Oncologistas franceses alertam para alta de casos de câncer em jovens adultos: é uma corrida contra o tempo

Os casos de câncer entre os jovens de 20 a 40 anos vêm crescendo de maneira contínua nos últimos 30 anos, segundo dados apresentados pelo Instituto francês Gustave Roussy, que busca ampliar sua atuação em pesquisa, prevenção e tratamento. O estabelecimento público, situado em Villejuif, nos arredores de Paris, é um dos maiores centros de luta de combate ao câncer do mundo e considerado uma referência em testes de novos medicamentos e terapias. 

Os cânceres do intestino, pâncreas e rins, por exemplo, se tornaram mais comuns nesta faixa etária, o que representa "um verdadeiro desafio para os cientistas", explicou à RFI o oncologista Fabrice Barlesi, diretor-geral do Instituto Gustave Roussy.

“Não entendemos exatamente o porquê deste aumento, mas há pistas. Alguns estudos mostram que pode haver uma relação entre o consumo de ultraprocessados e o câncer. Mas isso não significa que haja necessariamente uma causalidade, ou seja, uma relação de causa e efeito.”

O aumento impressiona os cientistas, afirma, e as perspectivas exigem ação imediata. Uma pesquisa internacional recente divulgada na revista científica British Medical Journal revelou que, entre 1990 e 2019, houve um aumento de 79,1% de certos tipos de câncer em pessoas com menos de 50 anos, em todo o mundo. 

As conclusões de outro estudo, divulgado em dezembro de 2024 pela revista Lancet Oncology, prevêem uma alta de 12% de novos diagnósticos e mortes causadas pela doença nesta faixa etária, entre 2022 e 2050.

O fato é que, estatisticamente, a curva estatística que traduz o aumento dos casos entre jovens não se estabiliza ou registra queda nas últimas três décadas. Na prática, isso indica que, independentemente do método utilizado para analisar os dados, a alta dos cânceres nessa população parece ser uma realidade incontestável, explicou Fabrice André, diretor de pesquisa do instituto francês.

De acordo com ele, ainda serão necessários muitos estudos para confirmar cientificamente as hipóteses que explicariam o aumento do número de casos. "Isso pode levar vários anos”, observa. Confirmar as hipóteses ambientais que estariam por trás do adoecimento dos jovens adultos também é fundamental para adotar medidas de prevenção e evitar a alta de certos tipos de cânceres nas próximas gerações.

Com provas científicas, os Estados, com o tempo, seriam assim obrigados a adotar legislações mais protetoras. Foi o que aconteceu com o cigarro, um agente cancerígeno que, há 25 anos, era consumido sem moderação no espaço público. Apesar do lobby da indústria do tabaco, os governos com o passar das décadas não tiveram outra escolha, a não ser agir.

“Hoje nós não podemos dizer que conhecemos, de maneira científica, as causas dos cânceres nos mais jovens. Por isso é importante lançar estudos e coortes (NR: grupos de pacientes), para termos mais dados precisos e demonstrar, de maneira científica, com provas, qual é a causa desse aumento”, acrescenta Fabrice André. “Mas o fato é que tenho medo pelos meus filhos quando eles terão 30 anos”, alerta.  

A frase, que chamou a atenção dos jornalistas presentes na coletiva de imprensa organizada pelo instituto na capital francesa, é mais um "choque de realidade" do que necessariamente alarmista, explicou o oncologista.

“Há duas causas possíveis para a explosão desses cânceres. Uma delas é a exposição mais precoce a fatores de risco para a doença. Por exemplo, acreditamos que a inflamação crônica pode favorecê-la. Desta forma, estar exposto de maneira mais precoce a uma inflamação poderia provocar um câncer”, diz.  

“A segunda causa seria a exposição a novos fatores de risco. Neste caso, uma das hipóteses é o consumo de alimentos ultraprocessados, ou a exposição do jovem durante sua vida a agentes cancerígenos, por exemplo”, explica.

“Outra hipótese é a obesidade. As transformações metabólicas e a inflamação que ela provoca podem estar associadas ao câncer. Mas não temos provas científicas”, reitera. “O papel da poluição e dos microplásticos também deve ser estudado, mas, mais uma vez são apenas hipóteses. Lançar hipóteses é fácil, o mais complicado é validá-las.  Por isso temos que definir essas causas e realizar estudos que nos permitirão coletar dados e amostras celulares", resume.

