[MATÉRIA] SUS funciona bem se considerarmos o orçamento com que trabalha, dizem especialistas

Reforma tributária e déficit de investimentos do governo federal, essas são duas das questões que mais preocupam os especialistas da área da saúde no Brasil. O sistema tributário pouco equitativo e desigual é apontado por eles como sendo um dos ícones da desigualdade no país, desigualdade esta que determina que aqueles que têm menos contribuam relativamente mais para o sustento da máquina pública. Em relação ao déficit de investimentos na saúde, eles são unânimes em afirmar: levando em conta o orçamento que tem, o SUS não funciona mal.

Segundo estudo realizado pelo especialista em saúde pública Dr. Gilson Carvalho, os municípios brasileiros estão gastando 30% mais do que o mínimo obrigatório na área da saúde. Tal distorção ocorre porque os estados e a união estão investindo menos do que deveriam no setor. Os dados do Sistema de Informações sobre Orçamento Público em Saúde (SIOPS) confirmam os dados do especialista. Segundo o SIOPS, no início desta década, o gasto federal com a saúde era de 59,74%, hoje é de apenas 45,67%. Enquanto isso, a participação dos municípios neste custo aumentou de 21,73% em 2000, para 27,56% em 2009. "O grande problema desta conta é que, dos recursos arrecadados, 60% fica com a União e apenas 16% é repassado aos municípios”, completa Gilson.

Para a professora da Fiocruz, Maria Alice Ungá, as aberrações não acontecem apenas no nível dos governos, mas também do cidadão comum. Segundo ela, os 10% mais pobres da população, que detém juntos 1% da renda nacional, sustentam, por meio de impostos, cerca de 1,3% do SUS. Enquanto isso, os 10% mais ricos, que juntos detém 46% da renda nacional, contribuem apenas com cerca de 40% do custo total do SUS. "Graças a um sistema fiscal baseado em tributos regressivos, os mais pobres são aqueles que mais pagam, proporcionalmente, pelo que é público”, afirmou ela.

Os tributos regressivos são cobrados independentemente da renda do indivíduo. Um exemplo de tributo regressivo é aquele que é embutido nos produtos consumidos por todos. "Proporcionalmente, quem paga mais impostos pelo feijão é o mais pobre, por isso chamamos esses impostos de regressivos”, explica a economista da Fiocruz. Em oposição, os impostos progressivos são aqueles que levam em consideração a renda do indivíduo, ou seja, quem ganha mais, paga mais. São exemplos de impostos progressivos o imposto de renda – embora, na opinião da professora, existam ainda, no imposto brasileiro, poucas faixas de renda –, e a extinta CPMF, que incidia sobre as movimentações bancárias.

Segundo a professora, considerando que os tributos mais injustos são aqueles que estão embutidos nos produtos, os mais pobres pagariam ainda mais para ter acesso à saúde como um todo, já que pagariam proporcionalmente mais pelos medicamentos também.
 
Qual é o modelo de saúde que queremos?

A contradição entre o modelo de saúde formalmente escolhido pela população brasileira em sua constituição e aquele que de fato estaria sendo construído por essa mesma sociedade concretamente é outro ponto para o qual todos os especialistas chamaram atenção. O modelo universal, previsto constitucionalmente e representado pelo SUS, na prática, acabou relegado. A lógica vencedora foi aquela que elegeu os planos de saúde como a melhor solução para o acesso.

"A população mais abastada não hesita em contratar planos de saúde, porém, se a classe média estivesse no SUS, tenho certeza de que ele seria diferente, essa é uma questão na qual todos nós devemos pensar”, diz a economista Rosa Maria Marques, professora titular do departamento de Economia da PUC-SP. Para ela, se a sociedade brasileira realmente quiser um SUS forte, deverá agir de forma mais radical, mexer no sistema tributário e abrir mão de alguns benefícios, tais como abatimentos no imposto de renda.

"Hoje, quem opta por planos privados de saúde, na hora de pagar o imposto de renda, recebe isenção, será que isso está certo? Será que é o governo quem deve pagar pelos planos de saúde?”, questionou ela. 
 
A contradição do SUS

Hoje, o SUS possui aproximadamente 0,9 mamógrafos por 100 mil habitantes, enquanto a rede privada tem 4,5. No que diz respeito a aparelhos de ultrassonografia, a relação é ainda mais aberrante, o SUS possui 3,9 aparelhos para cada 100 mil habitantes e a rede privada, 20,1. 
"Quem pode pagar por convênios, faz os exames preliminares na rede privada e, muitas vezes, acaba fazendo a parte mais cara do tratamento pelo SUS. Enquanto isso, o sujeito de menor renda não consegue nem marcar o exame”, afirma Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia.

A taxa de utilização do sistema de saúde pela população que tem planos privados é, em média, duas vezes maior do que a mesma taxa para aqueles que dependem do SUS. "Isso demonstra que a questão do acesso faz a diferença. A população que tem planos de saúde não é mais doente, ela apenas tem mais meios de chegar até os especialistas”, afirma a professora doutora da FIOCRUZ Silvia Marta Porto.

Silvia aponta dados que mostram desigualdades dentro do próprio SUS. Segundo ela, os 10% mais ricos são os que mais usam o SUS para procedimentos cirúrgicos complexos, geralmente não cobertos pelos planos de saúde. "Os 10% mais ricos usam três vezes mais o SUS do que os 10% mais pobres no caso de procedimentos complexos. Isso acontece porque os mais pobres não conseguem nem chegar a este patamar do tratamento da doença, eles são barrados já nos primeiros cuidados”, afirmou ela.

Para Gilson Carvalho, o que é feito com o montante destinado ao SUS é "milagroso”. Segundo ele, os gastos públicos no setor chegam a R$ 127 bilhões por ano. Nos países desenvolvidos, esse montante é de, em média, R$ 679 bilhões. "E a maior distorção é que aqui, grande parte desse dinheiro é gasto com procedimentos complexos, quando mais dinheiro deveria ser investido na prevenção e nos primeiros cuidados”.
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