Voluntária do Oncoguia lança livro de memórias e reflexões durante a jornada com câncer de pulmão.

A infância passada no interior rural de Santa Catarina, parte de uma família de lavradores, privou Mônica Strege, 43 anos, do sonho de estudar. Seu encanto pelas letras não era compatível com o modo de vida de sua família, que não entendia a necessidade que uma mulher teria em saber mais do que ler e escrever. Com a trajetória escolar interrompida aos 11 anos, a menina que sonhava com livros nunca cogitou desistir dos seus objetivos. 

Anos depois, Mônica retomou os estudos em em Vila Rica, Mato Grosso, para onde se mudou com sua família. Sua jornada pelos mais diversos ensinamentos a levaram a se tornar professora da rede estadual, atuando na área de Ciências Naturais e Biológicas, não poupou esforços para chegar ao mestrado e, hoje em dia, prepara sua tese de doutorado. 

Entretanto, Mônica, que já havia superado sua parcela de obstáculos, se deparou com um desafio que mudou completamente sua rota de vida. Em 2021, aos 41 anos, a professora foi diagnosticada com câncer de pulmão, que logo se desenvolveu para uma metástase no cérebro. O diagnóstico a direcionou para um novo momento de vida, de novos aprendizados e conexões. Hoje, mesmo afastada do trabalho, Mônica ainda transmite conhecimento como voluntária do Oncoguia e ativista pela prevenção do câncer e acesso aos cuidados paliativos. 

Diante dessa nova adversidade, Mônica resolveu tirar um velho sonho do papel: traduzir suas memórias de vida em um livro. 

“É[Sobre]Vida” é o título da obra que narra a história da autora, contada sob a perspectiva de quem vive um encadeamento de acontecimentos e adversidades que marcaram sua existência. Segundo a autora, a narrativa contada não é triste, nem alegre, apenas reconstrói o percurso de uma filha, esposa e mãe que agradece por estar viva e aceita dançar no ritmo da vida.  “É sobre uma mulher que viveu uma sequência de lutas e vê o câncer como apenas mais um personagem na narrativa”, afirmou Mônica em entrevista para o Oncoguia. 

O livro será lançado no próximo dia 28 de fevereiro durante um evento na Casa do Cuidar-Prática, a partir das 18h, em São Paulo. O encontro é aberto ao público, que poderá conhecer a autora e acompanhar leituras de trechos do livro. A obra estará à venda a partir do dia 03 de março e pode ser adquirida diretamente com a autora através dos perfis no  instagram @esobrevida e @monicastrege, ou pelo Whatsapp no número (66) 98431-5510.

O Oncoguia conversou com a autora para conhecer sua trajetória e as motivações que levaram à escrita do livro. Confira: 

Oncoguia: Você conta que no início não teve muito incentivo da família para os estudos. Como você nutriu esse desejo que te levou a escrever um livro?
Mônica Strege:
Eu nasci e cresci na roça, em uma família muito pobre, e sempre quis estudar. Um desejo que nem sei de onde veio porque o exemplo que eu tinha à minha volta era que mulheres não estudavam. Quando eu deixei de ir para a escola eu fiquei muito triste, mas não tive muito como argumentar naquelas circunstâncias né? Mas eu sempre fui encantada com as letras. A oportunidade de voltar demorou um certo tempo mas eu consegui regressar por meio de supletivo. Entrei em um curso de biologia e, a partir daí, me interessei mais por discussões sobre a situação das mulheres na sociedade, que sempre me incomodou, mas eu nem sabia dar nome a isso. Na minha trajetória de estudos enfrentei muitos desafios que, tenho certeza, grande parte das mulheres também experienciou.

Ainda que tenha sido um processo um tanto solitário, com o tempo também pude contar com o apoio dos meus familiares que, mesmo que não entendessem toda a minha paixão, se fizeram presentes e me ajudaram muito. Só consegui seguir a carreira acadêmica por conta do suporte da minha família. 

Mas escrever sempre esteve na minha rotina. Era uma forma de organizar ideias, colocar para fora o que eu tinha para contar, um desabafo. Mas nunca tive a pretensão de escrever um livro realmente.

Foi a partir do incentivo de um professor que eu comecei a entender que eu tinha uma história para contar. Ele trabalha com questões de gênero e deu uma disciplina que me incentivou a escrever, mesmo eu tendo dificuldades. Ele dizia que eu tinha um jeito bonito de escrever e uma história bonita para contar.

O: O diagnóstico de câncer foi o estopim para começar a escrever o livro?
MS: Até então eu não publicava nada do que eu escrevia. Achava que tudo aquilo, apesar de importante para mim, não teria nenhum tipo de valor. Com o incentivo de professores e colegas eu passei a escrever algumas coisas sobre enfrentamentos femininos mas, nesse percurso, descobri o câncer. Um diagnóstico de uma doença avançada que não me trazia muitas perspectivas. Mas minha médica me tranquilizou, disse que eu não estava morrendo, que era possível tratar e eu teria uma “sobrevida”. 

