Nutella, pipoca e paçoquinha

Sentados todos à mesa, falando ao mesmo tempo sobre assuntos diversos: desde a pessoa que estaria se “engrandecendo” em uma função do trabalho, até a programação dos próximos festejos juninos.
Eu, sagitariana que sou, sempre gostei da agitação e de viajar. Ah, meu tempo de solteira, não eram a todas as festas que ia, mas gostava de aproveitar o momento. Costumo dizer ao meu marido, relembrando esse tempo que, ou eu ia pra dançar, ou ia pra beber, ou ia pra namorar. As três coisas não costumavam acontecer ao mesmo tempo.
Mesmo sendo essa de ir pra festa, cabem nos dedos das mãos os momentos que me permiti observar a aurora. Mesmo gostando de festa, acho que gostava mais de dormir. Literalmente, boa de cama hahaha.
Conheci Marcelo e seu espírito sem papas na língua, de gostar mais de beber do que as demais alternativas citadas acima. Tropecei nele por acaso, num festejo de São Pedro na minha cidade. Profecia ou não, disse que iria namorar com o primeiro doido que me aparecesse na frente, em resposta a uma desilusão amorosa.
Volto o olhar a mesa e, desde que recebi o diagnóstico do câncer, procuro sair para algum evento, mas me precavendo se haverá lugar pra sentar, se voltarei cedo e se os diálogos serão proveitosos. Chata, eu? Não! Talvez seletiva.
Lembro que passei boa parte de minha adolescência sem ir aos festejos juninos. Eu, aos 8 anos de idade, recém-chegada de São Paulo, fui a criança que sofreu bullying por tudo: pelo cabelo que sempre estava “armado” toda pessoa negra já ouviu isso, pelo sotaque paulista, pelo modo de me portar nos lugares, na escola, enfim...Fui a criança que nunca brincou na rua e que a mãe cronometrava o tempo entre a saída da escola e a chegada em casa. Fui a uma noite da festa, acompanhada dos meus pais e, tempos depois, meninos da minha localidade começaram a fazer “mangação” comigo. Enfrentei-os e disse uns desaforos, sendo atribuído pelos meus pais que a mal-educada e louca era eu, ou seja, desde sempre a mulher tem que “saber se portar” _contém ironia.
Os anos passaram... mesmo morando já na sede do Município eu não ia pra festa, pois eu tinha o horário do Gasparzinho pra voltar pra casa_que absurdo, nem o da Cinderela era! 15 anos eu tinha, e a chance de voltar pra casa no horário da Cinderela enfim chegara, mas ao chegar à praça da festa vestida com uma calça jeans básica e uma camiseta de alça, com certa transparência. Ela não era ajustada no corpo, era algo que ia até mais ou menos a linha do quadril e, um colega da escola, cuja turma tinha aula de artes com a minha, disparou um: hahahaha, ela veio de camisola! Todos olharam pra mim e aquilo me desconcertou tanto que, até hoje as lágrimas me escorrem pela face ao escrever nestas linhas. Dei um sorriso amarelo e quando o show começou, eu me dispersei na multidão e voltei pra casa.
Vim saber o que era uma festa junina aos 18 anos, quando já fazia faculdade e trabalhava e, com o meu dinheiro eu fazia a escolha do que vestir ou não!
Hoje, olho pra conversa da mesa e, mesmo sem vontade nenhuma de ir à festa, o farei em nome de meus filhos, que merecem na sua adolescência viver as emoções típicas desta fase e que estas sejam as melhores possíveis: na nossa companhia, com trajes que não o destoem na multidão_ é preciso ser aceito e meio que “padronizado” entre os seus. Pode ser futilidade se preparar um semestre inteiro para a festa mais conhecida da região, mas é o que a maioria das pessoas fazem, pela descontração e pela oportunidade de ganhar um troco... É bom que meus filhos vivenciem essa fase e, talvez lá na frente eles por si mesmos escolham o que lhes agrada.
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Marta Maria da Silva
(Mãe do Gui e do Marcelinho, moradora da cidade vizinha a “Capital Baiana do Forró”)
O título faz alusão ao termo usado hoje a criança Nutella, criadas com excesso de cuidados e pipoca e paçoquinha, aos alimentos típicos de Festas Juninas.