12º Fórum Nacional Oncoguia - Dia 1 - 26/04/2022

Câncer, um problema de todos nós
 
Nos últimos três anos, mais de 50% dos pacientes com câncer começaram o primeiro tratamento nas fases localmente avançadas ou metastáticas. Nestas etapas, já não é possível garantir a cura e o tratamento mais efetivo costuma ser uma terapia nova, mais custosa e que nem sempre está disponível para todos os pacientes, seja no Sistema Único de Saúde ou na saúde suplementar.

Esses dados mostram também que há uma falha nos programas de rastreamento, com atraso para diagnosticar o câncer e, portanto, salvar mais vidas. O paciente segue sofrendo em fila de espera, sem cuidado humanizado, sem transparência, sem acesso ao tratamento e sem atenção para ter sua dor controlada. As leis que estabelecem prazos mínimos não são cumpridas, os hospitais estão sobrecarregados e os postos de saúde – que são a porta de entrada para as pessoas se cuidarem – estão sem médicos. 

O câncer precisa ser tratado de forma prioritária

 “Após tantos desafios, limites e sofrimentos gerados pela pandemia de Covid-19, estamos enfim respirando melhor. Apesar disso, quando olhamos para o mundo do câncer, que foi profundamente impactado pela crise sanitária, percebemos que a situação não está nada boa. Parece que está pior do que nos últimos anos. Conhecemos as projeções do presente, com 625 mil novos casos, e estamos cientes do que se espera de um futuro próximo, onde o câncer pode se tornar a principal causa de morte, ultrapassando as doenças cardiovasculares”. Luciana Holtz, presidente do Oncoguia, durante a abertura do XII Fórum.

A importância de priorizar o câncer: o que pensa a população brasileira 

Uma pesquisa realizada pelo Oncoguia em parceria com o DataFolha trouxe dados extremamente relevantes para o cenário do câncer no país. O levantamento teve abrangência nacional e entrevistou 2099 pessoas de 151 municípios entre 4 e 12 de abril de 2022. 

Luciana Holtz, presidente do Oncoguia, destacou a importância dos dados da pesquisa, principalmente em ano eleitoral como 2022. Ela apontou que a perspectiva negativa associada ao câncer pode ser perigosa, capaz de paralisar as pessoas e impedir que elas busquem ajuda com o aparecimento dos primeiros sintomas. 

Holtz também reforçou que a priorização do câncer pelo governo não é apenas uma demanda dos profissionais da área e das instituições ligadas à oncologia, como o próprio Oncoguia, mas uma necessidade apontada pela população brasileira. 

“Por conta de um histórico familiar de câncer de mama, eu precisava realizar acompanhamento com mamografia a cada seis meses. O último deles, antes da pandemia, foi em 2019. Com as medidas de confinamento, deixei de realizar o exame seguinte, por medo e insegurança da pandemia e também porque moro a 400 km de distância de Salvador e o transporte intermunicipal que eu precisava utilizar para ir à consulta foi suspenso. Quase um ano depois, senti um incômodo na axila. Marquei a mamografia e tive o diagnóstico de câncer de mama confirmado. Talvez, se não fosse a pandemia, eu teria sido diagnosticada antes, no tempo certo”. Marta Maria, voluntária do Oncoguia.

Impacto da pandemia e retomada da oncologia: o que já sabemos e o que pode ser feito 

A oncologia foi profundamente impactada pela pandemia de Covid-19. As discussões da primeira mesa do Fórum trouxeram o cenário atual, com pacientes recebendo diagnóstico tardio e, consequentemente, apresentando um estágio mais avançado da doença. As consequências foram notadas nos diferentes serviços oncológicos, como na realização de biópsias, cirurgias, exames preventivos e tratamentos sistêmicos. 

Tratamento oncológico comprometido: um problema global 

No início da pandemia, em fevereiro de 2020, os governos, prestadores de serviço da área de saúde, sociedades médicas e toda a população, em geral, não tinham informações necessárias sobre a crise sanitária. Hoje, contudo, muitas lições foram aprendidas e, embora não seja possível prever o futuro, pode haver um melhor planejamento para evitar situações que deixem o sistema de saúde sobrecarregado novamente. 

A pandemia mostrou que, mesmo nos países mais desenvolvidos, com sistema de saúde robusto, a situação pode se tornar dramática – essa insuficiência foi ainda mais percebida nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde a rede de saúde já opera no seu limite. “Precisamos aprender a lição e usar a experiência como oportunidade para preparar o sistema de saúde para o futuro”, explica Carlos Barrios, oncologista e diretor de pesquisa clínica do Grupo Oncoclínicas. 

Além disso, a pandemia aproximou o público de pautas que antes não eram frequentes nas discussões da população, como a realização de estudos clínicos e os processos de regulamentação e aprovação de uma terapia ou vacina Essa aproximação foi considerada pelo palestrante como um ponto positivo, embora o número de pesquisas tenha sido reduzido durante a crise sanitária: “Essa redução também pode nos abrir portas para refletirmos sobre possibilidades de realizar estudos de forma virtual, sem perder a qualidade”.