Essa palavra, sobrevida, me deixou muito impactada. Eu perguntei “como assim? Eu vou morrer? Não posso! Eu tô fazendo mestrado, quero escrever um livro”. Até hoje eu agradeço por ter tido uma médica que me acolheu quando ouviu sobre meus desejos e sonhos. Ela me perguntou quanto faltava para terminar o mestrado, que na época era cerca de um ano, e disse que seria possível. “E o livro?”, eu perguntei. Ela só sorriu e disse “o primeiro já é meu, ta? Não, melhor o segundo. O primeiro será do seu filho”. Ela falou com uma certeza tão grande, tão forte, que eu também tive certeza que escreveria meu livro, terminaria meu mestrado e enfrentaria o que viesse. 

O: Como foi o processo para o diagnóstico do seu câncer?
MS: Foi um processo longo e difícil, principalmente por ter começado no meio da pandemia de Covid e eu estava longe da minha casa e da minha família por conta do meu mestrado, que fiz na Universidade Federal do Tocantins. Eu comecei a sentir um desconforto muito grande, uma rouquidão e minha voz ficou muito fraca. Mas como eu nunca fui fumante, eu ia no otorrino e me disseram que não tinha nada, que era refluxo. Um médico chegou a falar que eu estava assistindo muita televisão. Tomei remédio para o refluxo, antialérgicos para voz. Mas não melhorei. Tive vômitos, fui enfraquecendo, sentia muita dor no peito e no abdome, dificuldade para dormir, sudorese e sempre muita tosse. Chegou a um ponto em que meus alunos fechavam a câmera da minha aula porque eu tossia tanto que eles ficavam constrangidos por mim. 

Então, falando com uma médica de confiança de Goiânia, 1200 quilômetros da onde eu estava, ela disse que eu precisaria ir até ela para exames porque não encontravam o motivo dos sintomas. Foi aí que passei por um otorrino que me escutou, fez os exames de maneira correta e em questão de segundos já me passou mais uma informação. Minha corda vocal esquerda estava paralisada. 

Meu primeiro pensamento foi no trabalho. Sou professora, como vou continuar dando aula? Ele me acalmou dizendo que não era definitivo, mas que aquilo era apenas um sintoma e que era preciso descobrir a causa de tudo. Foi aí que fiz uma ressonância e, depois de esperar muito pelo resultado, fui encaminhada para um cirurgião torácico e uma oncologista que confirmaram o diagnóstico de câncer de pulmão. O processo inteiro demorou mais de 9 meses e pouco tempo depois também descobri a metástase no cérebro. 

O: Depois dos desafios para o diagnóstico, você também teve dificuldades para conseguir o tratamento adequado?
MS: Eu digo que conto com alguns privilégios no sentido de atendimento porque tive e tenho acesso a tratamentos pelo plano de saúde aqui em Goiânia. Fiz quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e agora sigo com terapia-alvo. Mas é o terceiro ano desde que comecei o tratamento que não consigo voltar para casa, no Mato Grosso. Na cidade onde mora minha família eu não teria acesso ao que preciso, principalmente porque depois da metástase eu desenvolvi a Síndrome de Cushing, que me causou alta no colesterol, pressão alta e outras complicações. 

Isso é o que mais me dói. Não poder passar mais tempo com meu filho, João Lucas (11). Ele chegou na minha vida em 2016, finalizada a adoção, e não passo um bom tempo com ele desde 2020, quando comecei minha busca pelo diagnóstico. O livro eu fiz para ele também, para que no futuro ele me conheça por mim. Nem sempre os narradores são confiáveis. 

O: Sua obra traz suas reflexões e visões de uma vida. Qual ou quais você diria que construiu depois do diagnóstico?
MS: Ressignifiquei muitas coisas, né? E eu acho que uma das minhas grandes qualidades foi a minha resiliência. Cheguei ao entendimento que a vida não é do jeito que eu quero que ela seja e sim do jeito que ela é. Sou eu que preciso me adequar a ela e entender que eu posso mudar algumas coisas, mas outras eu não posso mudar. Então porque ficar brigando com isso? Com a realidade? Só vai consumir minha sobrevida. 

 

O: Como você avalia o cenário do cuidado ao câncer no Brasil? 
MS: Em relação ao cuidado oncológico, existem vários “Brasis”. A desigualdade social afeta muito o tipo de cuidado que cada paciente consegue ter. Eu venho do interior, um lugar de muito difícil acesso. É difícil chegar e sair de lá, e para quem está em tratamento, ficar lá é impossível. Não tem nem como fazer um exame, uma consulta, nada. Não chega recurso para mim lá. É uma situação bastante delicada nesse aspecto social da doença. 

No meu caso, também senti como a condição do professor adoecido do Brasil dá outra camada de dificuldade. Porque eu não posso contribuir com a educação do Estado de forma remota. Eu tentei pedir remoção para uma cidade mais perto do Mato Grosso, a 500 km de Goiânia, para que eu pudesse continuar trabalhando e isso me foi negado. Observe que não é a doença que me maltrata e sim o distanciamento com a minha família, não poder ver meu filho crescer, não poder acompanhar as tarefas, as apresentações na escola. Se eu pudesse voltar, esse ano eu até seria professora dele pela série que ele está. 

