Luciana Holtz, presidente do Oncoguia: “Paciente com câncer de pulmão enfrenta desigualdade no acesso a um tratamento efetivo”

A jornada do paciente com câncer de pulmão é desafiadora do começo ao fim. Embora a ciência tenha evoluído muito ao longo dos últimos anos, com mais conhecimento e campanhas antitabagistas, diagnóstico mais preciso e novas possibilidades de tratamento, há ainda muito a avançar considerando a trajetória de quem tem esse tipo de tumor no Brasil. Em primeiro lugar, o número de pacientes que descobre a doença na fase avançada e, portanto, mais grave, é alto. Em segundo lugar, o acesso às terapias que podem mudar o resultado e melhorar a vida do paciente também é limitado.

O cenário desafiador vem ganhando novos contornos à medida em que pacientes, profissionais da saúde e outros atores da saúde entendem seu potencial para ajudar a melhorar a jornada. “Já caminhamos muito com engajamento de pacientes na causa do câncer, mas existem diferentes níveis de engajamento, em ações específicas. Para câncer de pulmão, isso vem mudando bem devagarzinho. Se eu comparar cinco, seis anos atrás, o Oncoguia não tinha nenhum paciente voluntário de câncer de pulmão”, relata Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, em entrevista ao Futuro da Saúde.

E esse será um esforço cada vez mais necessário. Dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, em 2020, mais de 1,8 milhão de pessoas perderam a vida por causa da doença. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que, de 2023 a 2025, cerca de 700 mil novos casos de câncer devem surgir a cada ano e, deste total, aproximadamente 32 mil novos casos serão de câncer de pulmão, o que o coloca como o quinto mais incidente no país. Mesmo não sendo o mais incidente, é o que possui a maior taxa de mortalidade. Hoje, o paciente tem limitação sobre as possiblidades de tratamento dentro do SUS.

Recentemente, a Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias no SUS (Conitec), responsável por avaliar a implementação e disponibilização de novos tratamentos na rede pública, abriu uma consulta pública referente ao imunoterápico pembrolizumabe. A terapia é recomendada para pacientes em estágio avançado que já passaram por cirurgia e quimioterapia. “Estamos esperando ansiosamente por essa discussão em torno desse imunoterápico para o paciente do SUS. A consulta pública é o espaço onde toda a sociedade pode contribuir – em especial os médicos que têm experiência com a tecnologia e o paciente que usa o medicamento –, além de todas as instituições e pessoas interessadas no tema”, diz Holtz.

Acompanhe os principais trechos da conversa:

Qual é o atual panorama do câncer de pulmão no Brasil?

Luciana Holtz – Estamos falando do tipo de câncer que mais mata pessoas. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que sejam de 30 a 32 mil novos casos por ano no Brasil, e ainda se trata de um câncer com a mortalidade muito alta. Quase 90% dos pacientes que dependem do SUS têm a quimioterapia como primeiro tratamento. A gente sabe que eles já estão na fase 3 e 4 da doença, então estamos diante de uma doença super avançada, onde o foco não é mais a cura. E aí começa a nossa angústia, uma vez que esse paciente não tem acesso hoje aos tratamentos mais efetivos. Nos últimos 10 anos, todas essas novas possibilidades de terapia revolucionaram a forma como olhamos para o câncer de pulmão. Nós sabemos mais sobre a doença, sabemos diagnosticar melhor e tratar melhor esse paciente, mesmo ele convivendo com uma doença mais avançada. Inclusive, ele está muito mais engajado e participativo nas nossas ações dentro do próprio Oncoguia.

A terapia-alvo e imunoterapias têm revolucionado o tratamento de tumores no pulmão. Qual o potencial desse tipo de intervenção?

