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  • Míriam Vitória - Câncer Colorretal
    Existe muita dor, mas também muito aprendizado
Quando você é jovem e tem uma família saudável, nem sempre consegue dar o devido valor àquelas pessoas. Comigo foi assim.
 
Eu tinha 14 anos quando minha mãe descobriu o câncer. Nossa relação nunca foi das melhores, discutíamos muito e naquele momento quando soube de seu diagnóstico compreendi o quão frágil a vida é.
 
Minha mãe sempre fora ativa, independente e rígida, gostava das coisas a sua maneira e talvez por isso, não aceitou o resultado. Ela ficou cerca de um ano, sentido dores abdominais, emagrecendo e tendo problemas de constipação. Insistimos, mas ela só foi ao médico quando já estava muito magra e fraca demais para não aceitar que estava doente.
 
Chegando lá, não foi difícil de chegar ao diagnóstico de câncer colorretal com um tumor de 6cm, ela esperou tempo demais, pensei. Logo, seguiram vários procedimentos, quimioterapia, radioterapia, cirurgia para retirar o tumor, desviar o intestino e depois de um ano para retirar a colostomia.
 
Parecia um pesadelo, mas depois de 2 anos finalmente acabara. Estava curada e voltou a ser a mulher forte e independente, podíamos ser felizes de novo.
 
Ela ficou o ano de 2014 bem e fazendo os exames de rotina, até que em 2015 voltou a sentir dores abdominais. Rapidamente fizemos os exames e parecia que o pesadelo voltara. Havia um novo tumor, na vagina, depois na uretra, eram raros e de difícil tratamento.
 
E assim o ciclo reiniciou, quimioterapia, radioterapia, colocar sonda de urina e etc. Ficava cada vez mais magra e quando pensei que aquilo não podia piorar, a médica deu o veredito final: "sua mãe é uma paciente terminal, estamos fazendo um tratamento paliativo, mas haverá um dia que nada mais fará efeito e vamos ter que contar a verdade". Muitos órgãos foram acometidos (bexiga, uretra, vagina, pulmão, cérebro) pelas metástases. Infelizmente não havia possibilidades de cura.
 
Naquele momento, algo me fez refletir, todos os momentos que passamos juntas em um "flashback". Pensei quando era criança e ela fazia trancinhas no meu cabelo, do cheiro dos quitutes que fazia e do tremendo barulho que aquela casa ficava quando ela estava lá.
 
Aprendi naquela hora que na vida não se pode esperar. Nunca disse que a amava e só nos abraçávamos em época de aniversário ou Natal, não conversávamos sobre sentimentos e eu nunca a vi chorar. Ela sempre foi assim, durona e queria que eu fosse também, talvez essa fosse a forma dela me proteger dos desafios da vida, tornar a filha o mais rígida possível para que não sofra. Porém, eu resolvi mudar isso.
 
Daquele momento em diante usaria o tempo que restava para ser a filha que sempre quis ser. Aprendi a abraçar, beijar, dizer te amo e fazer cartõezinhos de aniversário fofos. No início ela me rejeitava, mas se tem uma força que é avassaladora é o amor. Ela começou a aceitar e pela primeira vez vi um brilho em seus olhos, era o que ela queria pensei.
 
Quase um ano após o "veredito final" minha mãe ainda está viva e a cada dia a doença se mostra mais desafiadora. Hoje com 19 anos, já a vi chorar, fazer birra, sentir dor, rir, agradecer e outras mil mães que até então não conhecia.
 
Ela é muito dependente hoje em dia, não porque queira e sim porque não consegue fazer muitas coisas. Eu me descobri também, desde o dia do diagnóstico até hoje cinco anos se passaram.
 
Muitos consideram a doença uma praga, infortúnio ou mesmo um castigo, eu acredito que não, tudo na vida é uma questão de como você enxerga as coisas. Naquela época, com 14 anos, eu tinha duas escolhas: culpar o mundo e me revoltar ou encarar a situação como forma de aprender. Ainda bem que escolhi a segunda opção.
 
Nunca imaginei ficar tão próxima da minha mãe e resgatar um laço que jamais deveria ter sido perdido - o laço de mãe e filha. Por isso, quero lhes deixar uma parcela do que aprendi: seja quem estiver doente (amigo, pai, mãe, irmão, etc), você tem o dever de aprender com a situação. Observe-a de vários ângulos, o enfermo e você - quem sou? Quem essa pessoa é? O que devo aprender com ela? Honestidade, humildade, generosidade? Como essa situação modificou-a? - Observe também como está o psicológico de outros parentes próximos (cada pessoa sofre com determinada intensidade, talvez alguém precise de ajuda, mas não fale pensando que só o doente tem esse direito).
 
Não se culpe de forma alguma: "se eu tivesse alterado antes", "se eu tivesse percebido naquele dia", "se", "se"... Passado é algo que não volta! Viva o hoje! Lamentar-se por não ter feito algo, não muda o fato da pessoa estar doente e vai por mim, não ajuda em nada também. Faça o seu melhor hoje para a pessoa ter um futuro melhor!
 
Infelizmente não resta muito tempo para minha mãe e na situação que ela se encontra, a morte dará a ela descanso e paz dessa doença. Para nós familiares, ficará seu legado, de força, simpatia e sobre tudo resiliência. Até seu último suspiro farei todo o possível para lhe dar amor, carinho e quando o dia chegar, saberei que enfim a caminhada dela chegou ao fim, mas a jornada de aprendizado é eterna, pois só essa atravessa as gerações e toca todo e qualquer coração.
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