[ARTIGO] Sobre perdas e ganhos - O andarilho que recolhia lixo

"Morremos muitas vezes nesta vida, não apenas fisicamente – no prazo de sete anos, todas as células do nosso corpo são renovadas – mas também emocional e espiritualmente, porque as mudanças nos seguram pela nuca e nos empurram para frente, para uma outra vida. Não estamos aqui para simplesmente existir, mas para crescer.” Susan Howatch

Bom, lá estou eu, de novo, impressionada com a velocidade do tempo.

Que coisa!!

Vou me dar à liberdade de usar um trecho do livro Presente de Rubem Alves, que fala sobre a relação que estabelecemos com o tempo.

"Parece que o tempo está passando cada vez mais rápido. Não é verdade. Nós é que estamos correndo demais ... E, quando corremos, temos a sensação de que é o tempo que está correndo. São tantas coisas que nos seduzem!! Queremos gulosamente comer de tudo que a vida nos oferece no seu Buffet. Mas isso não é aconselhável. Provoca perturbações digestivas. É preciso ser seletivo, degustar vagarosamente aquilo que realmente desejamos.”

Pois é.

Penso na banalização a que submetemos nossa experiência. Deixar que o consumismo e toda a parafernália que o envolve, transformem a nossa experiência humana numa correria com o objetivo de armazenar mais do que podemos ter.

Armazenar mais objetos, mais brinquedos, mais vestimenta, mais comida, mais bebida, mais drogas, mais amores cada vez mais intensos, mais sexo cada vez mais virtual, mais frustrações, mais medo, mais mágoas e ressentimentos, mais tristezas, mais raiva. Muito além do que precisamos. Muito além do que podemos dar conta.

É novembro e começam várias datas significativas para mim, e certamente para muitos de vocês.

Estamos próximos do Dia dos Mortos - Finados, do Natal e do Ano Novo. Além de todos os outros dias até o resto do ano, igualmente importantes, que pretendo viver o máximo possível.

Mas acredito que em algumas oportunidades acontecem reflexões e mudanças conosco. Essas três datas também se caracterizam como eventos propícios para apreendermos o simbolismo delas.

Tem me impressionado o aumento significativo de pessoas procurando o consultório para alívio da "dor na alma”, apresentando um sofrimento compacto, intenso e amplo.

Quando paramos para avaliar o que realmente somos e o que queremos da vida, nos deparamos com um excesso de coisas sem grande importância que acumulamos, nos apegamos e deixamos ocupar espaço interno e externo com energia velha, ultrapassada e sem serventia, impedindo a entrada do novo, do criativo, do transformador.

Quando reformulamos nossos conceitos, reavaliamos atitudes e comportamentos, enchemos os pulmões e respiramos um ar novo.

A capacidade que o humano tem de emergir de uma crise com amplitude e possibilidades criativas de resignificar acontecimentos da Vida, muitas vezes chocantes e ameaçadores, é impressionante!

Crises são oportunidades que temos para participar do projeto construtivista que a Vida possui. Crescer é fazer parte de um ciclo contínuo de experiências nascimento-morte-renascimento. Vivê-las nos remete a perdas e ganhos, invariavelmente.

Para seguir em frente, tirar os nossos olhos do passado e colocá-los em direção ao futuro, precisamos abrir mão, desapegar, deixar ir embora, perder.

Só depois é que podemos olhar para o novo, que aponta para a esperança e transformação.

É verdade, é preciso coragem para isso.

Mas o ser humano, mesmo sem se dar conta, é movido por coragem.

Então, proponho um bom exercício para todos nós.

Aproveitarmos o Dia dos Mortos para refletirmos sobre enterrar nossos mortos dentro de nós.

Enterrar aquilo que já morreu. Aquilo que não tem mais representatividade. Aquilo que é excessivo, além da nossa necessidade e aproveitamento. Aquilo que é completamente descartável, mas que ainda insistimos em carregar.

Lembro-me sempre de um senhor, andarilho que conheci em minha infância. Carregava em suas costas, muitos objetos que recolhia no lixo das pessoas.

O problema não era recolher do lixo. Muitas vezes se acha preciosidades no lixo. Eu tenho um amigo muito querido, que fotografava bonecas encontradas nos lixos da cidade e a obra dele era absurdamente tocante.

O problema daquele senhor era que ele recolhia e carregava coisas, que não tinha a menor ideia para que serviriam um dia, mas que já estavam sobrecarregando o seu presente, com pesados fardos a carregar em suas costas.

Eu desejo, para vocês e para mim, que o Dia dos Mortos seja leve, mesmo com toda a dor que ele possa nos trazer ao relembrar pessoas queridas que perdemos.

Mortos insepultos nos perseguem atrelados a nossa alma.

Todos nós temos o direito e o dever de enterrar nossos próprios mortos.

Todos eles, sejam pessoas ou experiências.

Aliviados pela descoberta do que realmente precisamos e queremos, e pela possibilidade de lidar com nossas diversas mortes cotidianas, abrindo espaço criativo para o novo, será mais simples e fluído o caminhar.

Regina Liberato
Psico-Oncologista
Coordenadora de Projetos Multiprofissionais do Instituto Oncoguia
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