Não vou ficar com mulher doente: meu marido me deixou ao saber de câncer
Foto: Jeremy Wong Weddings
Wanessa Abreu, 46, recebeu o diagnóstico de câncer de mama em janeiro. A dentista dividiu a notícia com o marido, com quem era casada havia 15 anos, e foi surpreendida pela reação do homem, que pediu a separação na mesma hora.
"Ele disse: 'bom, não vou ficar com mulher doente. Se você quiser que eu fique aqui para ajudar com as meninas, eu fico. Mas eu e você não vamos ter mais nada", diz a paranaense, que tem duas filhas com o ex, ainda crianças.
Casos de mulheres abandonadas pelos parceiros após a descoberta de uma doença grave não são raros. Em 2019, uma pesquisa das universidades de Stanford e Utah e do Centro de Pesquisa Seatle Cancer Care Alliance, dos Estados Unidos, indicou que a mulher tem seis vezes mais chances de ser deixada pelo marido após um diagnóstico complexo.
'Me vi sozinha'
Wanessa descobriu que seu tumor era maligno e com metástase no pulmão e nos ossos. "Me vi sozinha", diz. Sem apoio do marido, contou com a mãe, "que deixou toda a vida dela, no interior, e veio para Curitiba".
Menos de 20 dias depois da confirmação do câncer, o marido de Wanessa já tinha saído de casa. Ela passou a fazer terapia e teve de reduzir o volume de trabalho para cuidar da saúde —principalmente da mental, afirma.
Eu trato pelo SUS e fiquei quatro meses esperando para começar a químio. Enquanto isso, o homem tinha saído de casa e me deixado com duas crianças, sem conseguir trabalhar direito e com contas vencendo.
Wanessa descobriu que não tinha possibilidade de cura e hoje a expectativa é apenas controlar a doença.
"Soube que ia ser uma paciente paliativa e pirei de novo nesse diagnóstico. Mesmo diante de tudo isso, ele entrou na Justiça contra mim, querendo a dissolução de união estável e a guarda compartilhada das minhas filhas."
A dentista e o ex-marido já passaram por seis audiências de conciliação —na primeira, ela chegou a concordar com as demandas do ex, mas afirma que estava afetada pelo momento turbulento na saúde e, hoje, luta para reajustar os direitos das filhas.
Não tinha forças, estava totalmente fora de mim e achava que ia morrer no outro dia, então não discuti.
O câncer e outras agressões
Wanessa decidiu ir ao ginecologista depois que sua mãe percebeu um formato estranho no seio da filha. Com casos de câncer na família —a avó materna morreu de câncer de mama— Wanessa resolveu ouvir o alerta.
A gente estava na praia, quando minha mãe falou que meu seio estava estranho. Eu falei pra ela: 'vejo que o mamilo inverteu, só que não sinto nada'. Porque eu não sentia mesmo, nódulo algum.
Durante a mamografia, Wanessa viu a técnica em radiologia repetindo diversas vezes o exame. Demorou alguns minutos para que o médico confirmasse o câncer.
"Comecei a chorar, mas o laudo não saiu no mesmo dia. Vim pra casa e falei com o meu marido: 'olha, eu fui lá, fiz os exames, e pode ser um nódulo maligno'. E ele só respondeu: 'não vai dar em nada'".
'Era maltratada'
Depois de se separar, Wanessa passou a analisar os anos que passou ao lado do ex.
A dentista conta que sofreu com uma compulsão por compras durante o casamento e que era humilhada pelo marido por não conseguir controlar o vício —sustentado 100% com o trabalho da dentista.
Trabalhei toda a pandemia. Ele não trabalhou tanto porque era chef de cozinha, ficava entre idas e vindas. Eu não via problema algum nisso, mas ele queria que eu guardasse dinheiro e não gastasse nada.
Segundo Wanessa, ela passou a entregar todos os seus ganhos nas mãos do marido, que dizia ter um destino para o dinheiro.
Ele me humilhava, dizia que eu era maluca. Só que hoje eu olho para trás e vejo que a compulsão que eu tinha era porque eu era tratada mal, nunca fui amada ou respeitada. Comprava para me sentir mais importante diante dessa situação.
Afetada pelas críticas do marido, a dentista passou a sofrer com crises de ansiedade e já não saía mais de casa, a não ser para trabalhar.
'Não queria ser mulher separada'
Com ajuda de psicólogos, Wanessa diz que passou a enxergar a relação "tóxica" que levava e como sua criação conservadora afetou sua decisão de não se separar do marido logo, apesar das constantes brigas.
Eu queria salvar um casamento que era falido porque não queria ser uma mulher separada, mas não tive um parceiro.
Ela, que se prepara para a formatura de uma terceira pós-graduação, destaca que nem mesmo sua independência foi capaz de protegê-la do trauma causado pelo ex.
"Minha rede de apoio são minhas duas filhas, minha mãe e meus dois cachorros. Esperava mais empatia do meu ex, mas hoje sou uma pessoa extremamente feliz. Minha casa é leve. Se eu quiser sair agora e tomar um sorvete, eu posso. Tenho paz mesmo tendo um diagnóstico de câncer."
Em caso de violência, denuncie
Ao presenciar um episódio de agressão contra mulheres, ligue para 190 e denuncie.
Casos de violência doméstica são, na maior parte das vezes, cometidos por parceiros ou ex-companheiros das mulheres, mas a Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em agressões cometidas por familiares.
Também é possível realizar denúncias pelo número 180 — Central de Atendimento à Mulher — e do Disque 100, que apura violações aos direitos humanos.
Há ainda o aplicativo Direitos Humanos Brasil e através da página da Ouvidoria Nacional de Diretos Humanos (ONDH) do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia em até seis meses.
Fonte: UOL Universa
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