[ENTREVISTA] Dia Mundial sem Tabaco

Neste Dia Mundial do "Não Fumo" (31/05), Adriana Pereira de Carvalho, advogada da Aliança de Controle do Tabagismo, concedeu ao Oncoguia uma entrevista especial discutindo questões fundamentais relacionadas ao fumo. Ela falou, entre outros tópicos, sobre o panorama do tabagismo do Brasil, os 2 anos da Lei antifumo e comentou sobre o comportamento das indústrias de tabaco.

Instituto Oncoguia - O Brasil é um país de fumantes?

Adriana Carvalho - Não, o número de fumantes tem caído no Brasil, por conta de políticas públicas adotadas há alguns anos para o controle do tabagismo, como o fim da publicidade de cigarro em meios de comunicação de massa ( TV, rádios, internet e outdoors), e as imagens de advertência nos maços.

Contudo, ainda há no país 25 milhões de fumantes, o que é um número expressivo, conforme dados do Ministério da Saúde e IBGE/2008 (Pesquisa Especial de Tabagismo - PETab), que mostram que 17,5% da população com 15 anos ou mais de idade são usuárias de tabaco fumado ou não fumado.

Dados do Vigitel/2010 (pesquisa com adultos ≥ 18 anos residentes em domicílios com telefone fixo nas capitais dos 26 estados brasileiros e DF) mostram que 15,1% da população com 18 anos ou mais são fumantes.

Ainda temos muito a avançar em termos de políticas públicas para o controle do tabagismo. O Brasil, juntamente com mais de 170 países, ratificou em 2005 a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional de saúde pública, que traz medidas comprovadamente eficazes para a redução do consumo e da exposição à fumaça do tabaco. Dentre estas medidas, estão a proibição do fumo em lugares fechados, o fim da publicidade de tabaco e o aumento da tributação sobre os cigarros. O Brasil, porém, ainda possui lei federal com a permissão de fumódromos em áreas fechadas, com a permissão de publicidade na parte interna dos locais de venda e possui um dos cigarros mais baratos do mundo.

Vale esclarecer que fumódromos em locais fechados não representam proteção à saúde, porque fumantes e trabalhadores permanecem expostos à fumaça do tabaco, que é comprovadamente tóxica e cancerígena. Não há nível de exposição sem risco ao tabagismo passivo.

Quanto à publicidade em locais de venda, a visibilidade ostensiva de cigarros em pontos de venda ao lado de produtos como chocolates, balas e doces, notoriamente destinados ao público infanto-juvenil, faz com que este público associe o cigarro aos demais produtos para sua faixa etária, como se fosse um produto como outro qualquer, que um dia ele poderá consumir.

Pesquisa do Instituto Datafolha, de maio/2010, revela que a visibilidade dos cigarros para crianças é mais acentuada nos estabelecimentos que possuem escola perto: 85%, em comparação com 73% entre os que não possuem escola perto. Outra pesquisa do Datafolha, de julho/2010, revela que 74% dos entrevistados acham que a exposição dos cigarros influencia a iniciação ao consumo de cigarros por crianças e adolescentes, enquanto que 66% acreditam que influencia na compra de cigarros por adultos, sendo que 54% dos que responderam eram fumantes.

É certo que muitos avanços têm sido observados por meio de leis estaduais e municipais para a proteção de todos contra a exposição à fumaça do tabaco. Desde 2008, as chamadas leis antifumo (leis que proíbem o fumo em locais fechados, sem a permissão de fumódromos em áreas fechadas) foram aprovadas em sete estados (SP, RJ, PR, PB, RR, RO e AM) e em mais de 20 municípios, como Belém do Pará e Salvador/BA. E os resultados têm sido excelentes: alto índice de aprovação da população, trabalhadores e donos de bares, restaurantes e casas noturnas; alto índice de cumprimento; melhora na qualidade do ar em ambientes fechados e na saúde de garçons, fumantes e não fumantes.

Instituto Oncoguia - Neste ano a lei anti-fumo completou 2 anos de existência. Quais foram as conquistas e principais mudanças após a implementação da lei? Vocês avaliam que o impacto foi positivo? Em que sentido?

