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R.A. - Câncer de Estômago
"Esse depoimento é sobre meu pai e sua longa-breve batalha contra o câncer."
Meu pai sempre teve gastrite. Tomava frequentemente aqueles remédios para aliviar a azia, e, apesar de ser algo incômodo, ele sempre ignorava, pois não causava maiores prejuízos. Ele estava bem e saudável, nem gripava. Sua saúde de ferro era motivo de orgulho para ele. No início de 2023, insistimos para que ele fizesse uma endoscopia, apenas para verificar como estava a gastrite, mas como ele não sentia nada e se considerava extremamente saudável, preferiu não fazer o exame. Foi somente em setembro de 2024 que as coisas começaram a mudar, de forma lenta no começo. Meu pai não estava sentindo nada grave, nada que nos alertasse para o que estava por vir. Começou com má digestão, que logo virou sensação de empachamento, aliviado com domperidona e omeprazol. Tudo parecia normal, apesar dos sintomas.
Foi em outubro que os sintomas realmente começaram a se tornar mais evidentes. Ele perdeu peso, ficou cansado e pálido. Também apareceram fezes com sangue, e então procuramos o gastro. A essa altura, ele já estava com a barriga levemente inchada. Na endoscopia, enquanto ele ainda estava sedado, a médica me chamou. "Está vendo? O estômago dele está todo ulcerado. A lesão é dura." A médica me mostrou imagens terríveis do estômago dele, algo que não consigo descrever. Ela comparou com imagens de um estômago normal, e a diferença era assustadora. A indicação foi biópsia e, na solicitação, havia uma sugestão de histopatologia que nunca vou esquecer: "lesão ulcerativa infiltrativa em todo corpo gástrico, Bormann III." Na hora, pesquisei e descobri que se tratava de câncer de estômago.
Dez dias se passaram até o resultado da biópsia, e todos os sintomas que antes eram sutis se manifestaram com força total. Meu pai perdeu mais de 6kg, a barriga dele estava inchada como a de uma mulher grávida, e ele mal conseguia comer mais do que uma colher de sopa. Ele estava mais fraco, mais pálido, e finalmente, no dia 21 de novembro de 2024, o diagnóstico veio: adenocarcinoma gástrico Bormann III, exatamente como a endoscopista havia sugerido. Nesse dia, nosso mundo desabou e nossas vidas mudaram para sempre.
Rapidamente, meu pai começou a quimioterapia, e na primeira sessão estávamos esperançosos. Apesar da ascite (acúmulo de água na barriga), ainda parecia haver uma solução. Meu pai lidou bem com a primeira quimio, quase não teve sintomas. Mas antes da terceira quimio, tudo começou a piorar. Ele passou a ter episódios de soluços incontroláveis e vômitos ininterruptos. Fizemos várias idas à emergência do hospital do câncer, com transfusões de sangue, hidratações e tentativas de vários remédios para os vômitos e soluços. Nenhum medicamento foi realmente eficaz, e meu pai foi ficando cada vez mais fraco e emagrecido. Ele já havia perdido mais 18 kg.
Depois da terceira quimio, a situação se deteriorou. Meu pai começou a vomitar sangue (marrom/preto) e os soluços não paravam. Ele já não conseguia mais se alimentar. Na primeira internação, ele teve uma melhora súbita. Os vômitos diminuíram, a hemorragia parou, os soluços cessaram, ele começou a andar, a ter mais disposição, e passou a se alimentar melhor. Mas, após cinco dias de alta, tudo voltou ao ponto inicial. Ele não conseguia mais engolir os comprimidos, pois vomitava o dia inteiro. Foi internado pela última vez.
No dia seguinte à internação, meu pai, que sempre foi muito lúcido, havia perdido a noção do espaço e do tempo. Não sabia onde estava, não lembrava que tinha câncer, confundia as pessoas e estava tendo sonhos muito vívidos. Sua consciência estava se esvaindo. Nessa última internação, os vômitos se tornaram mais frequentes e mais escuros, e meu pai definhou até o dia em que ele descansou, sem dor. O homem mais extraordinário que eu já conheci faleceu no dia 08/03/2025.
Sentimos muita culpa por não termos descoberto o câncer mais cedo, mas, como uma médica me consolou, esse tipo de câncer é sorrateiro. O ideal seria descobri-lo antes mesmo dos sintomas, e quando meu pai apresentou os sintomas reais, o adenocarcinoma já estava avançado para o peritônio (carcinomatose peritoneal). Talvez meu pai tenha convivido com esse câncer silenciosamente por anos e nós nem imaginávamos. Quem poderia imaginar que uma simples azia poderia ser um sinal de câncer?
Estamos tentando lidar com a perda e com a rapidez com que tudo aconteceu. Isso é algo que eu nunca vou conseguir superar.