Laudo estruturado oncológico busca trazer assertividade na subjetividade

Está para nascer o Laudo Estruturado e Léxico em Radiologia Oncológica (LELEX), uma nova iniciativa conjunta da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (SPR), do Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSK) e Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Seu objetivo é endereçar desafios que médicos e pacientes possam ter com laudos radiológicos no contexto oncológico. Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, faz parte do Comitê de Desenvolvimento do projeto.

Para explicar de onde surgiu essa iniciativa, seu status, próximos passos e benefícios que trará aos diversos públicos envolvidos com o paciente oncológico, conversamos com a Dra. Natally Horvat, Radiologista Abdominal do Departamento de Radiologia do Memorial Sloan Kettering Cancer Center (MSKCC), Professora Assistente da Weill Cornell Medicine e Professora Visitante da Universidade de São Paulo.

Qual a origem desse projeto no Brasil?

O projeto começou com a Prof. Dr. Hedvig Hricak, uma das radiologistas mais importantes em imagem oncológica e grande defensora da disseminação de conhecimento. Dr. Hricak, Dr. David Panicek e o Dr. Richard Do lideraram há mais de 10 anos uma iniciativa de léxico e laudo estruturado nos relatórios oncológicos do MSKCC. Desde então todos os laudos oncológicos no hospital apresentam forma padronizada de descrição clara e objetiva entre pacientes e médicos de toda equipe multidisciplinar envolvida no tratamento do paciente oncológico.

MSKCC lidera diversos projetos direcionados a mitigar disparidades globais do câncer na América Latina, principalmente no Brasil, que está nas prioridades da instituição para os próximos anos juntamente com a Dra. Hricak, que recentemente liderou um trabalho publicado no Lancet Oncology – Medical imaging and nuclear medicine: a Lancet Oncology Commission – para avaliar a distribuição de equipamentos radiológicos e profissionais em todo o mundo, e o Brasil teve uma posição de destaque dentro do cenário mundial radiológico. Tendo em vista a reconhecida excelência na formação dos radiologistas brasileiros, foi sugerido que focássemos em estratégias para melhorar a clareza dos laudos radiológicos e consequentemente a comunicação entre todos os envolvidos no atendimento oncológico, desde o medico solicitante até o paciente e familiares.

Prof. Dr. Cesar Nomura e a Sociedade Paulista de Radiologia imediatamente aceitaram o convite de liderar essa iniciativa juntamente com o MSKCC e, após convite, a SBOC também aceitou participar, o que foi um reforço importante dentro da oncologia, uma das especialidades mais envolvidas na leitura dos laudos radiológicos durante o acompanhamento oncológico dos pacientes. Sendo assim, um comitê executivo foi montado pelos Dr. Cesar Nomura (chair) líder e representante da SPR, Dr. Paulo Hoff oncologista (vice chair) representando a SBOC, Dra. Hricak (vice chair) representando a radiologia, e demais membros – Natally Horvat, radiologista, Fabio Moraes, radioterapeuta, Prof. Dr. Giovanni Cerri, radiologista, e Dr. Carlos Buchpiguel, médico nuclear.

Foi então que o LELEX surgiu da abreviação “Laudo Estruturado e Léxico”. O LELEX visa: (a) melhorar a clareza dos relatórios de radiologia em oncologia; (b) simplificar e otimizar o fluxo de trabalho do radiologista; (c) promover a continuidade e consistência dos laudos radiológicos ao longo da jornada do paciente; (d) fornecer educação em imagem oncológica por meio de treinamento colaborativo e esforços de pesquisa; (e) orientar os radiologistas a fornecer relatórios clinicamente relevantes; (f) aumentar o valor e o reconhecimento dos laudos radiológicos.

O passo inicial foi convidar radiologistas de diversas áreas, oncologistas, cirurgiões e representante dos pacientes para fazerem parte do comitê de desenvolvimento. Os membros do comitê executivo convidaram um grupo seleto de profissionais que lidam com pacientes oncológicos visando obter as vivencias e expertise de cada um para que o LELEX traduza as dificuldades diárias enfrentadas no contexto oncológico.

Após finalizarmos o comitê, adaptamos para a realidade brasileira o léxico e laudo estruturado utilizado no MSKCC há mais de 10 anos e publicado em grandes revistas de radiologia. A sessão do léxico do LELEX é dividida em: léxico de certeza, com objetivo de estimar a probabilidade de um diagnóstico; léxico de número de lesões,  para prover o número estimado de lesão por órgão; padronização de comparação entre exames e padronização de mensuração das lesões. O laudo estruturado de tórax, abdome e pelve é dividido em dados clínicos, técnica, dose de radiação, comparação/correlação, achados e impressão. Na parte final do laudo estruturado, o glossário de certeza e de número foi adicionado para facilitar implementação.

Apesar de o laudo radiológico continuar sendo predominantemente subjetivo, o intuito do LELEX é prover um laudo assertivo e claro para melhorar a comunicação entre as equipes, paciente, rede de apoio e saúde publica como um todo. Um problema enfrentado no dia a dia é a solicitação de exames subsequentes após um resultado pouco preciso, que pode ser muitas vezes desnecessário, apenas por falta de comunicação clara no relatório.

Além disso, se os dados estão organizados de forma padronizada, a coleta de informação também é facilitada. E isso tem um potencial impacto em pesquisa de saúde publica e comportamento tumoral.

No MSKCC, esse trabalho de léxico e laudo estruturado começou há mais de 10 anos; com a experiência adquirida, o grupo antecipa que teremos barreiras, afinal, ninguém gosta de mudança, mas acreditamos que a adaptação é factível com treinamento, dados científicos, treinamento dos mais jovens e, com a repetição, o processo torna-se mais rápido e eficiente, inclusive para os radiologistas realizando o relatório radiológico.