Adriana Carvalho - Comemoramos 2 anos de assinatura da lei antifumo do estado de São Paulo em 7 de maio, e em 7 de agosto de 2011 vamos comemorar 2 anos de vigência da lei, isto é, dois anos de melhora na qualidade do ar em ambientes fechados coletivos, com a proteção à saúde de todos, fumantes e não fumantes, trabalhadores e clientes.

A fumaça do tabaco é a maior fonte de poluição em ambientes fechados, então quando se elimina essa fonte de poluição, a melhora na qualidade do ar nestes locais é uma conseqüência natural.
Pesquisa realizada pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas de São Paulo aponta que a proibição do fumo em locais fechados no estado:

* Reduziu em 73% a concentração de monóxido de carbono - CO[1]nos ambientes fechados.

* Reduziu a concentração de CO em 35,7% em trabalhadores fumantes e em 57,1% em garçons que nunca fumaram de bares, restaurantes e casas noturnas da capital paulista.

Pesquisa realizada pela ACT e Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health revela redução de até 94% de nicotina no ar em locais fechados de 16 bares da capital paulista.

O índice de cumprimento é superior a 99% em todas as regiões da capital paulista e do interior.

Apoio de 94% dos paulistas, e entre os fumantes, 87%, de acordo com pesquisa realizada após um mês de vigência da lei. Entre as pessoas com mais de 45 anos o índice de apoio chega a 95%.

Diversas pesquisas realizadas em cidades e países com leis que proíbem o fumo em locais fechados demonstram a redução do número de internações por infarto. Na Escócia, por exemplo, pesquisa revela que houve redução no número total de hospitalizações por síndrome coronariana aguda depois da entrada em vigor de legislação proibindo o fumo em espaços públicos, em 2006.

Instituto Oncoguia - Quais as ações da ACT para o Dia Mundial do Não Fumo?

Adriana Carvalho - A ACT participa de vários eventos em comemoração ao Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado em 31 de maio pelos países membros da Organização Mundial da Saúde. O tema deste ano é a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, primeiro tratado global de saúde pública, negociado sob os auspícios da OMS. Seu principal objetivo é reverter a epidemia do tabagismo, principal causa evitável de mortes, que ceifa mais de 5,4 milhões de vidas por ano, como uma questão de saúde pública e adotar medidas comprovadamente eficazes para a redução do consumo e da iniciação, como a adoção de ambientes fechados 100% livres de fumo, a proibição da propaganda de cigarros em PDVs e da adição de aromas e sabores aos produtos de tabaco, aumento de preços e impostos de cigarros, entre outras.

Instituto Oncoguia - Em um mundo como o nosso, em que o acesso à informação é fácil e permanente, você acredita que os fumantes estão mais abertos à possibilidade de largarem o vício ou acredita que permanecem fechados à ideia? Que outros fatores influenciam nesta decisão?

Adriana Carvalho - Vários fatores podem influenciar na decisão, como o impacto na saúde, o desejo de mudar, o nascimento de um filho ou neto, a menor aceitação social do tabagismo, enfim, cada um terá a sua decisão específica, mas as políticas públicas podem ajudar evitando o estimulo ao consumo, prevenindo iniciação e favorecendo o acesso ao tratamento.

É sabido que mais de 70% dos fumantes deseja parar de fumar, o problema é que o tabagismo causa uma intensa dependência, por conta da nicotina, e alcançar este objetivo pode ser difícil, mas os fumantes não devem desistir.

Instituto Oncoguia - Sabemos que o atual foco da indústria do tabaco são os jovens e as crianças, como a ACT está atuando e que ações estão sendo desenvolvidas para diminuir ou minimizar esse ataque de marketing que as companhias de tabaco exercem sobre essa população?

Adriana Carvalho - De fato, o foco da indústria do tabaco são os jovens e crianças. Não há dúvidas. Tanto é que 90% dos fumantes começam a fumar antes dos 18 anos, o que evidencia que medidas de saúde pública devem ser adotadas para prevenir a iniciação do consumo cigarros, principalmente por se tratar de um produto nocivo e letal.

Para tanto, a ACT, juntamente com diversas entidades da área de saúde, gênero e consumidor, como o Instituto Oncoguia, apóia medidas de saúde pública como a proibição da publicidade de cigarros e as consultas públicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA 112/2010, que trata dos teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros, e proíbe aditivos nos produtos derivados do tabaco, e 117/2010, que determina o aumento do espaço das advertências nos maços e materiais de propaganda dos produtos fumígenos, assim como a exposição dos maços de cigarros nos locais de venda, ambas da ANVISA.

