Janeiro Branco: a saúde mental dos pacientes oncológicos
O diagnóstico de um câncer pode afetar os sentimentos e as emoções dos indivíduos. Além dos efeitos físicos, o tratamento dessa doença envolve uma série de medos, inseguranças e incertezas, fazendo com que a saúde mental do paciente seja profundamente impactada.
De acordo com a psico-oncologista Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, muitos apresentam queixas como dificuldade de dormir, ganho ou perda de peso, ansiedade, estresse, angústia e medo.
Ela também conta que há a possibilidade de confundir os efeitos colaterais do tratamento com outras alterações que surgem da parte mental, o que pode dificultar o diagnóstico de problemas como a depressão.
“Por exemplo, dependendo do tratamento, é esperado que a pessoa fique um tempo cansada ou fadigada. Porém, é preciso saber diferenciar se isso é um sintoma esperado do tratamento ou não, se é algo que exige um olhar mais atento de um profissional de saúde”, alerta a especialista.
Michele Salek, hoje com 32 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama aos 26 e relata que, ao descobrir a doença, sentiu medo, principalmente, por não saber se o tratamento daria certo ou não.
“No dia seguinte após ser diagnosticada, eu acordei e fui atrás de tudo o que tinha ao meu alcance para sobreviver, comecei a correr atrás de médico, de consulta e coloquei na cabeça que tudo o que eu mais queria era sobreviver e que eu faria tudo o que fosse preciso para isso”, diz, mostrando que, apesar das incertezas, não perdeu a disposição para lutar contra a doença.
Mesmo após a cura, muitos indivíduos continuam lidando com um medo: a recidiva do problema. “Fizemos uma pesquisa que apontou que o medo do câncer voltar é algo muito presente na grande maioria dos pacientes. Geralmente, esse medo é bastante negligenciado, pois os pacientes pouco conversam sobre esse assunto e não encontram espaço para falar com a rede de apoio ou com os oncologistas, por exemplo”, aponta a psico-oncologista.
A IMPORTÂNCIA DA REDE DE APOIO
Segundo Michele, que viu seu casamento não resistir ao tratamento do câncer, sua avó materna, de 89 anos, que mora no Rio de Janeiro, foi sua companheira durante o tratamento do câncer em São Paulo e um importante apoio para que ela conseguisse enfrentar a situação.
“Ela ficou comigo durante todo o período de quimioterapia e foi meu braço direito, porque a gente acaba se sentindo sozinha e com medo. Então, ela me ajudava com as refeições e me incentivava a reagir, pois tinham dias que eu ficava muito frustrada e na cama”, descreve Salek, que fez mastectomia nas duas mamas, 16 sessões de quimioterapia, 28 sessões de radioterapia e hormonioterapia.
Na maior parte das vezes, o diagnóstico de um câncer assusta os pacientes, deixando-os tristes, preocupados e pensativos. Por isso, seja dentro de casa ou em outros ambientes, como clínicas, hospitais e grupos online, ter pessoas com quem contar é fundamental para os pacientes. Essas relações precisam envolver o diálogo transparente, empático e cuidadoso, garantido que os indivíduos consigam se abrir e dizer o que estão sentindo.
Além disso, uma rede de apoio ajuda a identificar caso o paciente apresente sintomas que possam indicar transtornos mentais mais sérios, segundo Luciana. “É preciso ter atenção quando a tristeza não vai embora, já que isso pode sugerir que uma depressão se instaurou, trazendo a necessidade de procurar um profissional da saúde mental”, destaca.
A AUTOESTIMA
O câncer pode destruir a autoestima de vários pacientes, já que os tratamentos utilizados para combater a doença trazem uma série de efeitos colaterais que impactam na estabilidade emocional e trazem desconfortos como a queda de cabelo, a necessidade de retirada das mamas, a mudança no peso e alterações cutâneas.
“A mastectomia em si não foi um problema para mim, pois na mesma cirurgia que tirei as mamas eu reconstruí e coloquei prótese”, inicia Michele.
