Após ter duas negativas do banco, Adriana Silva solicitou posicionamento formal para poder acionar a Justiça; caso foi resolvido no dia seguinte.
A dona de casa Adriana Mattos da Silva, 44 anos, passou por
uma saga para tentar sacar, pela terceira vez, o FGTS (Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço) do marido. Primeiro, foi questionado o laudo do médico, no
qual está a informação de que, apesar de ter câncer de bexiga, ela não
apresenta sintomas. Depois, o motivo dado para a negativa foi o timbre do especialista
no papel com as informações sobre a doença. Quando ela pediu à atendente da
Caixa Econômica Federal uma resposta por escrito, viu seu pedido ser liberado
em menos de 24 horas.
Leia, a seguir, o depoimento.
*
"Há dois anos, tive câncer de bexiga. Passei por duas
operações. Na ocasião, o médico falou que eu tinha tido muita sorte. Por muito
pouco não precisei tirá-la inteira. Também fiz Onco BCG [imunoterapia intravesical
com Bacilo de Calmette-Guérin]. Ainda estou em tratamento e tenho muitas dores
nas pernas por causa dos remédios.
Fiz dois saques do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço] do meu marido. No terceiro, juntei os documentos, pedi a carta ao médico,
informando que estou em tratamento de câncer. Ele preencheu tudo e escreveu que
ainda estou em tratamento, mas que a doença é assintomática.
A Caixa [Econômica Federal, banco em que é possível fazer o
saque] devolveu meu pedido. No papel, tinha
uma seta feita à tinta por um atendente indicando a área em que o médico havia
assinalado que o câncer era assintomático.
Fui novamente ao hospital em que faço tratamento – levo uma
hora e meia para chegar até lá. Pedi uma nova carta. Mas o médico não fez outra,
dizendo que a explicação que eu havia obtido não fazia o menor sentido.
Eu evito muita coisa, estava cansada de ir ao hospital. Mas
marquei outra consulta, com muito custo, para falar pessoalmente com o médico. Disse:
‘Eu preciso muito. Preciso mesmo’. E a recepcionista deu um jeito de marcar a
consulta para mim.
Expliquei para o médico o que havia acontecido. Ele era novo
na equipe: viu meu histórico e redigiu uma nova carta. Carimbou e assinou. No
timbre do papel, o nome era o do médico-chefe.
Liguei no Oncoguia. Eu já conhecia o instituto desde que
havia recebido o diagnóstico, porque fui ler os sintomas e o tratamento no
site. Também tinha ligado quando tive problemas para conseguir o Onco BCG e
consegui números de telefone para obter o remédio. Toda vez que tenho algo,
ligo, porque pode ser útil para outras pessoas. Me disseram que não havia
problema em relação ao timbre.
Levei a nova carta à Caixa e me telefonaram. Disseram que
não aceitariam uma com timbre de outro médico – ainda que ele fosse o chefe e
que a assinatura e o carimbo fossem de uma pessoa da equipe. Eu falei: "Quero
que você me dê um documento dizendo por que não quer liberar o dinheiro”.
Posso tentar sacar o fundo em outra agência. Mas, para quê,
se esta é na esquina de casa? Tenho duas filhas – uma de 8 anos e outra de 12 –,
que têm que ficar com os outros enquanto resolvo isso.
No dia seguinte, às 10h30, liguei para a atendente dizendo
que iria buscar a justificativa por escrito do banco. Tinha que ter isso para
entrar na Justiça. Ela falou: ‘Não precisa. Deu tudo certo’.
Se o pessoal do banco pode ligar para o hospital e confirmar
a história, por que não faz isso? Por que não libera o valor?
Fiquei quase 30 dias para conseguir o dinheiro do FGTS. Primeiro
pedi carta para o hospital. Demorou de 10 a 15 dias para ficar pronta. Aí levei
no banco. Ficou em análise mais uns dias. O banco mandou de volta. Fui de novo
ao hospital... Tem que insistir.”
O que diz a lei
Em 1990, a
lei nº 8.036 foi sancionada e passou a reger o FGTS – sinalizando quando e quem pode sacar,
a rentabilidade do fundo e as atribuições da Caixa Econômica Federal, entre
outros tópicos. Quatro anos depois, a
lei nº 8.922 incluiu o trabalhador ou o dependente com neoplasia maligna entre as pessoas
que poderiam movimentar a conta.
Na prática, tanto o titular quanto o marido ou a mulher, os
pais, os sogros, os filhos e os irmãos inválidos ou com menos de 21 anos que
tiverem câncer podem fazer retiradas do fundo. E quantas vezes quiserem, desde
que haja saldo.
Sobre a paciente apresentar ou não sintomas da doença, o
diretor Jurídico e coordenador do Núcleo de Advocacy do Instituto Oncoguia,
Tiago Farina Matos, explica que a legislação não traz informações sobre o tema.
"Até por isso, o entendimento que me parece mais razoável é aquele que seja o
mais favorável ao paciente”, destaca.
O advogado explica que o STJ (Superior Tribunal de Justiça)
teve posicionamento em favor do paciente em um caso similar, envolvendo a
isenção do Imposto de Renda. Pela decisão, "reconhecida a neoplasia maligna,
não se exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação
de validade do laudo pericial, ou a compro de recidiva da enfermidade,
para que o contribuinte faça jus à isenção de Imposto de Renda”.
Saiba mais sobre o
saque do FGTS na área de Direitos dos
Pacientes
do Instituto Oncoguia. Se tiver outras dúvidas, entre em contato com o nosso
Programa de Apoio ao Paciente (PAP) - 0800 773 1666.
Por QSocial