Impacto da pandemia no câncer: vamos rever os números do Brasil? 

André Santos, coordenador de dados e RWE do Oncoguia, apresentou números colhidos pelo Radar do Câncer em relação à pandemia. Além de exibir estatísticas que evidenciam a participação da crise sanitária no atraso da realização de exames, como mamografias, colonoscopias e retirada de biópsias, o palestrante mostrou o impacto da pandemia no diagnóstico tardio dos dez principais tipos de câncer: “Também notamos que o número de óbitos por câncer caiu nos últimos dois anos após a pandemia, mas isso não é necessariamente uma boa notícia, ele camufla a realidade, pois trata-se do óbito de pessoas não diagnosticadas com câncer”. 

Impacto da pandemia nos diagnósticos

Clovis Klock, CEO do Grupo Infolaudo e presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Patologia, apresentou dados do Datasus mostrando que o número de biópsias realizadas começou a cair a partir de março de 2020, com o decreto da pandemia pela Organização Mundial da Saúde – o menor número registrado foi em abril de 2020. Só em 2021, a situação começou a dar os primeiros sinais de normalização.
 
Impacto da pandemia nas cirurgias

Durante os primeiros meses da pandemia, estima-se que houve uma redução de cerca de 70% das cirurgias oncológicas. Os sistemas públicos e privados de saúde tiveram que suspender a atividade de muitos centros cirúrgicos, além de destinar vagas de pacientes oncológicos para o tratamento de Covid-19, incluindo leitos de UTI.

Alexandre Ferreira Oliveira, membro do conselho consultivo da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO), lembra que essa queda revelou uma situação que deveria ter sido evitada: “Percebemos uma leva de pacientes chegando com tumores que poderiam ter sido tratados bem antes. Sabe-se que 59% dos pacientes com câncer diagnosticados precocemente precisam de uma cirurgia”.
 
Impacto da pandemia nos tratamentos sistêmicos 

Para Paulo Hoff, oncologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), ao contrário de outras patologias, onde o atraso de alguns meses do diagnóstico não tem influência no desenvolvimento da doença, no caso do câncer esse atraso de dois anos foi catastrófico. O impacto imediato foi percebido entre os pacientes já conectados com cirurgiões e radioterapeutas, com medo de frequentar o ambiente hospitalar, e nos remanejamentos feitos na estrutura dos hospitais – públicos e privados – para conseguir atender à demanda de pacientes com Covid-19.

Segundo ele, hoje é possível também notar as consequências tardias dos diagnósticos atrasados. Além dos pacientes que estão chegando agora porque estão desenvolvendo a doença, há todos os outros que foram diagnosticados tardiamente. Nesses casos, a situação é ainda mais complexa porque eles procuram tratamento apresentando um estágio mais avançado da doença. 

“Existe um percentual de pacientes que poderia ser curado com a cirurgia, mas por conta da pandemia eles chegaram já com estágio três ou quatro da doença e são obrigados a realizar um tratamento mais complexo e sistêmico. As projeções do Reino Unido estimam que a mortalidade por câncer aumente em 20% nos próximos cinco anos por conta disso. Não temos esses números quantificados no Brasil ainda, mas não será muito diferente”. Paulo Hoff, oncologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

Impacto da pandemia na radioterapia

Arthur Rosa, membro da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT), informou que, durante a pandemia, seis a cada dez serviços de radioterapia tiveram uma queda no número de pacientes e 15% deles tiveram essa redução superior a 50%. 

Para tratar os pacientes durante a pandemia, os serviços de radioterapia tiveram de se adaptar – em alguns casos o tratamento foi postergado. Houve também a flexibilização das normas técnicas sobre o quantitativo de pessoal, para ter o mínimo possível de pessoas em contato. 

Nos casos dos pacientes infectados por Covid-19 que não podiam atrasar o tratamento, o atendimento seguia em horários de fim de expediente, com os profissionais devidamente paramentados. Outra estratégia adotada foi o hipofracionamento da radioterapia, utilizada em mais de 80% dos serviços durante a pandemia, com a possibilidade de administrar frações maiores com menos aplicações.
 
Visão do poder público

“O problema não é a pandemia, mas o sistema de saúde como um todo porque, apesar da pandemia, ele continua com uma deficiência e precisamos ver do ponto de vista normativo como melhorar isso”. Jurandir Frutuoso, secretário executivo do Conass
 
“É preciso haver integralidade do cuidado do sistema público. A pandemia nos deixa essa herança para a oncologia, mostrando a importância de haver uma igualdade do SUS em todo o país, desde a Amazônia profunda”. Hisham Hamida, diretor financeiro do Conasems
 
“Tudo o que foi discutido hoje está ligado profundamente à questão do orçamento, que precisa ser direcionado para obter mais recursos ao combate ao câncer. Um deles é a utilização da tecnologia para obter mais informações e obtenção de dados, como tempo de espera para fazer um exame de biópsia, realizar uma cirurgia ou iniciar um tratamento. São com essas informações concretas que podemos expor e levar os problemas ao Congresso e encontrar soluções para eles”. Frederico Escaleira, oncologista e Deputado Federal
 
Do ponto de vista global, o que está sendo feito para priorizar a oncologia?

