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  • Luciane Lesjak - Câncer de Estômago
    "Perdi minha querida... não perdi o tempo que passamos juntas"
Minha querida mãezinha foi diagnosticada em junho de 2011: câncer de estômago estágio IV... Desabamos, eu e minha querida. Começamos a chorar no mesmo minuto da notícia. Depois do diagnóstico o médico quis interná-la, era uma noite fria, uma noite esquisita, parecia mais fria e escura que as outras. Que triste uma pessoa receber uma notícia dessa e ficar internada... Falei com o médico sobre trazê-la para casa com o compromisso de que ela estaria no hospital sempre que necessário, ele concordou. Aos poucos, durante o tratamento fui percebendo que os sinais que ela vinha contando nos últimos meses eram os sintomas sutis de uma doença perversa, ela constantemente reclamava de "desconforto” no estômago e atribuía o desconforto à comida. Que tristeza, sentimento de impotência, pena, culpa, remorso por não ter dado atenção àquele desconforto inicial. Desolada, preferi que minha mãe não saberia da grave situação, ela já estava tão desanimada... Seria enterrá-la viva. Iniciou o tratamento... Os exames, consultas ao médico e nutricionista, quimioterapia e lidar com os efeitos colaterais... Uma batalha... Eu, "seu soldadinho” como ela me chamava, sempre junto. Em cinco meses de quimioterapia a chance mínima virou zero e as sessões foram interrompidas, a quimio não estava ajudando... Então eu disse que a quimio seria interrompida por um período, um "recreio” e como ela não tinha dor... Fiquei com minha mãe em casa, eu comprava frutas, legumes, fazia comida fresquinha e sempre gostosa, sucos, gelatinas, vitaminas. Garanti que a cada 3 horas ela estaria se alimentando, começava com uma vitamina às 6 da manhã... Hoje me lembro de acordá-la às 6hs com o copo de suco e um sorriso... Nem sei como consegui... Tenho certeza que Deus esteve conosco... De repente ela não sabia mais o que fazer e teve que se entregar aos meus cuidados, sem dizer nada, só com olhar eu sabia o que ela queria, entramos numa sintonia única, eu a protegia de visitas inconvenientes, das conversas sobre "câncer”, e tudo que eu achava que poderia deprimi-la. Minha querida, tão indefesa, precisava de mim e ainda se culpava dizendo que estava me dando tanto trabalho... De jeito nenhum, eu respondia. Conversava, tranquilizava, assistia TV com ela ... Ela participou da formatura de meus filhos, fomos à praia, casa de amigos, recebemos pessoas em casa, fizemos uma festa em seu aniversário e tudo que ela queria... Às vezes ela perdia as esperanças, mas na maioria do tempo queria participar da vida. Aos poucos ela começou definhar, paralisou o movimento de uma perna, comecei ajudá-la a ir ao banheiro, tomar banho e sair da cama, em 2 dias perdeu o movimento da outra perna e parou de enxergar de uma vista. A partir disso não recebia mais visitas, só a família, não queria constrangê-la. Eu carregava-a (literalmente) de um cômodo a outro da casa para ela não ficar isolada sempre no quarto, levava no quintal para tomar sol, fazia questão de estar junto o tempo todo, no almoço e jantar, tentava fazê-la participar da rotina da casa, dava carinho, atenção, conversava e tentava animá-la enquanto ela perdia peso, fome, vontade de viver... Neste período que durou outros cinco meses, falamos alguns assuntos pendentes de nossas vidas, fizemos uma "lavagem de roupa suja” falamos das vezes que nos magoamos, nos explicamos, nos desculpamos, entendemos que faz parte da vida e do convívio. Ela achava que estava me dando muito trabalho, que jamais imaginou que um dia fosse precisar que eu a carregasse... Trabalho nenhum, mãe, você já me carregou no colo quantas vezes??? Respondi. Ela disse que eu era bebê... " Você que pensa, mãe, você que pensa... você me carregou inúmeras vezes no colo, carregou meus filhos e minha família todas as vezes que precisamos”... Respondi. A melhor parte: falamos o quanto éramos importantes uma para outra, o quanto nos amávamos, o quanto contávamos uma com a outra, o quanto tínhamos feito uma pela outra e eu ouvi minha mãe dizer que sabia que podia contar comigo, sabia que eu era "ponta firme” e que nunca teve medo de ser abandonada, que bom que ela sabia, sem eu nem precisar dizer ela sabia... Do mesmo jeito que eu sabia que ela era meu porto seguro, meu braço direito... Foi muito triste e eu não podia demonstrar minha tristeza, chorava escondido e na frente dela mantinha a serenidade. Não acreditava que uma mulher que governava a própria vida, que me dava os mais sábios conselhos, que me orientava com uma simplicidade invejável... De repente... No hospital estive com ela todo tempo, foram 9 dias, no final ela já nem falava mais, eu percebia que ela estava exausta, uma exaustão que indicava o que estava por vir... Eu contava o que estava acontecendo em casa, eu só queria contar, tentar distraí-la um pouco, contava como estava o dia lá fora, pintava as unhas dela, ajudava a vestir e dar banho passava pomada, penteava, acariciava, ela só me olhava. No dia 17/05/2012 foi embora quietinha, nos meus braços, olhando nos meus olhos, sem medo... Foi nosso último momento... ALMA DE MULHER Nada mais contraditório do que ser mulher... Mulher que pensa com o coração, age pela emoção e vence pelo amor. Que vive milhões de emoções num só dia e transmite cada uma delas, num único olhar. Que cobra de si a perfeição e vive arrumando desculpas para os erros daqueles a quem ama. Que hospeda no ventre outras almas, dá a luz e depois fica cega, diante da beleza dos filhos que gerou. Que dá as asas, ensina a voar mas não quer ver partir os pássaros, mesmo sabendo que eles não lhe pertencem. Que se enfeita toda e perfuma o leito, ainda que seu amor nem perceba mais tais detalhes. Que como uma feiticeira transforma em luz e sorriso as dores que sente na alma, só pra ninguém notar. E ainda tem que ser forte, pra dar os ombros para quem neles precise chorar. Feliz do homem que por um dia souber entender a Alma da Mulher!