A proibição do uso de aditivos, prevista na Consulta Pública 112, tais como aromatizantes e flavorizantes, a exemplo dos sabores de chocolate, baunilha, morango, menta, entre outros, é necessária pois impede que os produtos de tabaco se tornem mais palatáveis e atrativos para crianças e adolescentes.

Todas essas medidas propostas visam reduzir consumo e iniciação ao ampliar o conhecimento dos cidadãos sobre produto que causa doença, incapacidade e morte. Cidadãos bem informados são os que podem, efetivamente, fazer escolhas conscientes.

Não há, na Convenção Quadro para o Controle ou nas propostas da ANVISA, qualquer medida que vise proibir a produção ou o consumo de produtos de tabaco e menos ainda criminalizá-lo. Antes ao contrário, o que se busca é desestimular o consumo através, entre outras medidas, da proibição da publicidade e do aumento da informação aos consumidores.

As enfermidades relacionadas ao tabaco incluem entre outras doenças cardiovasculares, respiratórias e também câncer. Do ponto de vista econômico social como a ACT vê este problema e que ações vêm desenvolvendo a este respeito?

Conforme pesquisa da economista Mária Pinto, da Fundação Osvaldo Cruz, "a magnitude dos custos devido ao consumo de derivados do tabaco é significativa e impõe uma carga importante tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Além dos custos com o tratamento das doenças tabaco-relacionadas, há os gastos com o pagamento de pensões e aposentadorias precoces.”

O que o Estado brasileiro tem gasto com doenças decorrentes do tabagismo são somas altíssimas. Segundo recente pesquisa da economista Márcia Pinto, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem prejuízo anual de R$ 338 milhões de reais apenas com alguns dos tratamentos de doenças ligadas ao tabagismo. Os valores estão sub-dimensionados porque o estudo analisou somente os custos com internação e quimioterapia. Os valores gastos com medicamentos, cirurgias e tratamento de fumantes passivos não foram incluídos.[2]

Os custos para a saúde e previdência social decorrente do tabagismo e tabagismo passivo certamente são maiores do que a arrecadação de tributos incidentes sobre o tabaco. Dados do Banco Mundial mostram que para cada U$ 1 arrecadado da indústria do tabaco, o estado gasta de R$ 2 a R$ 3 no custeio de saúde decorrente de tratamento de doenças tabaco-relacionadas.

Instituto Oncoguia - Gostaria de deixar alguma mensagem final aos leitores do portal?

Adriana Carvalho - A população deve estar atenta para as medidas previstas na Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, que visam proteger as gerações presentes e futuras das devastadoras conseqüências sanitárias, sociais, ambientais e econômicas geradas pelo consumo e pela exposição à fumaça do tabaco, e cobrar dos governos a implementação destas medidas, a fim de reduzir de maneira contínua e substancial a prevalência do consumo e a exposição à fumaça do tabaco.

Estas medidas são muito importantes, pois o tabagismo é a primeira causa evitável de morte no mundo, e o tabagismo passivo a terceira (OMS). No Brasil, 7 pessoas morrem por dia em decorrência do fumo passivo.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, seis milhões de pessoas morrerão em 2011 por causa do cigarro, sendo que 10% delas, ou 600 mil, não são nem fumantes. Se não forem tomadas as medidas previstas na Convenção Quadro, em 2030 o tabaco pode causar a morte de oito milhões de pessoas ao ano.

Medidas de prevenção ao consumo e exposição à fumaça do tabaco previnem doenças cardiovasculares, circulatórias e cânceres.

Referências

[1] A presença do monóxido de carbono no organismo humano reduz a oxigenação do sangue, das células e tecidos, o que, no decorrer do tempo, eleva o risco de doenças cardíacas e vasculares.

[2] O Estado de São Paulo, p. A14, edição de 17.3.2008.

Adriana Pereira de Carvalho, advogada da Aliança de Controle do Tabagismo, organização não governamental voltada à promoção de políticas públicas para a diminuição do impacto sanitário, social, ambiental e econômico gerado pela produção, consumo e exposição à fumaça do tabaco, que congrega mais de 500 organizações de diferentes setores da sociedade (saúde, meio ambiente, gênero, direito, educação), comunidades científicas e ativistas sensíveis à causa de controle do tabaco.
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