Seis em 10 mulheres com câncer uterino iniciam tratamento no SUS após período determinado por lei

Uma doença considerada rara e com um grande percentual de cura, mas se não tratada no tempo certo, pode causar a perda do útero e levar à morte. Com exceção apenas do câncer de pele do tipo não melanoma, o câncer do colo de útero é a quarta causa de morte por tumores malignos no Brasil. Na Bahia, as mulheres com mais idade, menos escolaridade e em estágio já avançado da doença são as que começam mais tarde o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, 65% das pacientes baianas nesse grupo iniciam o combate ao câncer uterino mais de 60 dias após receber o diagnóstico, um prazo que descumpre a lei federal 12.732/2012. 

Os dados aparecem em um estudo da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), publicado na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As informações foram coletadas de 2007 a 2018, a partir do sistema de Registro Hospitalar de Câncer (RHC) da Bahia. No total, 9.184 mulheres do estado foram diagnosticadas com a doença em algum estágio no período compreendido pelo estudo, fazendo com que o estado tenha a segunda maior taxa de incidência desse tipo de câncer entre as mulheres: 12,51 novos casos por 100 mil pacientes. 

Segundo o estudo da Uneb, a doença, que também é chamada de câncer cervical, tem evolução lenta e acomete principalmente as pessoas com útero com mais de 25 anos. O agente de transmissão é o papilomavírus humano (HPV), uma infecção sexualmente transmissível. Apesar da lei de 2012 garantir ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no SUS em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico, o estudo mostra que 65,1% das pacientes começaram a cuidar da doença dois meses depois de descobrirem o problema. Desse total, houve aumento da chance de tratamento tardio em cerca de 30% das afetadas com idades acima de 45 anos, 24% entre as pacientes sem nenhum nível de escolaridade e aumento de 17% entre as que apresentavam o tumor em estágio avançado. 

“A lei é curta, tem cinco artigos e é muito específica, mas a saúde pública da Bahia não tem capacidade de fazer o que ela manda. As mulheres até conseguem o tratamento, mas num prazo superior ao que a lei assegura. A fila é grande, não tem médico disponível, são vários os motivos, mas o que acontece é que a lei não funciona na prática, só no papel”, destaca Betania Rodrigues, advogada especialista em direitos da saúde. 

Autora principal da pesquisa, a enfermeira Dândara Silva, doutoranda do programa de Biotecnologia e Medicina Investigativa da Fiocruz - Bahia e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Integrada em Saúde Coletiva da Uneb, destaca que os resultados do estudo revelam um dado triste e preocupante, demonstrando a fragilidade da rede assistencial. "As pacientes com tumor em estágio avançado deveriam acessar o tratamento com a maior brevidade possível, mas o estudo demonstrou que, ao contrário disso, estas mulheres acabam tendo mais chance de atraso”, ressalta. 

Segundo Dândara, no caso de mulheres com baixa escolaridade, os autores do estudo acreditam que o tratamento tardio aconteça por falta de instrução. "A gente supõe que as mulheres com menos escolaridade tenham a tendência a buscar menos intensamente os cuidados com a saúde, às vezes não entendem dimensão de doença e a urgência, então temos a barreira da educação como um dificultador do autocuidado", destaca. 

Já para mulheres no estágio avançado da doença, que demanda uma tecnologia maior para o tratamento, a doutoranda diz que existe poucas unidades de referência. Na Bahia toda são apenas nove. "Além disso, essa paciente com câncer mais avançado vai precisar se deslocar mais, já que ela não vai conseguir esse tratamento no interior, a oferta de vagas não supre a necessidade da demanda, temos número insuficiente de unidades especializadas para a demanda do tratamento em estágio avançado no interior onde essa mulher reside. Mas esses motivos para o tratamento tardio não foram comprovados, estamos com outro estudo em andamento para analisar isso", acrescenta. 

O que diz a Sesab?
Segundo a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o envio regular dos dados para o Integrador RHC é obrigatório para os hospitais habilitados na Atenção Especializada em Oncologia do SUS e, facultativo, para os hospitais não habilitados. Na Bahia, apenas as unidades habilitadas na Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, com atendimento via SUS, informam os dados do RHC, havendo ainda um atraso no envio dos dados ao SisRHC.  

A pasta acrescenta que o Hospital Estadual da Mulher tem “expressivo volume de atendimento à população feminina” desde que foi inaugurado, em 2017. “Desta forma, os dados referentes ao seu atendimento não foram computados no estudo [da Uneb], visto que a unidade tem um período para efetivar a implantação do RHC e, consequente enviar dados ao SisRHC”, diz a Sesab, em nota.

“Corroboramos o quanto descrito pelas pesquisadoras no estudo: ‘considera-se necessária a realização de novas pesquisas em períodos posteriores para avaliar a adequação da rede assistencial aos pacientes oncológicos e possíveis impactos no acesso ao primeiro tratamento após o diagnóstico do câncer’, visto a ampliação da rede de atendimento tanto na Média quanto na Alta Complexidade para diagnóstico e tratamento do câncer, entre os quais o do colo do útero, no Estado da Bahia desde 2017 até os dias atuais”, finaliza a nota. 

Sintomas e prevenção
Nas fases iniciais, o câncer cervical é completamente assintomático, diz a oncologista da Oncoclínicas Geila Ribeiro Nuñez. Por isso, acrescenta, há a importância de protocolos assistenciais de rastreamento. Porque, na maioria das vezes, quando os sintomas começam, o câncer já está em uma fase mais avançada. 

No entanto, caso os sintomas apareçam, a mulher vai começar a ter corrimento vaginal, muitas vezes de odor fétido, além de sangramentos anormais fora do período menstrual. Em fases ainda mais avançadas, a paciente pode ter dor pélvica. 

