[MATÉRIA] O desafio da redução das mortes por câncer de colo de útero no Brasil

A queda da mortalidade por câncer de colo do útero no Brasil será possível desde que estratégias de rastreamento contundentes atreladas ao tratamento temporal dos casos diagnosticados, considerando-se as características socioeconômicas de cada região do país, sejam de fato implementadas.

O desafio é grande. Passa pela garantia de acesso irrestrito ao exame de citologia oncótica (Papanicolau) e ao estabelecimento de estratégias de educação e sensibilização das mulheres sobre a importância da adesão ao exame com a frequência determinada pelo profissional da saúde; pela padronização metodológica em coleta e análise e a necessidade de capacitação de profissionais que realizam o exame, para a consequente acuidade dos resultados, e da implantação de mecanismo de busca ativa às pacientes com exames alterados em algumas regiões do país.

Tudo isso sem contar na estratégia adicional, que terá repercussão apenas após uma década, e que consiste na incorporação da vacina do HPV no Sistema Único de Saúde (SUS), que tudo indica está próxima.

Rastreamento

Estratégias de rastreamento eficientes realizadas em diversos países do mundo refletiram em redução expressiva na mortalidade por câncer de colo do útero em países da Europa, nos Estados Unidos e Canadá, por exemplo. No Canadá, onde o rastreamento teve início na década de 50, observou-se uma redução na mortalidade de mais de 80% a 90%, disse ao Portal Oncoguia o Dr. Luís Souhami, professor do Departamento de Oncologia na Divisão de Radioterapia da MacGill University (Montreal).

Leia a entrevista com Dr. Souhami na íntegra

No Brasil, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo do Útero em 1998. Na primeira fase foram adotadas estratégias de estruturação da rede assistencial e criado um sistema de informações para o monitoramento das ações, o SISCOLO, além de mecanismos para a mobilização e captação de mulheres, assim como definição de competências nos três níveis de governo (INCA).

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff declarou a priorização do controle do câncer de colo do útero, com o lançamento do plano nacional de fortalecimento da rede de prevenção, diagnóstico e tratamento da neoplasia. O Plano prevê investimentos técnico e financeiro para a intensificação das ações de controle nos estados e municípios.

O Instituto Nacional do Câncer registra que entre 1995 (três anos antes da criação do Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo de Útero) e 1999, a taxa de mortalidade por câncer de colo de útero no país teve média de 5,01 para cada 100 mil mulheres (Atlas de Mortalidade por Câncer no Brasil, INCA; 2001), por outro lado em uma nova publicação de 2011 o INCA mostra redução na mortalidade pela neoplasia no período compreendido entre 1990 e 2007, com a queda de mortalidade de 5,0 para cada 100 mil, para cerca de 4.7 para cada 100 mil mulheres (Vide gráfico abaixo).

(Panorama da Evolução dos Indicadores do Programa de Controle do Câncer de Colo do Útero, INCA; 2011)

Embora com pequena redução na taxa de mortalidade, o Brasil está avançando. De acordo com Indicadores e Dados Básicos (IDB) de 2006, do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade específica do câncer cervical no período entre 1990 e 2004, mostrou tendência de queda em 16 das 27 capitais do país. Presume-se, com isso, que o acesso a exames de Papanicolaou vem se ampliando.

Mas afinal, o que é o Papanicolaou?

Dra. Angélica Nogueira Rodrigues, doutoranda em oncologia pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), Oncologista da Pesquisa Clínica do INCA (foco de atuação em câncer ginecológico e desenvolvimento de drogas) e membro da SBOC, explica ao Portal Oncoguia o que é o exame do Papanicolaou.

"Seu nome traz a identidade de seu idealizador, o médico grego Geórgios Papanicolaou (1883-1962), considerado o pai da citopatologia. Para a coleta do material, é introduzido um espéculo vaginal e procede-se à descamação ou esfoliação da superfície externa e interna do colo por meio de uma espátula de madeira e de uma escovinha endocervical. Após a coleta faz-se ao preparo e fixação do esfregaço.

As lâminas, adequadamente identificadas e acondicionadas, são posteriormente encaminhadas ao laboratório de referênciapara a análise do patologista ao microscópio. O exame deve ser realizado em todas as mulheres com vida sexual ativa ou não, pelo menos uma vez ao ano.

Após três exames anuais consecutivos normais, o teste de Papanicolaou pode ser realizado com menor frequência, podendo ser, em mulheres de baixo risco, até a cada três anos, de acordo com a análise do médico, porém, mulheres com pelo menos um fator de risco para câncer do colo uterino devem continuar se submetendo ao exame anual. Cabe ressaltar que a faixa etária do teste de Papanicolaou, anteriormente fixada entre 25 e 59 anos, foi recentemente estendida até 64 anos pelo Ministério da Saúde. Em consequência, a rede de atenção básica deverá se programar para a realização de um número maior de exames.