Luciana Holtz – O que a gente ouve dos principais especialistas é o quanto a terapia-alvo e a imunoterapia vêm realmente revolucionando a realidade dos pacientes de câncer de pulmão. Tem um ponto central que é um foco na medicina de precisão, e está muito conectado com o acesso aos testes moleculares. Então hoje, diante de um diagnóstico de câncer de pulmão, é muito importante testar e saber o tipo de câncer, entender o subtipo, qual é ou quais são os alvos presentes, as mutações presentes, para aí sim discutir e ir atrás do tratamento mais adequado, o que sem dúvida nenhuma faz diferença na vida desses pacientes.

Apesar de demonstrarem ótimos resultados em pesquisas clínicas, muitas dessas terapias ainda não são disponibilizadas no SUS. Quais são os principais desafios para essa inclusão?

Luciana Holtz – A grande maioria dessas tecnologias ainda não está disponíveis no SUS. Elas têm resultados importantes nas pesquisas clínicas, e a gente já tem esse nível de resultado para o paciente da saúde suplementar. Então, a desigualdade no acesso a um tratamento efetivo para o paciente de câncer de pulmão é uma realidade muito dura que enfrentamos. Um paciente que pode se tratar pela saúde suplementar recebe uma intervenção muito diferente do que receberia no SUS. Sem dúvida, uma grande revisão dos tipos de tratamento oferecidos na saúde pública que deve passar pela análise da Conitec é a própria atualização das Diretrizes Diagnósticas Terapêuticas (DDT) de câncer de pulmão. E claro, sempre que algo passa pela comissão existe uma ansiedade por parte de todos nós de que exista uma compra centralizada ou uma atualização no valor da Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo (APAC), para que após uma comparação da Conitec, esse tratamento seja disponibilizado.

O processo de avaliação pela Conitec para a incorporação de um novo imunoterápico no SUS para o tratamento de câncer de pulmão do tipo de células não-pequenas em estágio avançado, o pembrolizumabe, está em andamento e a consulta pública está aberta para receber contribuições da sociedade. Qual a importância de participar desse processo?

Luciana Holtz – Aparentemente, a Conitec, em parceria com a própria Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES), está discutindo e revisando a DDT de câncer de pulmão. Desde o início de julho, algumas tecnologias de câncer de pulmão vêm sendo avaliadas. Estamos esperando ansiosamente por essa discussão em torno desse imunoterápico para o paciente do SUS. A consulta pública é o espaço onde toda a sociedade pode contribuir – em especial os médicos que têm experiência com a tecnologia e o paciente que usa o medicamento –, além de todas as instituições e pessoas interessadas no tema. É hora de tentarmos contribuir com informações de qualidade, de relevância, que corroborem para essa mudança de parecer e para a incorporação.

Quando falamos em engajamento de pacientes, vemos algumas diferenças que parecem relacionadas ao tipo de tumor. Pacientes com câncer de mama tendem a ser mais engajadas do que pacientes com câncer de pulmão pelo próprio perfil da doença, por exemplo. Quais são os principais desafios no engajamento desses pacientes e familiares?

Luciana Holtz – Já caminhamos muito com engajamento de pacientes na causa do câncer, mas existem diferentes níveis de engajamento, em ações específicas. Para câncer de pulmão, isso vem mudando bem devagarzinho. Se eu comparar cinco, seis anos atrás, o Oncoguia não tinha nenhum paciente voluntário de câncer de pulmão. De câncer de mama, eu estou falando de 50 voluntárias. As mulheres já entenderam que a participação faz muita diferença, e o paciente de câncer de pulmão está descobrindo isso agora. Acho que a gente precisa caminhar muito, cada vez mais com o envolvimento dos pacientes. Existe esse reconhecimento de um paciente com outro paciente. Um chama o outro, e assim a gente vai informando, fortalecendo, empoderando esse paciente, que vai entendendo a potência que a voz dele tem para a causa.

Embora o câncer de pulmão tenha uma incidência muito grande e apresente uma taxa de letalidade alta, a doença parece não ser encarada com a mesma prioridade de outros cânceres. Isso afeta a tomada de decisões do poder público relacionados à doença? Qual é o caminho para começar a mudar essa mentalidade?

