Mãe ou pai com câncer: como falar sobre a doença para os filhos?

Quando recebeu o diagnóstico de câncer de mama em abril deste ano, a administradora Daiana Melo, 38, decidiu contar ao filho Miguel, 5, sobre a doença. A rotina em casa ia mudar por conta do tratamento e era importante preparar o menino para o que viria.

Ela escolheu um diálogo simples, que ele compreendesse.

"Mamãe tem uma bolinha no peito que não é boa para a saúde e preciso fazer uma cirurgia para tirar. O vovô e a vovó vêm ficar com você, eu vou para o hospital e o papai vai comigo. Vou dormir lá uma noite e volto no dia seguinte", explicou dias antes da cirurgia.

Miguel devolveu perguntas: que bolinha é essa? De onde ela veio? O papai vai fazer cirurgia também? Daiana respondeu a todas elas sem omitir ou acrescentar mais do que a curiosidade do filho demandava.

Para quem pensa que o assunto pode traumatizar os filhos, a educadora parental Priscilla Montes lembra que o trauma só fica quando os sentimentos deixam de ser acolhidos. A fim de evitar essa marca, algumas estratégias podem ser adotadas para conduzir o assunto com os pequenos.

Honestidade em primeiro lugar

Pode não parecer, mas os pequenos entendem as mudanças de alguma forma. "Eles vão interpretar de acordo com as vivências deles", diz Tainá Moraes, psicóloga especializada em desenvolvimento infantojuvenil. Dizer que está tudo bem, que nada está acontecendo, é injusto.

Quando você mente para a criança, ensina isso como um mecanismo de defesa. Priscilla Montes, educadora parental

E quando os filhos notam que os pais, que deveriam ser seu porto seguro, estão escondendo algo dela, a confiança na relação é minada.

Sem informação sobre o que se passa ao redor, quadros psiquiátricos podem surgir. "Isso gera uma ansiedade enorme na criança porque ela começa a fantasiar", comenta Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência da Unifesp.

Entre as fantasias estão a culpa e o medo. No primeiro caso, é comum a criança se achar responsável pelos problemas que afligem os adultos. No segundo, há um medo de perder essas figuras de cuidado, com recusa para ir à escola, por exemplo.

Quanto mais orientada a criança estiver, melhor para ela e para todo mundo. Danielle Admoni, psiquiatra

Moraes indica que os pais aproveitem esse momento para fazer uma educação emocional com os filhos. Se a criança vê o adulto chorar, ele pode verbalizar o que está sentindo e explicar o motivo, em vez de esconder a emoção.

Vá até o limite da compreensão

Ser honesto não significa despejar sobre a criança toda a carga em torno do câncer. "A gente vai até o limite da pergunta, que é o que ela vai sentir saciedade. A gente tem mania de explicar muito, dar muitos exemplos, mas criança não consegue alcançar isso", diz Montes.

Uma forma de conduzir a conversa é se nortear pela idade da criança:

Dos 0 aos 6 anos: mesmo que não entendam o cenário, os pequenos sentem quando o adulto está mais ou menos disponível. Segundo Montes, é melhor falar de forma genérica, sem detalhes. Diga que a pessoa está doente, mas já se cuidando, tomando um medicamento que faz bem para o corpo.

Dos 6 aos 12 anos: nessa fase, há mais compreensão, então a doença pode ser nomeada, bem como os tratamentos. Se a criança já teve contato com a doença antes, por familiares ou amigos, deve-se considerar a visão que ela tem sobre câncer.

Em qualquer fase da vida, ouvir a criança e acolher o que ela manifesta é fundamental. "É muito importante esperar que a criança traga seus dilemas, suas dúvidas, para a gente não dar informações que ela não é capaz de suportar", diz a educadora parental.

Mas Admoni lembra que a maturidade não depende só da idade. "Falo para os pais perguntarem para a criança o que ela entende que é câncer. E você vai falando até onde ela dá conta, explicando dentro do repertório dela."

Use o lúdico a seu favor

Quando a designer e diretora de arte Lucia de Menezes Farias, 43, descobriu o câncer de mama em 2015, preferiu evitar a palavra dentro de casa.

A filha Alice, então com 6 anos, tinha uma visão negativa sobre a doença, porque a avó da menina tinha morrido devido a um tumor.

"Tomei a decisão de dar um apelido: Silas. Foi virando um jargão", conta.

Moraes diz que a ludicidade está bastante aflorada por volta dos 5 anos de idade. Então, sugere: "Se a criança gosta de super-heróis, e o pai precisa ficar internado, pode dizer que ele vai fazer missão importante".

