Ciência estuda como manter a massa muscular durante o tratamento do câncer
Para os músculos, nem o câncer, nem o seu tratamento facilitam as coisas. O próprio tumor maligno provoca o aparecimento de substâncias que, de um jeito ou de outro, podem levar a musculatura a encolher.
"São tantos os mecanismos por trás desse fenômeno que, apesar de estudar o tema há algumas décadas, posso garantir que ainda temos o que aprender sobre biologia dos músculos quando alguém tem um câncer", ouvi da médica Vickie Baracos, professora da Universidade de Alberta, no Canadá, durante o encontro anual da ASCO (American Society of Clinical Oncology).
Parênteses: esse encontro é o maior evento médico do planeta. Ao pé da letra. Neste ano, foram mais de 40 mil profissionais de saúde circulando pelos 248 mil metros quadrados do McCormick Place, em Chicago, nos Estados Unidos — que por sua vez é o maior centro de convenções do mundo e o único a ter espaço para tanta gente que, entre a última sexta-feira, dia 2, e ontem, ficou debatendo os avanços recentes no tratamento do câncer.
Pode parecer estranho que eu, que estava lá diante de tantas terapias novas, tenha escolhido contar primeiro algo que, em princípio, soa até conhecido: se um indivíduo tem pouca massa muscular, isso diminuiu as suas chances na batalha contra um tumor e ponto. Mas é que, agora, essa deixou de ser a única preocupação dos pesquisadores.
Justamente porque cada vez mais as pessoas sobrevivem ao câncer, os médicos querem garantir qualidade de vida depois dessa tormenta. Afinal, pense que músculos significam força, autonomia no dia a dia e até mesmo um menor risco de outras doenças. Incluindo — há estudos apontando — a volta do próprio câncer.
No evento, os cientistas mostraram pesquisas com remédios que, por diversos caminhos, tentam barrar a derrocada muscular. Por enquanto, nenhum deles está aprovado. Em compensação, o que mostrou sua capacidade de preservar ou recuperar a musculatura foi a dieta. No caso, com doses muito bem calculadas de alguns nutrientes.
O oncologista Paulo Lages, da Oncoclínicas, em Brasília, pondera: "Às vezes, as pessoas vêm para um congresso como o da ASCO achando que só o tratamento novo é importante. Mas, se você reduz a toxicidade de um tratamento antigo, por exemplo, o resultado final será muito melhor para o paciente, mesmo sem receber uma droga que acabou de ser lançada."
O trabalho que o médico e seus colegas apresentaram em Chicago é uma demonstração disso, focando na intervenção nutricional para manter a massa muscular de homens tratados de um câncer de próstata. Para eles, esse é um desafio para o resto da vida.
O tratamento do tumor de próstata
A estratégia para enfrentar o câncer de próstata e, depois, evitar que ele volte costuma ser baixar os níveis de testosterona. Afinal, o hormônio masculino estimula as células da próstata a se multiplicarem. E, se entre elas existir alguma que se tornou maligna, isso é o que bastará para um tumor crescer.
"A médio ou longo prazo, porém, surgem algumas consequências desse tratamento. A sarcopenia é a mais preocupante delas", explica o doutor Paulo Lages. Sarcopenia é o termo médico para a diminuição da massa muscular a tal ponto que ela também perde função, já não tem força para trabalhar como antes. E, no caso, acontece porque a testosterona é fundamental para a formação de músculos.
"Se o indivíduo é mais idoso, ele pode se livrar do câncer, mas se tornar aquele sujeito quieto no sofá ou que prefere ficar deitado", nota o oncologista. Se fosse só perder músculo, portanto, já seria complicado. Mas vai além.
A falta de testosterona também é capaz de mudar a composição corporal. A massa magra perdida é logo substituída por massa gorda. "E, pior, a pessoa não ganha gordura apenas no tecido adiposo", diz o doutor Paulo Lages.
"Ela se deposita no fígado, no coração, nos vasos sanguíneos, aumentado o risco de doença cardiovascular. O médico pode tratar com sucesso o câncer de próstata e o paciente morrer poucos anos depois de infarto ou de AVC."
O estudo brasileiro
Pensando em prevenir problemas assim, a equipe da Onclínicas, em Brasília, avaliou 62 homens entre 41 e 97 anos que tinham acabado de ser diagnosticados com a doença e que precisariam reduzir drasticamente os níveis de testosterona.
Antes de iniciarem o tratamento, porém, eles passaram por um exame de bioimpedância para que os pesquisadores soubessem como era a distribuição de gordura e músculos em seu corpo. Além disso, fizeram um teste clássico para medir sua força, o de dinamometria, em que tinham de apertar um aparelho com a mão.
Na sequência, todos foram orientados a respeito da dieta. Ela não tinha uma única caloria a mais nem a menos para que ninguém emagrecesse, tampouco engordasse. Diga-se que 47% dos homens já estavam acima do peso e 13% tinham obesidade.
E, claro, a dieta prescrita era hiperproteica, isto é, com porções fartas de proteínas, que são a matéria-prima para o organismo construir músculos. Alguns pacientes chegaram a receber suplementação de whey protein. Em relação ao exercício físico, os homens foram apenas alertados sobre a sua importância, mas nem todos tomaram a iniciativa de treinar.
"Com isso, imaginávamos que haveria uma perda de massa muscular, só que menor", admite Paulo Lages. No entanto, quando repetiram os exames três meses depois, o resultado surpreendeu.
A massa muscular tinha aumentado, em média, 300 gramas. Não é muito. Aliás, nem é significativo para sair dizendo por aí que essa estratégia fez os pacientes ganharem músculo apesar da falta da testosterona. Mas só de não perderem musculatura, já foi um tremendo lucro. "Ainda mais considerando que muitos já tinham passado dos 70 anos", reforça o doutor.
A força também aumentou. Para completar, os participantes eliminaram cerca de 2 quilos de gordura nesses 90 dias. A ideia, agora, é realizar novos estudos, vendo o que acontece após seis meses ou um ano com esse tratamento nutricional.
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