Entretanto, Salek diz que o tratamento fez com que ela ganhasse peso, o que acabou prejudicando a sua autoestima. “Eu ganhei peso e isso acabou me afetando um pouco, pois eu sempre fui uma pessoa muito ligada ao corpo.”, detalha.
“Eu perdi a sobrancelha, os cílios. Eu sempre amei me maquiar, falava que o meu item de maquiagem favorito era o rímel e, de repente, não tinha mais cílios. É uma situação transitória, mas que mexe com você sim”, acrescenta.
Em relação ao ganho de peso, ela aponta que teve dificuldade de perdê-lo mesmo após o término das terapias utilizadas para o combate ao câncer, mas que a prática de atividade física foi uma grande aliada para retornar a um corpo que ficasse mais satisfeita.
“Quando uma mulher passa pela mastectomia, ela sofre abalos na autoestima. Em hipótese alguma, devemos culpar ou desvalorizar as queixas e os sentimentos dessa pessoa. Essa retirada da mama representa a perda de um órgão extremamente importante para a mulher, que tem a ver com a feminilidade e sexualidade. Então, é muito importante explicar para a paciente o que pode acontecer, se após a cirurgia a reconstrução mamária pode ser imediata ou não e todos os outros detalhes”, inicia Luciana Holtz.
“A perda dos cabelos e dos outros pelos do corpo e a mudança de peso são outros aspectos que causam um impacto negativo na autoestima de inúmeros pacientes”, completa a psico-oncologista.
SAÚDE MENTAL
Para promover a saúde mental e o bem-estar dos pacientes oncológicos, Luciana Holtz destaca a importância do acesso à informação de qualidade.
“Se o paciente consegue driblar aquela confusão a respeito do que é uma fonte de qualidade, ele começa a se preparar e a prevenir certas coisas que podem ocorrer. Faz diferença saber que algo pode acontecer do que vivenciar algo do nada e sem nenhuma preparação. Além disso, também existem várias informações relacionadas aos direitos dos pacientes, às dicas de qualidade de vida e de suporte. Óbvio que essas coisas podem não valer para todo mundo, mas elas podem ser úteis sim”, pontua a especialista.
O psico-oncologista também desempenha um papel essencial quando o assunto é melhorar a qualidade de vida dos indivíduos diagnosticados com essa doença, uma vez que, de acordo com Luciana, esse profissional tem uma visão focada nos sentimentos e pode auxiliá-los, por exemplo, a encarar a jornada em busca da cura e na tomada de decisões.
Além de ter enfrentando um câncer de mama, Michele também vivenciou um quadro de depressão após o diagnóstico.
“Quando eu me dei conta que a depressão era uma doença como qualquer outra, eu fiz o que eu faria diante de qualquer condição: procurei um médico psiquiatra e fiz terapia com psicológo. Então, meu conselho é: encare a depressão como uma condição séria e que precisa de um tratamento adequado”, pontua.
De acordo com Salek, que atualmente trabalha como assistente judiciária e é atleta de jiu-jitsu, a atividade física é o “maior antidepressivo” que já conheceu. “Tiveram vários dias em que eu não queria levantar da cama e o jiu jitsu me motivava”.
2ª EDIÇÃO DO FESTIVAL DO AUTOCUIDADO EM SAÚDE
A segunda edição Festival do Autocuidado em Saúde, liderada pelo Instituto Oncoguia acontece entre os dias 1 e 4 de fevereiro e tem o tema “Porque ser e se sentir saudável é possível: com ou sem câncer”. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo site e pelo aplicativo do evento Festival Autocuidado Oncoguia, disponível na versão IOS e Android.
A edição aborda a importância do autocuidado e sua relação com a qualidade de vida, com o foco em alertar para a importância de se buscar uma vida com mais qualidade, mesmo ao lutar contra uma doença grave como um câncer.
No evento, é possível participar de rodas de conversas, palestras, aulas interativas, salas de bate-papo e workshops que promovem assuntos relacionados à importância de valorizar o autocuidado com a saúde física e mental.
Fonte: Boa Forma
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