Geila Nuñez, que é especialista em tumores femininos e neuro-oncologia, enfatiza que o câncer de colo uterino é um dos mais evitáveis e preveníveis, já que os métodos de rastreamento, do ponto de vista populacional, não são custosos. Após o diagnóstico, o atraso no tratamento tem grandes efeitos negativos para a mulher. Nos casos mais avançados da doença, a paciente geralmente precisa passar por radioterapia e quimioterapia e pode perder o útero, além de diminuir as chances de cura. 

“Quando a doença é identificada ainda precocemente, o câncer pode ser tratado até mesmo só com a incisão, retirando parcialmente só o colo uterino. Se a gente tem lesões já invasivas, mas precoces, com menos de dois centímetros, a paciente é altamente curável, mais de 90% de chance de cura. Para fases mais avançadas, o indicado é o tratamento de quimioterapia junto com radioterapia, com 50% de chances de cura. E, em última instância, em casos muito graves, a chance de cura cai para 15% e a paciente é submetida somente a quimioterapia para controlar o câncer”, detalha a médica. 

Paciente fez cirurgia
Uma nutricionista de Salvador, de 39 anos, que preferiu não se identificar, optou pela retirada total do útero quando foi diagnosticada com o câncer cervical, em 2016. Ela recebeu o diagnóstico em novembro daquele ano e fez a cirurgia de retirada do órgão em fevereiro de 2017, mas foi acompanhada por uma equipe médica particular. “Eu realizei um exame de rotina no consultório, um preventivo, e a médica viu uma pequena mancha que não existia no exame anterior, que tinha feito há cerca de 6 meses. Eu tinha uma certa mania em fazer exames de rotina com mais frequência, acredito por ser da área de saúde”, relata. 

Após o exame, a médica encaminhou a nutricionista para uma consulta com um cirurgião oncológico, que marcou a realização de uma biópsia. “O resultado foi positivo para o câncer de colo de útero. Foi um período delicado, festas de final de ano, sempre amei a simbologia do Natal, reunir a família, mas nesse ano seria diferente, eu não sabia se a doença tinha cura, se iria partir, se deixaria minha família”, relembra. 

A soteropolitana realizou todos os exames e soube que o seu câncer só estava instalado em uma porção do útero. A partir daí, ela precisou escolher se tiraria todo o órgão, para eliminar chances de reincidência, mas precisando pensar se abriria mão do sonho de gerar uma criança. “Mesmo que eu optasse pela retirada parcial, seria muito difícil ficar grávida, pois meu corpo não teria estrutura para segurar o bebê quando a barriga crescesse. Optei pela retirada total do órgão, entendendo que vim nesse mundo com outra missão e que ser mãe também pode ser de coração e pretendo adotar uma criança no futuro”, revela. 

Sobre os sintomas, a nutricionista conta que não sentia nada antes do diagnóstico, não tinha sangramento, as relações sexuais ocorriam sem problemas, sem dor ou desconforto, e também não tinha corrimento. O pós-cirúrgico foi mais complicado, com mais de um mês de repouso e dores. Ela destaca que o que a fez conseguir passar por tudo isso foi ter uma rede de apoio familiar, uma religião para se apoiar e uma equipe médica competente. 

HPV
O HPV, vírus causador do câncer de colo do útero, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), é muito frequente e na maioria das vezes não causa a doença. Sua transmissão se dá por contato direto com a pele ou mucosa infectada, sendo a principal forma pela via sexual. O contágio com o HPV pode ocorrer mesmo na ausência de penetração vaginal ou anal. Inclusive, pode haver transmissão durante o parto. Não está comprovada a possibilidade de contaminação por meio de objetos, uso de vaso sanitário e piscina ou pelo compartilhamento de toalhas e roupas íntimas. 

Em alguns casos, o HPV causa alterações celulares que podem evoluir para o câncer cervical, mas essas mudanças são descobertas no exame preventivo, por isso a importância de uma vez testada positivamente para o vírus, realizar consultas com um médico ginecologista com uma frequência maior. 

Estudante de Publicidade de Feira de Santana [ela prefere não se identificar], 22 anos, conta que descobriu ter HPV em 2020 após sentir muita ardência, desconforto e sangramentos durante relações sexuais. Hoje, ela vai ao médico a cada três meses para realizar um check-up e evitar que o vírus cause o câncer cervical.

“Quando fiz os exames e deu positivo [para HPV] foi um momento muito triste na minha vida, porque você se sente mal e culpada. Passar pelo tratamento não foi fácil, é doloroso. Por mais que seja um vírus muito comum, é muito difícil de aceitar e lidar. Hoje, eu tenho muito mais cuidado e fico muito atenta para evitar qualquer perigo. Essas coisas podem acontecer e o importante é buscar tratamento, se cuidar e evitar algo ainda pior”, relata. 

Para realizar a consulta e o exame preventivo através do SUS, a interessada deve procurar a unidade de saúde de atenção básica do município mais próxima à sua residência para fazer o agendamento. Segundo a Sesab, caso a avaliação médica indique a necessidade de realização de uma consulta com especialista, a Secretaria Municipal de Saúde da cidade onde paciente mora é a responsável em marcar a consulta ou exame junto a um serviço oferecido no próprio município ou em uma outra cidade de referência para aquela especialidade.

Já a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS) afirma que nas unidades básicas da capital é possível agendar uma consulta com um ginecologista, sendo necessário apenas a apresentação do cartão SUS de Salvador e um documento com foto oficial. Nessas próprias unidades também é possível ter acesso à vacina contra o HPV para o público-alvo. “Todas as unidades oferecem o agendamento, daí encaminhamos para outras unidades, caso necessário”, conclui a pasta. 

Fonte: Correio

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