A relação de confiança e proximidade entre o paciente oncológico e o seu médico é um aspecto preponderante no tratamento do câncer, e a sua construção requer reflexão, disposição e disponibilidade, tanto da pessoa que passa pela doença quanto do profissional que a atende.
Modular essa relação não é fácil, muito pelo contrário. Além da carência de médicos, principalmente em hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS), que resulta em consultas brevíssimas e que geralmente não permitem ao paciente ser acompanhado sempre pelo mesmo profissional, há diversas questões culturais, sociais, religiosas e psíquicas que interferem nessa construção.
De um lado da mesa está o paciente em sua batalha pela cura, trazendo consigo uma série de expectativas. Quer ser ‘olhado’ com a exclusividade que a sua vida merece, ter tempo irrestrito para eliminar as suas dúvidas e seus medos, dialogar sobre questões que vão além das práticas do tratamento.
Quer ser acolhido.
Do outro lado da mesa está o médico oncologista, com o desafio de escolher os protocolos clínicos que determinam as formas de tratamento, se ajustar à estrutura oferecida pela instituição onde atua e as inúmeras expectativas apontadas pelo paciente. Traçando-se o recorte do tratamento promovido pelo SUS e por muitos planos de saúde brasileiros, tais profissionais lidam ainda com a escassez de tempo para olhar para seu paciente integralmente.
O fato é que a prática médica é um ato humano. O ‘tratador’ e o ‘tratado’ relacionam-se a partir de experiências pessoais, além das bases técnicas da medicina. Assim sendo, não necessariamente haverá empatia entre médico e paciente. O que deve haver é o olhar atento de ambos para a construção de uma relação de confiabilidade e a ciência do paciente ao fato de que tem o direito de ouvir uma segunda opinião médica, não se sentindo confortável com o profissional que lhe atende.
Construindo a relação de confiança
Para o diretor científico do Instituto Oncoguia e oncologista clínico, Rafael Kaliks, alguns aspectos são determinantes para a construção da relação de confiança entre médico e paciente, e a troca de informações é o primeiro. Porém, no seu entendimento, isso nem sempre ocorre na prática da medicina brasileira.
"A conduta do oncologista muitas vezes depende da compreensão por parte do paciente das implicações positivas e negativas do tratamento. Para tal, deve ocorrer o compartilhamento de informações sobre o tratamento. Entre pacientes latinos não é raro que estes não queiram ter todas as informações, preferindo apenas que o médico diga o que será feito, sem maiores detalhes. Já pacientes anglo-saxões querem saber detalhes, estatísticas. Entendo que quanto mais informações o paciente tiver, melhor, pois isso permite a tomada de decisões com elementos mais palpáveis”.
A paciente de câncer de mama Cristiane Sardinha Chagas, 33, do Rio de Janeiro, sempre foi muito questionadora a respeito do tratamento. É certa de que quanto mais informada está, mais apta sente-se para enfrentar a batalha contra a doença. Tratando-se em hospital público no Rio de Janeiro, ela foi surpreendida por sua oncologista certo dia. "Sempre fiz muitas perguntas e um dia ela me disse: porque você quer saber isso? Essa informação não mudará nada em seu tratamento”.
Sentindo-se desrespeitada, se dirigiu à ouvidoria do hospital e exigiu ser atendida por outro médico.
Sua
requisição foi atendida pela instituição.
Informando de forma simples - Meire Campello de Souza, 45, de São Paulo, está tratando o câncer. Para ela, atenção do médico é sinônimo de sua habilidade em dar informações de forma simples, irrestrita e clara. "Um médico acolhedor é aquele que explica de forma simples o que está acontecendo com a gente. O porquê da prescrição de determinado medicamento, da queda de cabelo, as reações adversas que possivelmente surgirão, etc. Quando o médico não faz isso nos deixa ainda mais angustiados com a doença e nos leva a buscar informações com terceiros que, possivelmente, não são as mais adequadas”. Meire, que se trata em hospital público, diz que seu oncologista "é maravilhoso”. Ela afirma que o médico "tem sentimentos”, preocupa-se com seu estado físico e emocional. Olha para ela com respeito e carinho. |
Marlene Lucia da Silva, 57, de São Paulo é paciente com câncer de mama e também já trocou de médico. Ela relata que se sentiu desrespeitada por seu mastologista em inúmeros atrasos nas consultas. "Primeiro aguardei por ele por mais de 40 minutos; depois me atrasei por 5 minutos e ele não me esperou”.
Ela lembra que fez uma reclamação na ouvidoria do plano de saúde e, na consulta posterior, o médico deixou-a esperando novamente, por horas. "Fui a primeira a chegar e a última a ser atendida. Quando entrei no consultório comentei com ele (...) o senhor me fez esperar, pois reclamei de você, não é?”.
Apesar do contratempo com o mastologista e a consequente troca de profissional, Marlene sente-se muito confortável com sua oncologista e a equipe multiprofissional. Ao falar de sua médica, a paciente ‘muda’ o tom de voz. Diz, emocionada, que a oncologista sempre se preocupou com ela:
"Ela me deu o número do celular. Já liguei por diversas vezes e tirei dúvidas. Quando tive problemas no tratamento ela se preocupou. Senti isso em sua voz, e isso me deixou muito confortável”.
Infelizmente, não são todos os médicos que passam seus contatos aos pacientes. Isso acontece, com mais frequência, entre aqueles que se tratam em clínicas particulares e em determinados planos de saúde mais sofisticados.
Para Dr. Kaliks, muito mais lastimável que o paciente não ter o telefone de seu oncologista é o fato de que, no Sistema Único de Saúde e em alguns convênios médicos mais simples, ele não é acompanhado por um mesmo profissional durante todo o curso do tratamento. No contexto da saúde pública brasileira, é muito comum ouvir que "o paciente é do Hospital das Clínicas”, atestando a impessoalidade do tratamento e do cuidado médico.
Meire
enfrentou tal problema com seu mastologista. A cada vez que ia ao hospital para
a consulta deparava-se com um profissional diferente. Isso gerava insegurança.
"Eu pensava (...) será que ele conhece o meu caso? Será que o médico
que me atendeu anteriormente passou as informações para ele?”, lembra.
Para se construir um novo modelo
Para Dr. Kaliks, o que lamentavelmente se pratica em muitas das residências médicas hoje é a utilização do paciente como meio de aprendizagem e estudo, sem dar ao paciente uma atenção personalizada em troca. "O residente acaba aprendendo, ao seguir o exemplo do que é praticado à sua volta, que medicina não significa assumir responsabilidade por aquele paciente, mas sim prescrever tratamentos com base em informações técnicas, deixando de lado a responsabilização sobre o que de fato ocorrerá com este doente”.
Porém, na outra ponta, o paciente é também fundamental neste processo de partida para uma medicina mais humana. Ao cobrar atendimento mais digno e acolhedor, questionar sempre que tiver dúvidas, relatando efeitos adversos do tratamento, ele estará exigindo uma mudança de postura do seu médico.
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