A incidência do câncer está cada vez maior em todo o mundo e é possível aprender com outros países como adotar estratégias mais eficazes para o combate à doença, com bom rastreamento, inteligência e dados, financiamento e envolvimento do governo nas ações de prevenção.
 
Boas práticas pelo mundo

A pandemia mostrou que a sociedade define o que é prioridade para ela, se organizando para encontrar suas necessidades mais relevantes, assim como aconteceu quando foi percebido que a prioridade era encontrar uma vacina que protegesse contra a Covid-19.

“Precisamos buscar as melhores evidências para auxiliar a sociedade a entender melhor as prioridades. Não podemos, por exemplo, colocar o câncer de pulmão, próstata e mama em um mesmo pacote e pensar que a repercussão de cada um deles vai ser igual”, explicou Felipe Roitberg, oncologista e consultor da OMS. 

A discussão também abordou o conceito de óbito por excesso, quando é notada uma tendência à mortalidade que foge do padrão de um determinado local. Durante a pandemia, esses óbitos por excesso foram notados em todo o mundo, incluindo no Brasil – com uma taxa de 500.000. Isso não significa que a causa da mortalidade vem apenas da Covid-19, mas também de todas as outras doenças que, na ausência de tratamento adequado durante a pandemia, causaram uma espécie de efeito tsunami nos índices.

Definindo prioridades na oncologia: a experiência de Portugal 

Assim como no Brasil, o câncer também é a segunda maior causa de morte em Portugal. O coordenador nacional para doenças oncológicas, José Dinis, explicou o projeto de estratégia nacional da luta contra o câncer no país, que está em fase de aprovação. 

Ele destacou a importância de criar uma estratégia que envolva o governo como um todo e não apenas o Ministério da Saúde. Essa colaboração interministerial é importante porque a luta contra o câncer envolve diversas áreas da sociedade, como educação, pesquisa e investigação, financiamento, atividade física e alimentação.

Desdobramentos para o Brasil 

Maira Caleffi, presidente da Femama e mastologista do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, alertou sobre o impacto que um registro nacional de dados teria na avaliação do cenário real para definir as ações prioritárias:

“Precisamos melhorar os registros de câncer existentes, estabelecendo um registro nacional com base em toda a população, sem tanta defasagem. Hoje, olhamos para os dados retrospectivamente, de cinco anos atrás. O ideal é ter um sistema com notificações atualizadas, quase que em tempo real, referentes ao último ano, para entendermos melhor o que o paciente está vivendo agora, no presente”.

Diante de tantos desafios, como priorizar?

Para Nelson Teich, coordenador do Comitê de Saúde da rede Governança Brasil e ex-ministro da saúde, existem quatro principais pontos que devem ser conhecidos em detalhes para poder realizar um diagnóstico do sistema de saúde no presente e, dessa forma, conseguir fazer o planejamento para o futuro. São eles: necessidades da sociedade, financiamento, infraestrutura e operação, e desfecho clínico. 
 
Segundo ele, “se não temos uma ideia desses fatores, é como navegar às cegas. Ficamos sem saber como funciona o sistema e o que acontece nele”.

Do ponto de vista nacional, o que pode ser feito para priorizar a oncologia?

Um dos pontos cruciais para priorizar a oncologia é a criação de uma estratégia de combate ao câncer, assim como foi feito de forma bem-sucedida com o HIV e com o programa de vacinação. A formação de políticas públicas com um olhar de contexto, atenção aos fatores estruturais e gestão eficiente teriam um papel primordial na melhoria do panorama atual.

“A primeira coisa a ser feita é inserir a oncologia dentro de uma política nacional de controle do câncer, com uma estrutura de gestão centralizada. Também precisamos colocar em prática o que aprendemos com a pandemia, que nos ensinou a utilizar novas ferramentas para facilitar a gestão do setor, como a utilização da tecnologia e comunicação, e as mudanças de protocolos técnicos, como o hipofracionamento na radioterapia”. Luiz Antônio Santini, pesquisador associado do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz

“É necessário voltar a prestar atenção aos fatores estruturais, que saíram do debate, e que levam ao aumento de casos na oncologia, como o fumo, a obesidade, o sedentarismo, o padrão alimentar, o consumo de álcool e a poluição ambiental. Temos exemplos de políticas públicas de sucesso, como o programa do HIV, que foram construídas a partir de uma demanda da sociedade e da mobilização de pacientes, governo, cientistas e especialistas da área. Não é possível falar sobre tratar o câncer sem discutir a questão ambiental, o consumo de álcool e a prevenção e educação nas escolas, desde o nível mais básico, por exemplo. Tudo isso deve ser feito em parceria com outros ministérios, para obter uma visão mais ampla e transversal”. Jose Gomes Temporão, ex-ministro da saúde e pesquisador da Fiocruz

Expediente 
Texto: Carolina Melo
Edição: Natalia Cuminale

Clique aqui e assista à íntegra do primeiro dia do 12º Fórum Nacional Oncoguia.
 

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