Entre ramos e folhas

O sacolejo do carro, o enjoo que vêm a cada curva sinuosa da estrada. Também, o que querias, saindo em jejum de casa? O dentista, tinha horário para chegar. Não é porque se tem câncer que os demais cuidados e ainda, as demais despesas deixam de existir. Confesso, há meses venho com esse dente a incomodar, e sempre a postergar. Quando não eram a viagem para o tratamento e as consultas, era a vida lá fora chamando: filhos, sempre eles como prioridade. E, quando havia tempo, não havia dinheiro. Nossa, como o preço das frutas aumentou! Aí me deparo, como Cecilia Meirelles “Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro”. Deus, como é difícil! Porque a gente não tem dinheiro e saúde?
Com esse pensamento, volto há alguns anos, quando a minha tia, analfabeta, moradora do sertão, ia para realizar tratamento oncológico em Salvador. Quando ela desistiu de tudo, foi pouco compreendida. Só quem vive que sabe as curvas sinuosas do nosso caminho.
Chego ao dentista, seria a primeira a ser atendida. Apresento o último exame, converso e pergunto: vamos concluir o nosso canal? Como assim, pergunta a secretária? Eu agendei pra ti uma avaliação, não a conclusão do procedimento. Olho atônita para ambos _ gente, eu preciso fazer esse procedimento, já iniciamos lá em dezembro e só está no curativo. E, a cabeça a fervilhar, “se eu não fizer hoje, será mais um dia a vir aqui, mais tempo, mais despesa... e se precisar cancelar de novo?” Saio de lá, engolindo o choro de frustração, tinha outro compromisso agendado.
Vou ao compromisso, agendado para saber a quantas anda o processo relacionado a medicação solicitada e que até então, fora negada. Saio de lá triste, angustiada, porque o judiciário tem esse caminhar que parece não se importar conosco? Sigo mais um pouco, converso com a amiga que tivera um problema com o tratamento. Porque os planos de saúde nos veem somente como uma despesa e, para os demais beneficiários que as vezes só usam para consultas, como fonte de renda?
Choro no meio da rua... paro sem fôlego. A fadiga oncológica, a neuropatia a me incomodar o caminhar... O marido olha e diz: _vamos? E você seca as lágrimas sem ter a dignidade até de chorar diante das amarguras da vida. Depois, almoçando, questiono, recebendo como resposta: _Você viu que estávamos no meio da rua, próximo a uma base da Polícia? Iam pensar que estava a desentender-me contigo! Olhei-o e um riso saiu um tanto envergonhado, com sua mão pousada sobre a minha.
Compromissos finalizados, vamos pegar o transporte de volta para casa. Seriam longos 45 km, em meio ao calor do sertão. Cheguei em casa, dor de cabeça, uma ligação... Uma pessoa em forma de anjo a me dizer a melhor notícia que poderia receber: enquanto o judiciário demora a me responder sobre o remédio que dependo pra viver, consegui uma doação. Sim, quando julgamos que tudo deu errado, existem noticias que nos fazem encher o peito de esperança e sim, ainda há no que acreditar! Há empatia, há vida lá fora, o câncer tá conosco, mas nos traz também, anjos em forma de gente.
E assim, sigamos...
Marta Maria da Silva
(@martabartilotti, 43 anos, pedagoga, Servidora Pública Municipal licenciada, paciente de câncer de mama metastático, voluntária Oncoguia, membro do Comitê de Pacientes e Rede de Embaixadores Negros com Câncer. Esposa do Marcelo, mãe do Marcelinho e do Gui, moradora do Município de Andorinha, Bahia)
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