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  • Maria Elisa Oliveira Stocker - Mieloma Múltiplo
    Esse é o depoimento, de uma filha que perdeu a mãe para a batalha contra o câncer, mas não para a luta! É uma declaração de amor para minha guerreira e para todas as mães e filhas que precisam vencer e superar!
Quando é preciso lutar! O bom guerreiro sabe que uma luta nunca tem final... E o bom guerreiro sabe que é necessário passar seus ensinamentos para os seus frutos! Eu sou o fruto de uma boa guerreira: minha mãe! Ela perdeu a batalha, mas continua na luta de evolução espiritual que nós sempre acreditamos. Há vinte anos, minha mãe Ana Maria teve um câncer de mama, naquela época, numa cidade pequena como São Luiz Gonzaga (interior do Rio Grande do Sul), não tínhamos informações necessárias, nem a dimensão que o câncer representava na família. Eu, muito pequena, fui poupada desse diagnóstico, pois aos dez anos seria mesmo impossível compreender a doença. O que eu sabia era que a mamãe tinha um "carocinho” no seio que precisava ser retirado, então, vieram as viagens à Porto Alegre, as radioterapias, as visitas à casa da tia Vera, que sempre amiga e cunhada de minha mãe, proporcionava todo o suporte emocional para nós. A quimioterapia não foi necessária, mas a mutilação do seio deixou minha mãe triste pelo resto da vida... Tinha vergonha da cicatriz que anos mais tarde, eu apelidei de marcas da minha She-Ra (aquela heroína dos desenhos animados). Sempre a considerei como uma heroína, uma batalhadora, uma educadora e exemplo para milhares de crianças e adolescentes que ela ajudou a alfabetizar, a nadar, a praticar esportes e a lutar por um mundo mais honesto, aliás, minha mãe era honestíssima, não lhe faltava uma qualidade! Mas, vinte anos depois, o câncer resolveu voltar e dessa vez, de maneira avassaladora. Tudo começou com uma queda e a fratura do fêmur... Dores, muitas dores e vários médicos consultados, todos com o mesmo diagnóstico: dor muscular! Até que um dia, ela não suportou mais e não conseguiu mais andar... As viagens à Porto Alegre voltaram a fazer parte da rotina, dessa vez, eu morava na cidade e montamos um QG para acolher a Dona Ana e preparar sua luta. Na primeira cirurgia, em março de 2011, foram colocadas placas de titânio para reconstruir o fêmur (cheguei a brincar com ela dizendo que agora, não conseguiria mais passar pelas portas do Banco sem fazer barulho) e nada foi constatado de errado pelos médicos (não vou citar nenhum médico nesse depoimento). Veio a recuperação, lenta, dolorosa, agressiva e quando ela voltou a andar novamente (sem a ajuda do andador), novamente o fêmur deu um "estalinho”... Nova fratura, novos exames, mais médicos e mais apreensão! Dessa vez escolhi largar meu emprego para ficar 24 horas disponível. Sofri demais, mas todas as vezes que chorei, foram escondidas no banheiro do Hospital! De maneira alguma queria que ela sentisse necessidade de cuidar de mim. Alguns médicos que atenderam minha mãe foram negligentes, pois mesmo sabendo do histórico dela, não pediam exames, diziam que estava tudo bem, enfim, mas hoje, quase um ano depois, consigo perdoar essas irresponsabilidades. Na segunda cirurgia, as placas foram trocadas, mas dessa vez, batemos o pé pedindo uma cintilografia, que é um exame bem detalhado dos ossos do paciente (porque, apesar de mamãe ter osteoporose, era impossível estar com os ossos tão fracos, estava tão magrinha e cansada). O resultado, metástase óssea em fase terminal... E como, depois de um ano, somente na segunda cirurgia os médicos constataram isso? Meu mundo desabou naquele momento, o familiar do paciente sofre muito quando escuta: câncer. Imagine eu, como filha única, escutando de um médico, metástase em fase terminal? Não consegui entrar no quarto e olhar para minha mãe, então desci as escadas e fui até a Capela do Hospital... Chorei, implorei e ofereci a minha vida para que ela não sofresse, deveria ser proibido uma filha ficar sem a mãe. Do diagnóstico ao falecimento de mamãe foram vinte dias, apenas vinte dias... Ela estava muito fraca para fazer uma quimioterapia, já se alimentava por sonda, mas nunca perdeu a esperança, talvez por que não soubesse ao certo que seria levada para descansar em paz! Eu fiquei firme como uma rocha, recebemos muito apoio dos amigos - que acredito ser fundamental para começar a processar uma perda tão grande (pois entender, a gente nunca entende). O que mais agradeço é que tivemos tempo de falar uma para outra o tamanho do nosso amor, de como esse encontro entre mãe e filha é tão especial e profundo! O nome Maria, então foi acrescentando ao meu nome, Elisa, numa combinação só nossa, seria a nossa ligação (eu e ela, e posteriormente, entre Maria, mãe de Deus). Falamos sobre a doença, claro! E ali eu comecei a entender que os nossos laços não se romperiam com o câncer, pois quem é tocado por essa doença, vai ter para o resto da vida o compromisso de defender essa batalha... O maior legado que me foi deixado: o exemplo de dignidade, mesmo quando se perde o cabelo, quando se fica excessivamente magro, quando você perde as defesas do corpo, mas se defende com a força da alma. Uma herança de motivação, quando ela conseguiu voltar a andar pela primeira vez, quando ela conseguiu sentar pela primeira vez e finalmente uma entrega emocionante, quando ela deu o último suspiro segurando a minha mão. Por isso, eu me motivo em tudo na minha vida, como se estivesse vivendo pela primeira vez e me entrego, com a esperança de que estou nas mãos de uma força maior e tão forte, que é incapaz de se romper com as tristezas do momento. Claro que ainda dói muito... A ausência dela é como se me faltasse uma asa e com isso, nunca mais poderei voar, mas a generosidade e a solidariedade andam ao meu lado junto com cada sorriso dos pacientes com câncer que eu ajudo, ora com palavras, ora com livros, ora com uma prece! A fé é minha estrutura, apenas existe, silenciosa e com fraquezas diárias, lágrimas e abnegação. Minha mãe está sempre comigo, numa sintonia diária grande e inexplicável... Acho até que ela está me ajudando a dar esse depoimento, são raras vezes em que falo sobre a doença dela sem chorar e me sentir lesada, porém, se com minhas palavras, alguma filha que perdeu a mãe possa sentir-se amparada e abraçada por mim, sempre vou escrever com prazer. Se sua mãe foi uma guerreira como a minha, mas que hoje se encontra oculta pelo véu da imaterialidade, tenha certeza que a luta não acabou, é por esse amor maior que erguemos a cabeça e continuamos na batalha para sermos pessoas melhores. A vida é nosso maior aprendizado e precisamos lutar por ela!