[ARTIGO] Questões polêmicas relacionadas ao câncer

Caro leitor do Oncoguia, meu objetivo hoje é discutir dados publicados recentemente na revista da Associação Médica Americana (JAMA) e discutidos no Jornal Folha de São Paulo. Este artigo e o comentário falam sobre um excesso de diagnósticos e cânceres que podem desaparecer espontaneamente.

Para entender de que se trata, vale recordar alguns fatos: o câncer consiste em um acúmulo de células que sofreram alterações genéticas e que passam a se dividir de maneira descontrolada, além de adquirir a capacidade de se espalhar e implantar em outros órgãos através da circulação. Sabe-se há várias décadas que o nosso organismo tem milhares de células sofrendo mutações genéticas predisponente ao câncer constantemente, mas o organismo tem também diversos mecanismos para se proteger destas células, eliminando-as antes que se forme um tumor.
 
Pois bem, em algumas situações, estes mecanismos de defesa naturais (dos quais o sistema imunológico é um exemplo) falham e o câncer se desenvolve, e se não for detectado cedo e curado, pode causar até a morte do paciente. A ideia de se fazer rastreamento do câncer é a de se detectar um tumor em estágio tão inicial, que a chance de cura seja imensa. Acontece que ao se sofisticar os testes de rastreamento, e ao se conseguir detectar nódulos tumorais muito pequenos, corre-se de fato o risco de encaminhar para cirurgia tumores que talvez tivessem sido combatidos com sucesso pelos mecanismos naturais de defesa do organismo.

Uma publicação de autores das universidades da Califórnia e do Texas descreve, na revista JAMA, dados que sugerem que nossas estratégias de rastreamento do câncer de próstata (com dosagem de PSA no sangue) e de mama (com mamografias anuais) estão de fato detectando muitos tumores que, se deixados sem diagnóstico possivelmente nunca teriam levado o paciente ao óbito. Esta discussão não é nova. Ela é amplamente conhecida e discutida principalmente em relação ao câncer de próstata, que em sua maioria ocorre em pacientes com idade avançada, e que devido à sua lenta progressão, apenas em uma minoria dos portadores constitui a causa de morte.
 
Em outras palavras, o câncer de próstata cresce tão lentamente que o paciente acaba falecendo de outras doenças (infarto, derrame, velhice) antes de o câncer de próstata causar maiores problemas. Embora seja verdade que a maioria dos pacientes morre com câncer de próstata e não por causa do câncer de próstata, nós ainda não sabemos identificar adequadamente qual paciente terá um câncer que levará à doença disseminada com consequente dor óssea, problemas urinários e até óbito, e qual paciente terá doença que não causará maiores problemas.
 
Por não conseguir prever o futuro exato do doente e da doença, acabamos recomendando tratamento (cirurgia, radioterapia, hormonioterapia) para um grande número de pacientes que talvez fossem ficar bem sem este tratamento. Mas certamente deixaríamos passar vários que morreriam da doença se omitíssemos o tratamento.

O artigo publicado na revista JAMA descreve que o rastreamento de câncer de mama e próstata aumentou o número de casos diagnosticados, e aumentou a proporção de casos diagnosticados precocemente. No entanto, apesar disso o número de mortes por câncer de próstata não tem se reduzido, e a redução da mortalidade por câncer de mama tem sido menor que a esperada. Os autores especulam que estamos tratando muitos tumores pequenos demais, que poderiam até regredir espontaneamente, sem tratamento. E que aqueles tumores agressivos, que de fato podem levar o paciente ao óbito, possivelmente crescem rápido demais mesmo antes de serem detectados e operados.

Bom, em que isso tudo muda o que fazemos em termos de rastreamento e tratamento dos casos precoces detectados?

Na nossa opinião, enquanto nós não saibamos exatamente qual câncer irá desaparecer ou se comportar tão lentamente que não irá afetar a vida do paciente, não podemos nos dar ao luxo de ignorar um câncer diagnosticado. Também não acredito que devamos abandonar técnicas de diagnóstico mais sensíveis, que detectam tumores ainda menores. O que devemos sim é concentrar esforços em encontrar tratamentos cada vez menos agressivos e cada vez mais direcionados para aquelas poucas células malignas que podem ter o potencial de escapar ao controle natural do sistema imunológico do organismo, e que poderiam dar origem a um câncer fatal. É um erro do ponto de vista médico contar com uma cura espontânea de um câncer.

Continuamos recomendando mamografia anual a partir dos 40 anos, rastreamento de câncer de próstata com PSA. E nós, médicos, temos de cumprir um compromisso de nos manter atualizados quanto ao conhecimento sobre como diferenciar tumores com baixa ou com alta probabilidade de se tornarem um câncer disseminado. O fato de não saber exatamente como proceder com cada caso diagnosticado não é justificativa para ignorarmos a existência deste diagnóstico.

Este é um tema difícil, mas o Oncoguia quer ajudar a ensinar a todos, mesmo sendo temas difíceis sobre o câncer. A informação é sempre uma prioridade e direito do doente.

Rafael Kaliks
Oncologista Clínico
Diretor Científico do Instituto Oncoguia
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