Luciana Holtz – O que me deixa mais inconformada é que estamos falando do câncer que mais mata, e ele não é tratado de forma prioritária. Existe um esforço grande para o tabagismo, e definitivamente temos que seguir nesse combate – inclusive o cigarro eletrônico, o narguilé –, há uma questão importante de ambiente e de comportamento que precisa seguir sendo muito debatida. Mas o número de pacientes que estão descobrindo a doença na fase avançada ainda é muito alto. E hoje, podemos começar a falar de rastreamento de câncer de pulmão, sabemos quem é o paciente que se beneficia desse tipo de exame. Óbvio, toda a linha de cuidado precisa estar muito conectada. É uma doença que continua sendo a que mais mata, mas que tem oferecido a oportunidade de a gente melhorar e mudar esses números. Está na hora de ser mais priorizada.

Recentemente vocês realizaram um evento sobre câncer de pulmão. Quais foram os principais destaques do evento?

Luciana Holtz – Nesse fórum, especificamente, a gente preparou a agenda em parceria com o GBot, que é o Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica. Achamos importante aprofundar uma discussão necessária que é o foco no paciente, olhar para esse paciente que está descobrindo a doença avançada. Nossa agenda foi muito focada na questão do acesso aos testes moleculares diante do diagnóstico, inclusive com o posicionamento oficial de Oncoguia e do GBot, assinado por vários outros grupos e deixando claro que apesar de todos os desafios, não podemos mais abrir mão de que esse paciente tenha acesso e saiba qual é o tipo de mutação que ele tem. A outra discussão foi em torno do acesso aos tratamentos, como estão os processos na Conitec, de que forma a pesquisa clínica pode ajudar, como melhorar esse cenário do acesso ao tratamento.

Em agosto o Oncoguia apresentou a pesquisa “Vivendo com câncer de pulmão avançado: prioridades e preocupações”. Quais foram os resultados de destaque?

Luciana Holtz – Neste trabalho, ouvimos tanto quantitativamente, quanto qualitativamente os pacientes com câncer de pulmão. A gente continua tendo um desafio e um ponto prioritário que é combater o estigma de como a nossa sociedade ainda olha para esse paciente de câncer de pulmão, como se o câncer viesse porque ele fez uma coisa errada. E acho que a gente tem que olhar para essa questão como um vício que precisa de tratamento, que não é fácil de parar de fumar. Não é um castigo, não é uma sentença. A questão do paciente não fumante também foi destaque, inclusive a nossa campanha “Câncer de pulmão, eu?!” traz essa reflexão em torno de quem pode e quem não pode ter. A grande conclusão é que, na verdade, todo mundo que tem pulmão pode ter. Ou seja, todo mundo. Abordamos também os desafios dos sinais e sintomas, a quantidade de paciente que passa por mais de três médicos para poder fechar o diagnóstico, a dificuldade para fechar o diagnóstico, ter acesso a biópsia e começar o tratamento mesmo. Além do quanto esse tratamento hoje, em especial para o paciente do SUS, está deixando a desejar sem novas terapias disponíveis.

O que podemos esperar de avanços no rastreio, diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão no futuro próximo?

Luciana Holtz – As coisas estão acontecendo. Hoje, especificamente está sendo lançado um consenso de rastreamento para câncer de pulmão em parceria de três sociedades médicas, então já estamos conseguindo falar de rastreio. Agora, temos uma longa caminhada pela frente, que é realmente ver o governo incorporando esse tipo de documento e criando estratégias para a gente conseguir fazer esse exame no SUS oficialmente. Mas isso já nos dá muito subsídio para que pelo menos haja solicitação do exame, para que pilotos possam ser iniciados. A gente sabe a diferença que é um paciente que descobre a doença nos estágios um ou dois, e pode ir direto para uma cirurgia e ser curado, e o que descobre em todas as outras fases e precisa fazer inúmeros tratamentos. Então, minha expectativa é de que a gente comece, com esse consenso, a mudar a realidade do câncer de pulmão no Brasil.

Matéria publicada no Futuro da Saúde em 28/09/2023

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