O exame citológico é simples, normalmente indolor e é oferecido gratuitamente pelo sistema público de saúde brasileiro em qualquer unidade básica de saúde”.

Qualidade dos exames

Para a Dra. Angélica Nogueira Rodrigues, a qualidade dos exames coletados no Brasil é "ainda insuficiente com relação à padronização metodológica em coleta e análise”.

Como forma de garantir a qualidade do exame, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), determinou que a coleta do material deva ser executada somente por enfermeiros, e não mais por técnicos e auxiliares de enfermagem, como acontece hoje em hospitais e clínicas do país.

A resolução n° 3881/2011 entra em vigor em meados de 2012.

O SINDHOSP (Sindicato dos Hospitais Clínicas e Laboratórios de São Paulo), embora concordar com a resolução, preocupa-se com a possibilidade do acesso aos exames ser reduzido nos hospitais brasileiros, após a entrada em vigor. Para a Dra. Eriete Ramos Dias Teixeira, Superintendente Jurídica do SINDHOSP, mais importante que restringir a coleta do material aos enfermeiros, seria capacitar os profissionais que realizam o exame hoje. "Não há uma capacitação frequente, perene. Acredito que deveria haver um convênio para habilitar as pessoas que realizam o exame hoje. Como não há, por prudência recomendamos a coleta por enfermeiros”, afirma.

A porta-voz do COFEN, a Conselheira Federal (2° Secretária), Dra. Irene Ferreira, afirma que a resolução não implicará em redução no acesso, pois hoje o exame do Papanicolaou já é colhido por enfermeiros na grande maioria dos estados brasileiros. "Haverá necessidade de investimentos para a contratação de profissionais habilitados, mas será pouco, pois apenas em algumas cidades brasileiras a coleta já é feita por enfermeiros”, garante. Ela acrescenta que na maioria dos Estados, a coleta do exame do Papanicolaou está no rol de atividades dos enfermeiros do Programa Saúde da Família.

Em 2010, segundo dados do SISCOLO, o maior índice de amostras rejeitadas do exame de Papanicolaou foi registrado na Bahia, com 0,60% das amostras. O Paraná apresentou menor índice, com 0,1%. Lâminas rejeitadas representam aquelas descartadas ao chegar ao laboratório, por falta de condições de processamento para leitura e diagnóstico. Ao todo, 10.895 amostras foram rejeitadas em todo o país naquele ano.

Dra. Angélica é categórica. Para ela, mais problemática que a baixa qualidade dos exames por profissionais não capacitados, que pode ser responsável por casos esporádicos do câncer de colo de útero, "são a baixa adesão à regularidade necessária à prevenção por aspectos culturais e por distribuição errática do teste nas várias regiões do país”, diz a médica.

O exame do Papanicolaou, embora com grande probabilidade de apresentar resultados corretos também incorre em falsos negativos, e em cerca de 20% a 30% dos casos não detecta lesões. Com isso, diz Dra. Angélica, a maneira mais segura para a paciente evitar falsos negativos é a adesão à prevenção de maneira regular. "A repetição dos exames diminui a chance de erros”, afirma.

Acesso e adesão

A maior oferta de exames de Papanicolaou está concentrada nas grandes cidades do Sul e Sudeste do País, regiões onde também se observa o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e Renda per Capita. Além de serem as menores regiões do Brasil, facilitando a distribuição igualitária de serviços médicos, é no sul e sudeste brasileiro onde se alocam 76% das fundações privadas e associações sem fins lucrativos brasileiras (Perfil das Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos – IBGE 2010), o que corrobora com a maior difusão de mensagens e projetos de conscientização.

A contrapartida são vastas regiões territoriais com baixa densidade demográfica e pouquíssima disponibilidade de serviços em saúde, o que dificulta o acesso e a adesão periódica de mulheres ao exame e a promoção de programas de busca ativa às pacientes com testes alterados.

Em 2011, enquanto 20% das mulheres de Minas Gerais, 18% das mulheres do Rio Grande do Sul e 16% das mulheres de São Paulo (com idades entre 25 e 59 anos) realizaram o exame do Papanicolaou, a média de adesão no Maranhão e Pará, no Nordeste e Norte do Brasil, foi de 7% das mulheres. No mesmo ano, enquanto Minas Gerais registrou 62,29% de citologia anterior (mulheres que já haviam realizado o exame anteriormente), no Pará a média foi de 51, 46% das mulheres.

O câncer de colo de útero leva 300 mil mulheres a óbito em todo o mundo, anualmente. A projeção é que o número de mortes seja de 400 mil no ano de 2030. A redução da mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil depende do bom funcionamento de um complexo sistema, em que o País trabalhe em sinergia com os Estados e Municípios brasileiros para intervir de forma ‘certeira’ em cada uma das realidades regionais. A priorização dos mecanismos de controle da doença pela Presidente Dilma Rousseff, em 2011, é um sinal importante da intensificação das ações já definidas. Espera-se que em futuro próximo números mais ‘animadores’ possam ser encontrados.
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