Qual o status do trabalho dessa equipe?

Montamos um comitê executivo e um de desenvolvimento. Fizemos um levantamento dentro desse comitê para confirmar as dificuldades enfrentadas no dia a dia pelos experts no assunto. E confirmamos que, mesmo entre médicos dos maiores centros oncológicos de São Paulo, a falta de precisão e padronização dos laudos radiológicos é um problema real. O LELEX oncológico de tórax, abdome e pelve foi padronizado e vamos apresentar na JPR 2023. Na sequência, vamos publicar o resultado do levantamento e a proposta de laudo estruturado e léxico para que possa ser adotado por radiologistas.

Após a JPR, o objetivo será expandir para outras áreas da radiologia e iniciar treinamentos em hospitais públicos oncológicos de São Paulo para aumentar a familiaridade dos radiologistas ao LELEX e ouvir as sugestões para aprimoramentos futuros. Também faremos trabalhos científicos comparando clareza e impacto de laudos estruturados e não estruturados entre médicos e pacientes, além do número de exames adicionais solicitados com e sem o uso do LELEX.

Após consolidação do LELEX, os próximos passos seriam expansão para as demais subespecialidades da radiologia, criar laudos estruturados para contextos específicos (por exemplo, câncer de reto) e expandir para outros centros oncológicos do Brasil. A adesão de outras sociedades médicas e de representação de paciente também está dentre os próximos passos, para que a linguagem radiológica seja de fácil acesso para todos os envolvidos no atendimento do paciente oncológico.

Vocês estão propondo uma mudança significativa em uma rotina; como esperam que seja a aceitação disso?

Quando eu estava na residência, me incomodava muito o desequilíbrio entre os avanços tecnológicos e a maneira como estávamos laudando, sendo a mesma durante anos. E quando falamos de medicina personalizada, acreditamos que a forma de comunicação dos achados também precisa ser personalizada. Um paciente com cálculo renal não pode ter um mesmo laudo de um paciente em seguimento de neoplasia renal, por exemplo.

Mudanças são usualmente difíceis, e eu posso dizer por experiência própria. Quando comecei a laudar no MSKCC usando o léxico e o laudo estruturado, demorei alguns dias para lembrar exatamente o significado de cada palavra. E sabendo disso, todos os computadores têm um pequeno glossário fixado na tela. Essas formas rápidas e suscintas de comunicação facilitaram muito minha adaptação.

Como mencionei anteriormente, é esperado que a adaptação seja lenta no início, mas à medida que a equipe for usando, que o grupo multidisciplinar for se acostumando com o novo formato e que as lideranças estimularem treinamento e infraestrutura interna, é esperado que o uso aumente.

Inclusive, estudos anteriores mostraram que a aceitação do radiologista tende a ser menor do que a dos oncologistas, cirurgiões e pacientes. De forma geral, os radiologistas temem a perda da autonomia de descrição e temem expor suas opiniões sobre os achados de imagem. Claro que, algumas vezes, a imagem isoladamente não consegue esclarecer o diagnóstico final, mas na medida do possível, quanto mais o laudo puder fornecer informações clinicamente relevantes para o paciente, melhor para todos e maior o valor agregado do radiologista no cuidado do paciente.

Quais os impactos que um trabalho desses pode oferecer?

Costumo dizer que a gente tem que perder menos tempo laudando e mais tempo avaliando o paciente, a imagem e os dados clínicos.

Este ano, a Dra. Hricak publicou o artigo Radiology 2040 na Radiology, olhando para a especialidade no futuro, e ela aborda a importância da questão multidisciplinar, de nós nos fazermos presentes, porque se você não aparece, é muito fácil ser substituído, mas se você se mostra presente e se importa com o paciente, é muito mais difícil ser substituído. Então, esse laudo estruturado, além de melhorar a comunicação, vai otimizar o nosso tempo e permitir que a gente use esse tempo para ficar próximo do paciente e da equipe multidisciplinar.

Outro impacto em longo prazo, que tem a ver com inteligência artificial, Chat GPT, é que, se tenho o laudo estruturado, é muito mais fácil coletar informações retrospectivas, no que chamamos de “natural language process”. No MSK, mais de 10 mil pacientes com laudo estruturado e léxico foram coletados. O Dr. Richard Gian Do e equipe construíram modelos de predição de risco de metástase só levando em conta os laudos que foram usados; com tudo padronizado, ele conseguiu agrupar um enorme número de dados e conseguiu montar modelos preditores. Então, em longo prazo, ter os laudos estruturados facilita também a parte de coleta de dados para artigos científicos e condução de dados de saúde publica.

Existe uma epidemia de câncer no Brasil e no mundo, e é amplamente reconhecido que exames radiológicos são fundamentais em diversas etapas do tratamento do paciente oncológico. Para evitar adicionar ansiedade aos pacientes que já estão lidando com outras questões difíceis e reduzir potenciais erros no manejo clínico, é crucial que haja uma comunicação clara e efetiva entre os membros da equipe multidisciplinar e os pacientes. Além disso, uma comunicação transparente pode otimizar o fluxo de trabalho do radiologista e integrá-lo às decisões do grupo. Esses são os objetivos do LELEX.

Estamos cientes de que o LELEX é apenas o começo de uma jornada integrada com uma equipe multidisciplinar e os pacientes, na busca por fornecer a cada paciente um laudo preciso e claro. Acreditamos que, com a colaboração de todos os envolvidos, podemos enfrentar os desafios da oncologia com confiança e compaixão, valorizando cada vez mais a importância da radiologia na tomada de decisões e na melhoria contínua da qualidade do atendimento.

Fonte: SPR Notícias

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