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  • Mari Gonçalves - Câncer de Pele Melanoma
    "A mulher que eu mais amei, minha mãe."

Boa noite a todos!

 

Perdi minha mãe em novembro de 2020. Foi e continua sendo doloroso para mim pensar nisso, desde o dia que recebemos o diagnóstico até o dia em que ela partiu. 


Recebemos o diagnóstico em junho do mesmo ano em que ela se foi. Ela nunca gostou de ir ao médico, sempre se dizia forte, e realmente ela sempre foi uma mulher muito forte.


Antes desse diagnóstico a vida dela era muito diferente, ela acordava sempre às 4h da manhã pra ir trabalhar em uma panificadora que servia almoço também. Ela trabalhava lá como cozinheira, assim como fazia a comida em casa com todo cuidado e amor, preparava também no seu trabalho com todo esse cuidado, tudo o que fazia sempre era perfeito!


Eu, como filha, sempre pensei que jamais faria igual, pois pra mim ela sempre será única. Dar conta de tudo ao mesmo tempo era só com ela, mas como nem tudo são flores, além do trabalho, minha mãe lutava pelo meu irmão que era dependente químico. 

 

Ela fez tudo por ele, uns 17 anos mais nessa luta com ele entre internações: a gente ia juntos em grupos de apoio, fazia tudo para ajudar, mas ele não se ajudava e sempre recaia. Até que em fevereiro de 2020 chegou no limite, meu outro irmão interviu e o internou compulsoriamente em uma clínica por 10 meses. Acho que esse foi o único ano que a minha mãe pode ter descanso, pois ele incomodava num nível absurdo. 


Minha mãe com seus 60 anos e meu irmão com 40 anos, incomodando. Nesse ano tudo de ruim aconteceu, além da pandemia, desde o começo de 2020 minha mãe começou com tonturas, falta de ar, vômitos e foi aí que tomei uma atitude e a obriguei a ir ao médico. Fui em todas as consultas até o diagnóstico, quando soube do resultado não quis acreditar que aquilo realmente estava acontecendo. Claro que o que ela vinha sentindo não era normal, só não imaginava que seria câncer, e um câncer que eu nunca tinha ouvido falar: melanoma, ela tinha melanoma metastático grau 4.


Depois de tanto sofrimento com meu irmão mais uma tristeza dessas, porém, tentei ao máximo ser cuidadosa e não a deixar com medo de enfrentar isso. Demos todo apoio possível, fomos às sessões de quimioterapia, mas só a quimio não bastava, ela precisava da imunoterapia. Tentamos na justiça, mas só recebemos um retorno deles após a morte dela. Infelizmente, e ainda sim se ela estivesse viva, teria mais algum tempo de burocracia para preencher mais documentos para conseguir o medicamento. 


A maneira como ela enfrentou essa doença, quando soube, foi de forma calma. Fora as sessões de quimio, não se queixava de nada, mas com o passar do tempo tinha semanas que ela não queria comer, vomitava muito, perdeu muitos quilos.

 

Ela era uma senhora gordinha, e ficou magra, ver a minha mãe emagrecendo foi muito doloroso pra mim. Vê-la naquela condição, eu jamais pensei na vida que eu ia passar por isso, quem acompanha a pessoa da qual a gente ama, assim como eu, sabe bem do que eu estou falando.  


Eu guardava toda essa dor pra mim, era como se eu não pudesse gritar para o mundo todo que eu estava sofrendo, pois minha melhor amiga, pra quem eu contava tudo, eu nada podia falar sobre a triste situação de vê-la daquele jeito, sem poder fazer o que ela mais gostava: seus doces, salgados, andar a pé, fazer compras. Então eu guardava pra mim isso, e chorava escondida, assim como ela sofreu com meu irmão, eu sofria por ela, por vê-la lidando com o filho nas drogas, e depois com o câncer.


Sempre tentei explicar pra ela que essa doença não precisava ser vista como algo ruim, e sim que talvez aconteceu por ela não dar importância a sua saúde, que tinha coisas que ela precisava viver ainda mais: viajar, descansar, que isso ia passar, era só uma fase. Eu realmente acreditava nisso que eu falava, porque eu tinha certeza que ela ia vencer, eu sabia que era difícil, mas a gente se apega nos milagres, a fé ajuda também. 


Nesse tempo que ela esteve com a gente, que foram mais ou menos 6 meses, rimos com ela, saímos pra tomar café, a levamos para comprar coisas que ela gostava, fomos ver flores que ela amava. Inclusive, ela deixou um orquidário que estamos cuidando e também dois cachorros: ela adorava falar com eles com voz de bebê. 


Minha mãe sempre foi muito querida e amável com as pessoas, quem a teve na vida dificilmente a esquecerá: as risadas, as piadas, as comidas que ela adorava compartilhar com todos. 


