Uso da Mamografia para Diagnóstico Precoce do Câncer

Matéria publicada na Folha de São Paulo em 25/10/2011, intitulada "Estudo questiona mamografia para diagnóstico precoce do câncer" aborda a discussão sobre a utilidade da mamografia na redução da mortalidade por câncer de mama, e passa uma mensagem da qual discordamos completamente. A matéria cita os dados de uma publicação da revista Annals of internal Medicine, cuja tradução livre do título é "Probabilidade de que mulheres com câncer de mama diagnosticado com base em mamografia tenham tido a vida salva pelo rastreamento", como se esta publicação fosse mais um dado que destrói a farsa da utilidade da mamografia. Esta mensagem é errada e perigosa.

Tentemos entender a mamografia de rastreamento. A indicação de um teste de rastreamento para o câncer somente tem utilidade quando:

  • Se trata de uma doença relativamente freqüente e que causa mortes.
  • O resultado do teste desencadeia uma série de ações que reduzem a mortalidade pela doença.
  • O teste está disponível de maneira ampla e a um custo aceitável.
  • O teste é seguro.
  • O teste é sensível (não deixa passar casos existentes) e específico (não dá resultado positivo com outras doenças)

Assim, sempre que lemos artigos baseados em rastreamento do câncer em outras populações, temos de tomar alguns cuidados antes de extrapolar para nossa realidade:

  • Será que a incidência da doença no nosso meio indica utilidade para algum rastreamento?
  • Será que nosso sistema de saúde está apto para desencadear as ações necessárias após um resultado anormal do rastreamento?
  • Será que o teste está disponível amplamente e tem um custo aceitável em nosso meio?

Para todas estas perguntas, a resposta no Brasil é sim.

Por outro lado, é bastante óbvio que conforme forem sendo descobertos tratamentos mais eficientes para o câncer, o tratamento terá mais sucesso, e é muito possível que um dia, no futuro, todo caso de câncer possa ser curado independente da fase em que a doença for diagnosticada.
 
Nesse dia, rastreamento terá perdido seu sentido, já que as drogas serão tão eficazes que eliminarão o tumor independente do tamanho. Embora não estejamos nessa fase de sucesso dos tratamentos, é sim verdade que ao longo das últimas décadas os avanços no tratamento têm sido responsáveis, em boa medida, pela redução da mortalidade pelo câncer de mama em países desenvolvidos. E se o tratamento está ficando mais eficaz, proporcionalmente a importância do diagnóstico precoce diminui. Proporcionalmente, não em termos absolutos.
 
Aí cabe perguntar se esses avanços no tratamento estão disponíveis de maneira ampla e rápida para a nossa população como um todo, se uma mulher que sente um nódulo na mama tem acesso rápido ao tratamento mais adequado pelo profissional certo, se toda mulher tem consciência da importância de procurar imediatamente um mastologista quando notar uma alteração na mama. A resposta é não, não e não. Ou seja, os avanços do tratamento moderno não fazem parte da realidade imediata para todas as nossas mulheres com câncer de mama.
Usar um modelo matemático de uma publicação para negar os 20 a 30% de redução da mortalidade por câncer de mama que pode ser proporcionada pela mamografia faz um desserviço à população. O problema é dar atenção a um artigo no mínimo questionável, de relevância limitada. Embora seja verdadeira a afirmação do artigo que diz que muitos casos diagnosticados com mamografia de rastreamento teriam sido diagnosticados e curados mesmo se detectados mais tarde, o problema é que a medicina atual não permite dizer quais são estes casos. Daí a necessidade de tratá-los de imediato.

Hoje, de todos os acidentes de carro, apenas uma pequena minoria causa mortes. Mas, como não sabemos qual acidente será grave, instalamos cintos de segurança e até air-bags em todos os carros, mesmo sabendo que em 99,9% deles terá sido um custo "inútil".

Hoje, para cada 5 casos de câncer de mama diagnosticados por ano no Brasil, ocorre uma morte por câncer de mama. Hoje, menos de 30% da população adere à mamografia no Brasil. O intervalo entre o primeiro sintoma ou exame alterado e o primeiro tratamento é de mais de 3 meses (mais de 6 meses em vários estados da federação), temos filas de 4 a 6 meses de espera pela radioterapia, e não dispomos de alguns tratamentos sistêmicos modernos no SUS. Se queremos ter menos brasileiras morrendo de câncer de mama, temos de atacar todas as frentes falhas para salvar estas vidas, e a frente com maior chance de sucesso é justamente ampliar maciçamente a aderência ao rastreamento, e exigir que o SUS esteja preparado para absorver as pacientes em tempo hábil para a cirurgia, radioterapia, e tratamentos sistêmicos adequados.
 
O Outubro Rosa tenta sensibilizar o mundo todo para a necessidade de conscientização da população quanto a este grave problema. A folha está convidada a aderir à campanha, não somente em outubro como também durante todos os meses do ano.
 
Luciana Holtz de C. Barros (Psico-Oncologista)
Presidente do Instituto Oncoguia
 
Rafael Kaliks (Oncologista Clínico)
Diretor Cientifico do Instituto Oncoguia

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