêmico.
Se os tratamentos radioterápicos e sistêmicos estão mais eficazes, portanto, nada mais pertinente do que se perguntar se de fato o esvaziamento axilar ainda é necessário.
O estudo agora publicado, denominado de Z0011, dividiu 991 pacientes com linfonodos sentinelas comprometidos pelo câncer em dois grupos: metade foi submetida ao tratamento padrão atual, que consiste no esvaziamento axilar, e a outra metade não passou pela cirurgia, permanecendo com os gânglios na axila, mesmo que eles pudessem estar comprometidos.
A quase totalidade das pacientes em ambos os grupos recebeu radioterapia após a cirurgia conservadora da mama e quimioterapia e/ou hormonioterapia de acordo com o padrão de tratamento.
Os dois grupos de mulheres foram acompanhadas por mais de seis anos. Os resultados mostraram que não houve diferença de sobrevida, nem mesmo de recidivas, entre os dois grupos. Assim, os autores concluem que, para mulheres com câncer de mama de determinadas características (tumores menores que 5 cm, sem aumento palpável dos linfonodos na axila e com receptores hormonais), mesmo que elas tenham a doença no linfonodo sentinela, pode não ser necessário esvaziar a axila, desde que sejam administrados os tratamentos radioterápico, quimioterápico e hormonioterápico padrões.
Os benefícios do não esvaziamento das axilas são bastante relevantes se considerarmos que os potenciais efeitos adversos desta cirurgia pioram a qualidade de vida das mulheres. Os efeitos mais temidos, o linfedema (inchaço no braço), a dor na axila, e o risco de infecções no braço, seriam praticamente eliminados.
A pergunta que fica é se esta publicação é suficiente para que toda a comunidade médica deixe de realizar o esvaziamento axilar em mulheres que se encaixam nesses critérios. A resposta ainda não é certa.
O passo seguinte deverá ser uma discussão entre os profissionais das instituições que tratam de câncer de mama no Brasil e no mundo. É provável que se espere por mais estudos que confirmem estes resultados antes de mudar a diretriz do tratamento como um todo. Mas, cada vez mais, o médico discutirá com a paciente os prós e os contras de proceder com o esvaziamento, deixando potencialmente gânglios comprometidos na axila.
O que é certo é que este trabalho segue a tendência de cirurgias cada vez menos invasivas no tratamento do câncer, proporcionadas por uma disponibilidade cada vez maior de tratamentos radioterápico e sistêmico mais eficientes.
Dr. Rafael Kaliks
Oncologista Clínico
Diretor Científico do Instituto Oncoguia
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