E há ainda a desigualdade em relação ao acesso ao tratamento dependendo do sistema de saúde que a pessoa depende. Já tive companheiras de destino, com o mesmo diagnóstico que eu, que não tiveram acesso a medicação que eu tenho e não tiveram tempo para esperar. É uma realidade que me incomoda demais. 

O: Quando e como você conheceu o Oncoguia?
MS: Depois do diagnóstico eu fui para a internet como todo mundo, né? Buscar a perspectiva de vida, o que esperar da doença. Era um desespero só. 
Até que em um sábado de manhã eu achei Jussara, do Canal Supervivente. Eu vi aquela mulher feliz, falando sobre câncer, rindo dos próprios perrengues e eu fiquei encantada. Essas mulheres que estão em uma situação semelhante a mim e estão nem aí, estão vivendo, né? 

Eu me encantei e isso me levou a outras voluntárias do Oncoguia, como a Cláudia Lopes e a Iane Cardim. Ver a Cláudia, que tem o mesmo diagnóstico que eu, um câncer de pulmão com mutação, falando sobre isso com uma naturalidade e leveza que nunca tinha visto mexeu comigo. Logo entrei em contato com ela, que me apresentou a Iane e eu ganhei uma amiga maravilhosa. Não tem uma vez que ela me liga que ela não que ela não me faça rir. E foi aí que essa história começou a ser construída, vi que o Oncoguia seria um lugar em que eu poderia aprender muita coisa sobre esse novo universo no qual eu caí de paraquedas e, mais do que aprender, eu poderia ser uma multiplicadora disso. Poderia levar para o interior do Brasil, para aquelas pessoas que vinham me procurar, porque querendo não eu acabei me tornando uma referência na minha região.

O: Como você avalia o impacto do Oncoguia na sua jornada?
MS: O Oncoguia me proporcionou e proporciona aulas muito ricas, acesso a eventos com os melhores profissionais do país em Oncologia. E, a partir disso, mais conhecimento científico A ong dá acesso a uma série de ferramentas que nos empoderam como paciente e nos ajudam, por exemplo, a combater fake news. É tão difícil disseminar informação nesse universo paralelo que as pessoas vivem, né? Todo dia tem uma nova solução mágica para a cura do câncer. Isso induz muitas pessoas a abandonar os tratamentos convencionais referenciados pela ciência e se aventurar em tratamentos que fatalmente dão errado. A gente precisa de instrumentos para combater isso e o Oncoguia proporciona exatamente isso. 

Fora o fortalecimento que tive com a convivência com outros pacientes. Conheci pessoas que hoje são muito importantes para mim porque me fortalecem, me enriquecem. Sempre tem alguém para estender a mão. 

O: No livro, você traz como a questão de gênero esteve presente na sua vida desde antes de você entender o que isso significava. Na jornada com o câncer, ser mulher faz alguma diferença?
MS: Muita. Muita diferença. Historicamente, a mulher foi delegada ao papel do cuidar. E aí quando essa mulher precisa ser cuidada, as pessoas não sabem muito bem o que fazer. Essa questão de gênero impacta diretamente na qualidade da sobrevida da mulher. Desde o acúmulo de funções que dificultam com que ela possa ir ao tratamento, às consultas e exames, até o abandono mesmo. Muitos casamentos acabam quando a mulher é diagnosticada com um câncer, por exemplo. Mas quando é o homem que adoece, ele não fica sozinho. O que mais vemos é a esposa cuidando dele até a morte. O que acontece é que quando a mulher adoecida não consegue estar presente no seu papel de cuidadora, não tem mais nada para dar, ela passa a ser um peso. 

Porque se delega na ideia de que a mulher tem que cuidar que não o contrário? Esse debate precisa ser feito na sociedade, dentro das famílias, nas escolas. Que cuidar é responsabilidade de quem convive com outro. 

Estamos educando os meninos para que eles nos abandonem. Precisamos de uma verdadeira revolução cultural nesse sentido, do papel da mulher na sociedade e como isso impacta de maneira muito absurda a vida das mulheres adoecidas.

O: Que recado você daria para quem está passando por um diagnóstico de câncer neste momento? 
MS: O câncer é apenas um diagnóstico e nós temos que aprender a conviver com esse diagnóstico. Cada vez mais a medicina é capaz de prolongar a vida ou sobrevida dos pacientes oncológicos e é preciso acreditar e buscar sempre o melhor, a medida do possível. 

Escolha bem o médico que irá te acompanhar e não desvie do caminho, Não se aventure em tratamentos que não sejam referenciados pela ciência. Mas, o mais importante, tenha em mente que a vida acontece todo dia. 

Viva um dia de cada vez e vai chegar um momento que você só vai lembrar da doença quando for tomar um medicamento, ou quando tiver um exame. No dia a dia você nem vai lembrar que está doente mais.  É possível conviver bem com o câncer. Acredito que se eu consigo, todo mundo consegue, porque eu não sou superior ou melhor que ninguém. Não sou uma mulher forte, nem nada. Sou só uma mulher que sobrevive dia após dia, buscando dar um significado à minha vida a partir disso.

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