Então chegou aquele mês de novembro, em que ela se foi. Duas semana antes dela partir, era um domingo de manhã, ela estava sentada no sofá e eu preparei um café pra gente, comprei algumas coisas para o café e coxinha e ela me pediu uma, dei pra ela e ela comeu com muito gosto, ela adorava coxinha, a gente riu: foi um momento só nosso aquele café. 


 Era como se aos poucos ela fosse se despedindo de mim. Na quinta, dia 12 de novembro, minha mãe foi internada, com fortes dores e sangramento, pois um tumor havia se rompido.

 

No hospital ela foi bem cuidada, um hospital público, mas a parte oncológica era muito bem cuidada, principalmente pelas enfermeiras. Desde o dia 12 a gente ia se revezando para ficar com ela no hospital, no domingo eu fui lá, ai coloquei minha cabeça próximo ao pescoço dela, e ela me deu um beijo na cabeça e disse "minha boneca, te amo", e eu disse "mãe, logo vamos pra casa pra você fazer bolachinhas de natal né?" e ela respondeu que sim, que ia pra casa. Eu realmente achava que minha mãe estava lá só para melhorar, mas infelizmente ela foi piorando.


No dia 17 de novembro fui chamada pela médica que me informou que minha mãe estava partindo: fiquei em choque, claro. Eu com 27 anos perdendo a minha mãe, imaginava que ela ia me ver casar, sair de casa, imaginava muitas coisas que ela iria ver ainda, então chorei desesperadamente, e tive que ter forças para contar ao meu pai.

 

Ele nunca imaginou a gravidade da doença da minha mãe, mesmo a gente explicando que não era só com quimioterapia, que ela precisava de outro medicamento. E só pra deixar claro aqui, se a gente tivesse o dinheiro, com certeza teria comprado, mas infelizmente nossa realidade é outra, o medicamento imunoterápico custa muito caro. O acesso pelo SUS ainda é muito difícil, mas voltando, meu pai não entendia o quão grave era isso. Quando contei pra ele, foi como se o mundo dele tivesse desabado, pois era minha mãe que cuidava de tudo, fazia tudo, tinha controle de tudo e era a pessoa que ele mais amou e continua amando.


Depois de conversar com ele, liguei para o meu irmão que não mora na mesma cidade e falei para ele vir. Meu outro irmão foi informado de tudo por telefone, a gente sempre falava com muito cuidado, pois ele estava internado, e não queríamos que nada afetasse no tratamento também. Ele chorou inúmeras vezes na clínica, não deixamos ele ver nossa mãe durante o tratamento dela, pra ela não ter fortes emoções ao reencontrá-lo. 


Optamos por mantê-lo na clínica, ele também optou por isso. No dia 18 fui visitá-la no hospital, ela já estava bem sedada de medicamento, teve forças pra pedir um picolé de chocolate ainda, meu irmão comprou e ela comeu com muita dificuldade, mas foi o que ela pediu, não podíamos negar isso. 


Eu sempre tentei não chorar na frente dela, sempre saia do quarto e ia chorar lá fora. Tentei muito ser forte, e sinceramente estava insuportável o sofrimento: a dor de vê-la ir embora. 


Não tinha mais nada que eu pudesse fazer, ela já não falava mais comigo naquele momento, estava bem sedada, peguei um rosário que eu tinha e peguei na mão dela e rezei. Pedi para Deus fazer um milagre pela minha mãe, mas que se não pudesse, pois ela estava sofrendo muito, que ele a levasse. 


Falei pra ela que estava tudo bem se ela quisesse partir. Ela já tinha visto eu me formar, meus irmãos já eram maiores de idade, e tudo iria ficar bem, um ia cuidar do outro. Iríamos cuidar do pai e que a gente amava imensamente ela, e que ela era a melhor mãe do mundo. 


Fiz os parentes mandarem áudios e ia colocando pra ela ouvir, fiz meu irmão que estava na clínica mandar áudio também, ele pediu perdão, falou muitas coisas no áudio que boa parte da vida nunca tinha falado. Falou pra ela que ele seria o homem que ela sempre quis que ele fosse. 


No dia 19 eu não estava com ela, pois estava extremamente cansada, meu irmão ficou com ela no hospital, às 23h30 daquela noite ela foi embora, Deus a levou depois de tanto sofrimento. 


Eu tenho certeza que minha mãe está num lugar maravilhoso de descanso e que ela olha por mim: para sempre sua força, seu cuidado, seu amor, seus ensinamentos, ficarão vivos dentro de mim.  


Eu digo pra vocês que aproveitem o tempo com as pessoas que vocês mais amam, lutem por eles, mas acima de tudo pensem na saúde de vocês também, na saúde física e mental, para não adoecerem junto. Fiquem bem pra ajudar eles também, digo a você de todo meu coração: Deus jamais abandona, Ele está sempre com a gente, nos dando força para o que a gente tiver que passar nessa vida.