Ela aconselha também criar uma nova rotina para crianças, a partir das mudanças que ocorrerem. Caso os filhos acompanhem os pais em algum procedimento, é importante ter alguém de confiança dela por perto. "Ela não pode estar em ambiente que não se sinta acolhida."

Lucia também usou palavras amenas para dizer que estava com uma doença, ia fazer tratamento e tomar um remédio que poderia fazer o cabelo dela cair. A forma como ela encarou o processo ajudou a minimizar para a filha o peso que se costuma dar.

"Eu lidei razoavelmente bem. No geral, eu não estava aflita, mais ria do que sofria. Sempre fui pragmática; internamente eu 'frito', mas consigo viver o que tem para viver. O câncer não me paralisou", conta.

Vá por etapas

Mesmo que você saiba todo o processo pelo qual vai passar, Moraes desaconselha compartilhar tudo de uma vez com a criança. "Precisa dar previsibilidade para a criança, contar apenas a mudança atual, senão ela não consegue assimilar."

Lucia e Daiana contaram aos poucos, conforme uma nova etapa chegava: a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia, a queda do cabelo. E a cada etapa, também é importante relembrar a criança do porquê tudo está acontecendo.

Respeite o espaço e o tempo da criança

Lucia comenta que, no começo, Alice "não deu muita bola" para o assunto e pareceu não se incomodar quando viu a mãe raspando o cabelo no banheiro. Mas depois, no dia a dia, enquanto a mãe tinha orgulho da careca, a filha tinha vergonha.

Por isso, a menina pedia para que ela colocasse um chapéu antes de ir buscá-la na escola, ao que a designer concordou. Explicar o que estava acontecendo e respeitar os limites da filha contribuiu para ressignificar o câncer.

Ela viveu todo o processo: me viu careca, sem peito, vomitando, na cama, rindo. Mas para ela era isso: 'minha mãe está doente', diferente de 'minha mãe vai morrer'. Lucia de Menezes Farias

Já Miguel, filho de Daiana, tinha dito desde o primeiro momento que não queria ver a mãe sem cabelo, no qual ele costumava mexer para dormir.

Então, quando ela raspou os fios, passou a usar peruca ou lenço na cabeça. "Era difícil amenizar para ele e guardar a minha dor", diz.

Crie estratégias e envolva a família

No calor do Rio de Janeiro, era incômodo para Daiana ficar com os acessórios na cabeça, o que a fazia se esconder do filho em alguns momentos para tirá-los por um tempo. Uma forma que ela e o marido encontraram para habituar o menino ao item foi incluí-lo em brincadeiras.

Miguel pegava a peruca, colocava no pai, eles faziam desenhos juntos, contavam histórias. Com o tempo, já habituado, mãe e filho entraram num acordo: ela ficaria sem nada na cabeça dentro do quarto, portas abertas, enquanto ele ficaria na sala, vendo-a de longe.

"Ele dava risada, mas não queria chegar perto. Fui respeitando o tempo dele", conta. Depois, eles foram reduzindo a distância até que ela conseguiu se aproximar do filho com a cabeça livre.

Escola também pode ajudar

Lucia e Daiana contaram com o apoio da escola dos filhos para conduzir a temática do câncer. A designer explicou a situação numa carta enviada às professoras. "As pessoas iam começar a ter curiosidade, suspeita, e elas [as professoras] foram umas queridas."

A administradora conversou com a coordenadora da escola de Miguel, antecipando uma possível mudança de comportamento dele. Quando o menino apresentou resistência à careca ou peruca, ela também sugeriu uma conversa sobre o tema em sala de aula.

Assim, as professoras explicaram às crianças sobre os diferentes estilos: mulheres com cabelos longos, curtos ou sem cabelo, homens de cabelos longos, fios lisos, enrolados e crespos. "Ajudou muito no processo", conta Daiana.

Segundo Moraes, esse diálogo com a escola é importante porque as mudanças podem prejudicar o aprendizado da criança. Além da família, esse também é um ambiente que deve ser acolhedor para os pequenos.

Conduta acolhedora é uma construção

Honestidade, diálogo e escuta em um momento delicado como esse só são possíveis se esses valores foram construídos ao longo do tempo na relação entre pais e filhos.

Uma criança que tem sua opinião ouvida e respeitada, suas dúvidas e medos acolhidos se sentirá mais confortável para se abrir neste momento, dizem as especialistas.

"Mas se for um lar autoritário, em que a criança não opina e só obedece, os pais vão achar que ela não precisa saber, não vai entender nem precisa participar", diz Montes.

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