Outra preocupação, lembra, é o crescimento do número de casos de certos cânceres raros, como do intestino delgado, que estão aparecendo com mais frequência nesta faixa etária. E, mais uma vez, não há por enquanto nenhuma explicação científica para esse fenômeno, que intriga os pesquisadores.

Investimento em pesquisa

Para validar hipóteses, são necessárias pesquisas com grandes grupos de pacientes de diferentes faixas etárias. Na França, estudos epidemiológicos sobre o aumento de certos tipos de câncer em jovens, por exemplo, já estão em andamento. Eles permitirão coletar dados detalhados sobre o modo de vida dos pacientes durante a infância. O objetivo é elencar fatores ambientais que estariam envolvidos no desenvolvimento da doença, utilizando recursos estatísticos e algorítmicos sofisticados.

Na segunda etapa, os cientistas deverão analisar especificamente os dados de grupos de pacientes que desenvolveram cânceres mais jovens. A meta é caracterizá-los e compará-los aos cânceres dos pacientes mais velhos para, em seguida, constatar em laboratório eventuais diferenças moleculares e celulares. 

“Precisamos entender como esses cânceres aparecem. Será que existem especificidades relacionadas aos órgãos onde eles surgem? Será que decorre do envelhecimento do tubo digestivo, que tem características próprias? Existe um fator sistêmico, ligado a nosso sistema de defesa contra a doença? Ou será que existem outros aspectos que desconhecemos e, se for o caso, de que maneira podemos tratá-los?", questiona o diretor-geral do instituto, Fabrice Barlesi. 

Neste contexto, o centro francês busca reforçar sua estratégia de prevenção personalizada, diagnóstico precoce e Medicina de precisão. O objetivo é proporcionar aos pacientes o melhor prognóstico possível, com qualidade de vida. “Esse é um dos desafios. Se um paciente de 40 anos tem um câncer e é curado, terá ainda muitos anos pela frente. Esses anos devem ser bem vividos”, frisa o oncologista. 

Novos projetos

O Instituto Gustave Roussy também será ampliado para facilitar os tratamentos e estudos clínicos. Para isso, estão previstos investimentos de € 53 milhões. Três projetos ilustram as metas nos próximos anos. 

O primeiro, Yoda (Young Onset Digestive Adenocarcinoma), busca identificar os fatores envolvidos no aparecimento de cânceres digestivos em pacientes com menos de 50 anos e propor um plano de prevenção. No primeiro semestre deste ano, dois grupos de pacientes entre 20 e 49 anos e 65 e 70 anos serão selecionados para participar do estudo. 

O segundo projeto visa desenvolver um teste diagnóstico para detectar a doença em mulheres jovens que apresentam um envelhecimento acelerado das células mamárias e correm mais risco de desenvolver um tipo agressivo de câncer de mama.

A terceira iniciativa visa otimizar a rapidez do diagnóstico e a proposta de tratamento. O dispositivo, conhecido como InstaDiag, já é aplicado há anos em mulheres com câncer de mama e agora beneficia outras patologias.  

Há, ainda outras iniciativas paralelas. “Temos também um programa chamado Interception, cujo objetivo é identificar, o mais precocemente possível, se o paciente tem um risco maior, que pode estar relacionado a seu histórico familiar ou a anomalias genéticas. Esse programa visa toda a população francesa”, completa o oncologista. 

Outra ambição é dentro de alguns anos generalizar a biópsia líquida, menos invasiva, e que pode ser coletada com um simples exame de sangue, para monitorar metástases.

Há também a proposta de disponibilizar aos pacientes testes sanguíneos que detectam cânceres, assintomáticos, em estágios ultraprecoces, que normalmente não são alvos de campanhas de prevenção. Testes parecidos, que analisam o DNA do paciente, já estão disponíveis nos EUA, mas há controvérsias sobre sua eficácia.

Enquanto a Ciência avança para propor cada vez mais terapias e tratamentos que visam a cura, o diretor-geral do Instituto Gustave Roussy lembra que nunca é tarde para adotar algumas mudanças no estilo de vida que previnem a doença: 40% parte dos cânceres em geral podem ser evitados e estão associados ao tabagismo, consumo de álcool, sedentarismo e sobrepeso. 

Fonte: RFI

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