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A estupidez da morte

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Feriado prolongado, mil e um compromissos neste dia, a oportunidade de rever pessoas. E dentre estas, o dono da banca de jornal, que não via há tempos. O conheço desde os tempos da faculdade. Relíquias na banca, desde projetores de filme a câmeras fotográficas de tempos diversos... como o tempo mudou tão rapidamente, em que um smartphone MATOU o uso de vários objetos que fizeram parte de nossa vida: folhinha do ano, almanaque, jornal, revista, câmera fotográfica, filmadora, mapa, bússola, telefone, carta, relógio, livro... Livros, uma de minhas paixões! Sempre fui uma leitora assídua, mas o corre-corre do trabalho me tirou essa oportunidade de ler por prazer. 

Com o tratamento oncológico e as inúmeras viagens, tenho retomado o ritmo aos poucos. E, olhando na banca, um livro de Charlotte Brönte, “O professor”, me chamou a atenção. Perguntei a ele se conhecia a história dela e de suas irmãs, sendo a mais famosa, Emily Brönte, autora de “O morro dos ventos uivantes”, no fato delas com tanto conhecimento para a época em que as mulheres eram pouco escolarizadas e morreram tão jovens, numa vila que dispunha de condições sanitárias insalubres. Me presenteei... Ah, como são raras as oportunidades de reencontrar pessoas com ideias, interesses semelhantes aos nossos! 

Almoço com a família, o dia encerra... Acordei nas primeiras horas da sexta-feira santa, olho o celular: 0:10h. Acabo, por sua vez abrindo a rede social, e encontro a notícia que me deixou chateada e questionando a banalidade da morte. Um ex-professor, geólogo de profissão, historiador pelas paixões no tema, carioca de nascimento, mas vivendo em Salvador há anos falecera. Costumava em sua página compartilhar registros fotográficos da cidade, de personalidades, de famílias, estes por sua vez comprado por catadores, que os encontravam no lixo. Muitas vezes questionei nas nossas conversas, o que levam pessoas a jogarem a história dos antepassados no lixo? Morreu, perdeu o valor? “Pode isso, Arnaldo?”

Com esse receio, dia desses, a arrumar a casa, comecei a pensar qual dos meus filhos ficariam com a minha pequena herança; não a de bens imóveis, mas das memórias da família, objetos que já estão conosco há 50, 100 ano ou mais. Talvez as pessoas num geral não pensem nisso, por acreditar que sejam irrelevantes. Mas, se não preservarmos a nossa história, que futuro teremos, quantas gerações viveremos adiante_ lembrando aquela animação da Disney, “viva a vida é uma festa”? 

Sobre o professor que me ensinou sobre a formação geomorfológica de Salvador, que me fez ver a cidade com outros olhares, que falava línguas diversas como latim, grego, esperanto, partiu de forma tão repentina e sem explicação e que, sua herança de conhecimento parte se foi, restando somente aquilo que já foi publicado. Que coisa, pessoas assim nunca deveriam morrer! Pais não deveriam morrer! Filhos, muito menos! É, mas todos nós temos como destino o mal irremediável, como escrevera o célebre Suassuna em O Auto da Compadecida. 

E o feriado termina, e com ele a notícia da morte do Papa Francisco, um líder que pregava a paz, a humildade, a união... não sou a católica mais devota do mundo, vivo em pecado, falo uns palavrões de vez em quando e tenho medo do inferno (vai entender). Ao meu modo, procuro trilhar o caminho do bem e fazendo o bem, ensinando os meus filhos ao que é certo ou errado. Ao contrário de mim, fizeram a primeira eucaristia, pedem a bênção ao dormir e acordar. E, como tais costumes vêm morrendo! E, como me alegro, mesmo eu, sem ser um modelo cristão, a moldar os meninos. 

Olho para trás e, há exatos 35 anos atrás, eu aos 8 anos, migrante no sertão, tinha uma fila de tios e tios avós na roça que a cada visita era como uma fila do INSS pra tomar a bênção e eu sem entender muito, ouvia desde um “Deus te abençoe” até um “Deus te faça feliz”. 

Hoje, eu entendo o peso de um “Deus te abençoe”! Ah, e como tem peso, porque com a benção d’ele, o nosso caminho de fé e esperança em dias melhores se torna mais fácil. 

Que o legado de meu professor e do Papa Francisco permaneçam pelas gerações futuras e que os seus ensinamentos não se percam nos livros empoeirados em qualquer sebo ou banca por aí.

Sigam em paz!

Marta Maria da Silva

(A não católica que acredita que exista inferno e que, ao seu modo reza e abençoa a quem surge pelo seu caminho, membro do Comitê de Pacientes Oncoguia e da Rede de Pacientes Negros)

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