Eu ainda estou aqui

O ano começou desafiador, é verdade. Uma pessoa querida partiu. Deixou uma saudade grande. Deixou também um legado rico demais!
Outro dia, me perguntaram como a gente ainda está aqui. Falando sobre câncer, convivendo com tantas perdas.
Eu hesitei. Eu sei o que dizer, mas nenhuma resposta parece suficiente. A verdade é que toda vez que uma pessoa com câncer parte, a gente também se despede. Há uma troca genuína, partilha de sonhos, angústias, vulnerabilidades, risadas e silêncios. Há laços que só existem de paciente para paciente. Quando esses laços se rompem, deixam um vazio.
Penso nela. Chorei por ela. Mas não chorei sozinha. Chorei com amigos pacientes que ainda estão aqui. Também chorei lembrando dos que já partiram.
Ela tinha espírito de primavera, mesmo quando a vida insistia no inverno. Uma avó que carregava coragem no peito. Tinha um brilho nos olhos que parecia capaz de iluminar qualquer escuridão. Uma mulher que amou e foi amada, até o fim.
Ela trilhava e corria, como quem desafia o tempo e a liberdade. Ela também cantava. Talvez para lembrar aos outros — e a si mesma — que a vida ainda podia ser melodia. Ela voluntariava espalhando esperança. E, então… Ela partiu.
E uma verdade: A gente sente, sim! Sente raiva do câncer, sente saudade das conversas e momentos vividos e sente muito, muito mesmo pela família que fica.
E depois? Depois a gente sente ainda mais vontade de acolher quem tem câncer, de falar sobre os sintomas, de alcançar mais pessoas, de lutar por direitos e por tratamento digno para todos, e de combater mitos, estigmas e fakes que circulam por aí sobre o câncer.
E respondendo aquela pergunta: É assim, com todos esses sentimentos, que a gente consegue continuar. Por ela e por todos que já partiram. Nós ainda estamos aqui!
Quézia Queiroz
(Em homenagem à nossa amiga de voluntariado do Oncoguia, Cláudia Lopes, que partiu deixando uma trilha de memórias de VIDA e um legado transformador).