Confira aqui os depoimentos

  • Véra. - Tumores Cerebrais / Sistema Nervoso Central
    "Um relato íntimo e comovente sobre a jornada de uma mãe e seu filho diante de um câncer raro no cérebro. Mais do que uma doença, é uma história de amor, cumplicidade e resistência. Um testemunho sincero que acolhe, inspira e mostra que, mesmo nos momentos mais difíceis, é possível viver com dignidade e sentido."

Um relato de dor, amor e muita vida vivida

O dia 5 de fevereiro de 2022 marcou para sempre a minha existência. Minha mãe — uma mulher cheia de vida, que nunca havia enfrentado problemas sérios de saúde — começou a se sentir mal. A princípio, eram apenas tonturas. Depois, confusão visual. Por fim, ela parou de conseguir se comunicar. Pensei em um AVC e corri com ela para o hospital.

Lá, o quadro evoluiu rapidamente para convulsões. Foi levada às pressas para uma tomografia. O neurocirurgião foi chamado e, com sua experiência, nos mostrou a imagem de um tumor infiltrante na região occipital.

Na época, minha mãe tinha 71 anos. Cheia de planos: viagens, a recente aposentadoria… Ela se orgulhava de ter envelhecido com saúde e vitalidade. Mas, a partir dali, tudo mudou.

Começaram os exames para identificar a origem do tumor. Investigaram pele, mamas, tudo. Enquanto isso, os corticóides reduziram o edema cerebral — e ela logo voltou a ser quem sempre foi. O primeiro alívio.

Nenhum tumor foi encontrado fora do cérebro, o que indicava um tumor primário do sistema nervoso central. A cirurgia seria o próximo passo — para retirada ou ao menos uma biópsia. Foi marcada para o dia 18 de fevereiro, apenas 13 dias após o primeiro episódio.

O tom dos médicos era cauteloso. Havia suspeita de um glioma, um tumor difícil de tratar. A cirurgia aconteceu. Para nossa surpresa, minha mãe voltou para casa sem grandes sequelas. Agora era esperar o resultado.

O diagnóstico confirmou um tumor maligno. Após nova análise, desta vez imunohistoquímica, recebemos o nome: Linfoma Primário do Sistema Nervoso Central (LPSNC). Estávamos no início de abril. E começamos do zero.

Encaminhados para o hematologista, seguimos em frente. Ela estava bem: andando, falando normalmente, com todas as faculdades preservadas. Mas, quando voltamos para iniciar o tratamento, sua mobilidade já havia piorado. O médico nos alertou: era preciso correr.

Em maio, começou a primeira quimioterapia. Ela estava lenta, com dificuldade para andar, raciocinar, falar. Ver aquilo doía demais. O primeiro ciclo foi intenso: cinco medicações, com internação semanal de segunda a sábado. Mas, no fim, a melhora foi notável. Voltou a andar firme, a falar com clareza. Estava em casa de novo.

Logo depois vieram os efeitos esperados: náuseas, constipação, falta de apetite. Mas também dores fortes nas costas e febre. Fomos ao hospital. Diagnóstico: pielonefrite. Primeira internação por intercorrência. Foram 20 dias de antibióticos.

Ela teve alta e enfrentou o segundo ciclo. Tudo correu bem até a semana seguinte, quando uma nova infecção — agora pulmonar — apareceu. Passou por broncoscopia, transfusões, e resistiu. Mais uma alta. Diante dos riscos, o esquema foi alterado. Seguiram-se mais quatro ciclos, todos tranquilos.

Em setembro de 2022, a tão sonhada remissão completa chegou. Sucesso. Ufa. Que felicidade. Vencemos.

Retomamos a vida. Eu cursava Direito e, por influência de tudo aquilo, comecei a me aproximar do Direito Médico. Ela retomou seus projetos: viagens, grupos beneficentes, o sítio, os netos. A vida voltou a pulsar.

Vivemos com tranquilidade até agosto de 2023. Foram meses preciosos. Sabíamos que aquela calmaria não duraria para sempre. Só não imaginávamos que duraria tão pouco.

Novas tonturas. O exame revelou dois tumores no cerebelo. Foram mais agressivos. Em três semanas, ela não conseguia mais andar. Vomitava, tinha dores intensas de cabeça. Foi desesperador.

No dia 5 de outubro, começou a radioterapia — 25 sessões que controlaram temporariamente os tumores. Mas logo foi necessário retomar a quimioterapia. Em dezembro, novo ciclo. Em janeiro, infecção urinária e 13 dias de UTI. O ciclo seguinte foi adiado por uma sepse. Mais 5 dias de UTI. O quarto ciclo ocorreu normalmente, mas trouxe nova infecção. Mais internação. Ainda assim, conseguimos concluir o quinto e último ciclo.

Os exames mostraram remissão completa. Festa. Alívio. Mas algo estava diferente.

Ela teve alta no dia 27 de abril. Sem tumores, mas muito debilitada. Sem ânimo para o crochê, sem vontade de ver os vizinhos. Usava andador. Falava com tristeza que seu tempo estava acabando. Eu não queria enxergar isso.

O fim de semana foi tranquilo. Mimamos ela o quanto pudemos. Na terça, começou uma diarreia forte. A médica recomendou hidratação. Na quinta, apareceu febre. Fomos ao hospital. Menos de 12 horas depois, ela estava na UTI. E nunca mais saiu de lá com vida.

Foi uma colite severa, irreversível. Minha mãe faleceu no dia 21 de maio de 2024, após 19 dias na UTI.

Se você leu até aqui, saiba que escrevo porque, lá em 2022, esse também foi o meu lugar de acolhimento. Eu li todos os relatos sobre tumores cerebrais. De alguma forma, era reconfortante saber que eu não estava sozinho.

E escrevo também porque, apesar do desfecho, houve muita vida nesses dois anos, três meses e dezesseis dias. Minha mãe e eu nos tornamos grandes amigos. Confidentes. A relação floresceu de um jeito único. Ríamos juntos — até mesmo na UTI. Tínhamos piadas internas. Era leve, mesmo no meio da dor.

Nos últimos dias, a partir de 9 de maio, ela entrou em sono profundo. No dia 12, Dia das Mães, fui visitá-la sozinho. Ela estava acordada. Lúcida. Feliz em me ver. Conversamos sobre a vida. Sobre a morte. Ela me disse que me amava muito, mas que era o final. Foi nossa última conversa. Um presente.

Milagres estão por toda parte. Ela não está mais aqui fisicamente, mas enquanto esteve, fizemos valer cada segundo.

Faça o mesmo. Porque a vida, mesmo diante da dor, ainda vale a pena.

Um abraço.

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