Como a culpa pode atrapalhar o tratamento do câncer; e porque é benéfico afastar-se desse sentimento

A fisioterapeuta Roberta Perez, de 35 anos, sentiu um grande baque ao receber o diagnóstico de um câncer de mama aos 27 anos. A identificação do tumor causou surpresa por diversos motivos, entre eles a falta de histórico semelhante em sua família ou qualquer indicativo de saúde anterior que pudesse indicar que ela passaria por isso.

— Assim que comecei a fazer meu tratamento e decidi me empoderar de informações, me foi dada a oportunidade de fazer um painel genético (que poderia indicar predisposição ao câncer). O exame, porém, veio todo negativo, mais de 40 mutações todas negativas. A minha médica me explicou tudo, mas afirmou que os hábitos de vida poderiam contribuir — disse. — Até aquele momento eu era fumante, bebia muito, dormia pouco e era sedentária. Vivi um grande momento de autoculpa. Ninguém colocou isso em mim. Eu que senti.

Após o tratamento (bem-sucedido, diga-se), Roberta se viu em meio a sentimentos difíceis de lidar: ódio de sua versão do passado e muita tristeza por estar naquela situação. As emoções sentidas por ela, porém, não figuram como um caso isolado.

A cantora Preta Gil, que nesse momento trata metástases de um câncer intestinal, foi outra figura que falou abertamente sobre como lidou com o tema. "Eu tinha uma culpa muito grande no meu câncer, porque era no meu intestino. Sempre foi um debate na minha vida a questão do meu peso, um debate até muito mais público do que meu próprio. Mas quando começou o debate público comecei a comprar algumas ‘noias’ e questões para mim", disse em entrevista a Pedro Bial. Os médicos, contudo, tranquilizaram Preta nesse momento de dificuldade.

Em geral, os médicos oncologistas reconhecem que o sentimento de culpa, pelos mais diversos motivos, costuma acompanhar alguns pacientes no tratamento do câncer em sua rotina de cuidados. Embora a correção de hábitos pouco saudáveis seja sempre benéfica ao tratamento, os especialistas esclarecem que é preciso acolher o paciente e, explicar, acima de tudo que o câncer é uma condição médica causada por fatores diversos e não só resulta de um único fator da vida (embora, seja sempre positivo tentar manter-se equilibrado).

— Quando um paciente enfrenta uma doença que é ameaçadora para a vida, é possível que ele faça algumas reflexões pessoais. Esse sentimento de culpa pode vir sobretudo em pessoas que tiveram exposições a substâncias em que os malefícios são conhecidos, como o tabaco e o consumo de bebida alcóolica, ou à radiação solar excessiva — afirma Andreia Melo, chefe da Divisão de Pesquisa Clínica e Desenvolvimento Tecnológico do INCA e oncologista da Oncoclínicas.— Outra culpa surgida após o período de pandemia, foi a da demora de fazer alguns exames de rastreio para tumores, como de mama, colo do útero, por exemplo.

Andreia explica que até mesmo o comportamento do paciente, suas emoções, podem levar a certo tipo de “pressão” por parte da família, que espera que a pessoa se comporte de maneira mais altiva, corajosa e enérgica em relação ao tratamento. Esse tipo de demanda, é claro, é muito prejudicial para quem está se tratando e não ajuda em nada o tratamento.

— Podemos indicar que a pessoa passe por ajuda psicológica, por exemplo. É, sim, um momento delicado que pode levar à depressão e ansiedade. Esses pacientes precisam ser acompanhados do ponto de vista mental, até porque passam por uma agenda muito intensa de consultas e tratamentos, é importante fazer um acompanhamento mais amplo — pondera a especialista.

Multifatorial


Em geral, a conversa que os especialistas costumam adotar com os pacientes que estão emocionalmente fragilizados, e se sentido culpados com o diagnóstico, é que não é possível atribuir um único fator como responsável para o aparecimento de um tumor ou neoplasia. Ou seja, embora hábitos de risco como fumar, beber, manter uma dieta pouco equilibrada e não exercitar-se tenham sim um impacto importante na situação global da saúde, seja qual for o caso, o foco a partir do diagnóstico está em adotar os cuidados de saúde e melhorar os hábitos dali em diante. A regra de ouro é olhar para frente.

— A culpa não é puramente um remorso. Ela é uma sensação de responsabilidade pelo adoecimento que é imputada ao paciente por influências sociais, culturais e crenças. Isso, por vezes, pode limitar a busca por diagnóstico e tratamento. Não só para o câncer. Isso acontece, por exemplo, quando alguém quer tratar o tabagismo — explica Gustavo Prado, coordenador da Pneumologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e coordenador da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. — A culpa sabota o paciente inclusive no tratamento, pode fazer com que a pessoa ache (erroneamente) que está diante de uma sentença de morte e que os medicamentos e terapias podem não trazer benefícios.

Há, porém, outras sensações que brotam da vivência do tratamento do câncer e não de uma vida pregressa. Mesmo assim, a atitude dos especialistas precisa ser de escuta e acolhimento, dizem os médicos.

— Por vezes ainda aparecem pessoas que se sentem mal por, por exemplo, terem guardado mágoa e acreditam que isso teria de alguma forma culminado no diagnóstico. Não existe qualquer comprovação científica desse tipo de relação— diz Ana Carolina Nobre, da Oncologia D’Or, no Rio. — Outros sentem receio de priorizar-se em meio ao tratamento, em querer focar na própria vida. O que não é um problema.

Roberta Perez, que hoje é ativista e palestrante, diz que conseguiu livrar-se da culpa anos após a cura de seu quadro, que inclui quimioterapia e mastectomia das duas mamas. Por um tumor benigno, precisou retirar um dos ovários. O que não a impediu de engravidar duas vezes. A segunda gestação, inclusive, está em andamento e com muita saúde. Agora, ela diz ter como missão desmistificar esse tipo de visão que atribui totalmente ao paciente a responsabilidade pelo diagnóstico.

— No caso do câncer, a conta não é 1+1=2. Precisamos entender que cada hábito tem um peso e outros fatores que também contribuem. Troquei a culpa pela responsabilidade, mudei meus hábitos. Não posso mudar o que passou, mas sim mudar daqui pra frente — diz. — Hoje sou saudável, passei a me exercitar desde a época da quimioterapia, mas também tomo sorvete e mostro isso para quem me segue.

Fonte: O Globo

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