A via dupla

Na janela do apartamento, a avistar um veleiro em alto mar. Esse me fez refletir por tudo que aconteceu na última semana.
Aproveitei o feriado do dia do trabalho para descansar em Salvador, já que teria consulta e exames na semana seguinte. Os filhos? Comigo, é claro! Pra não perder a oportunidade, médicos para eles também, já que o plano de saúde no interior, zero clínicas atendem. Ruim com ele, pior sem ele.
Quarta feira, dia 30, uma viagem pra lá de descontraída, risos, histórias muitas com nossos amigos... ficaríamos na casa de praia de meu compadre. Aproveitei e “me mimei” comprando um óculos de sol. A mãe sempre compra para os filhos, para o marido e esquece de si_ oremos.
Feriado, sol, piscina, risos, alegria… final de tarde, uma dor na região do rim direito, ele que dá notícias desde os meus 18 anos, igual o vulcão Etna. Disfarcei, não queria atrapalhar os demais. Tomei banho, Buscopan em gotas, deitei. A dor não cessava e era constante. Murros constantes. Mensagem a equipe médica, orientações. Mala feita, ia para a emergência. Olhei os meninos, susto e preocupação. Desisti. Amigos adentram ao quarto. Analgésico, muita água e quatro horas depois, eu não expeli um cálculo, mas toda a areia do Oceano Atlântico, porque não basta ter câncer, o restante do corpo tá aí e precisa de cuidados sim. A dor passou. Adormeci.
Madrugada, chuva forte e idas constantes ao banheiro para fazer xixi _ era mais fácil usar fralda geriátrica. Marido, dormindo depois de muitas e muitas cervejas. Sim, ele me traiu com Ninkasi não, não era uma das amigas e sim, a Deusa Suméria da Cerveja e da Fermentação. Não é terapia, mas pra ele é terapêutico.
Acordei, chuva lá fora, diálogo monossilábico. Segui meu dia, me hidratando, conversando e buscando me divertir o restante do fim de semana, afinal não é uma chuva fora de hora e um cálculo renal que vão me impedir de curtir com meus amigos e minha família.
A semana inicia e os cuidados médicos com as crias começam. Adolescentes, sempre rola um stress. Um tapão no meio da clínica. Olhares, cara de choro. Me julguem, com fome, cansada, só querendo terminar aquilo. Missão concluída no fim do dia. Fui desopilar com um hambúrguer duplo, batata frita e um copão enorme de coca cola. Relaxei. Reencontros, registros, risos, porque nunca uma cidade é tão grande que não permita encontros ao acaso e, por que não, acompanhado de um sorvete? Enfim, leveza…
Meu dia de cuidados, consulta com oncologista, com paliativista sobre as diretivas antecipadas de vontade. Conversamos antes, rimos. Não é porque é sério que não deve ser leve. Partimos para a leitura do que fiz em casa. Lida, discutida, concluída. Bate papo com outra oncologista, sobre a constituição de um documento, sobre a visão do paciente mediante a doença. Risos, choro, abraço. Não é porque a vida tem seus percalços que não pode ser risível.
Amanhã é o dia D, com o resultado do PET-CT. Vamos ver qual será a fala do Sid¹ a ser usada amanhã.
Alea Jacta Est.
Marta Maria da Silva
(A adulta que adora filme de animação e que, mesmo diante das intempéries, perde o amigo, mas não perde a piada)
¹ Sid, personagem de Filme de Animação a Era do Gelo 2 pronuncia a Frase “A gente vai viver” ou “A gente vai morrer”, a cada aumento do nível das águas.
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